quinta-feira, 25 de dezembro de 2014

ainda sobre a anistia ...


ESPÍRITO CONCILIADOR

A anistia em sua mais legítima vocação é ampla, geral e irrestrita

25 de dezembro de 2014, 17h11
Por 
Ao final do regime militar, o Congresso aprovou a Lei 6.683/79, que anistiou “a todos quantos, no período compreendido entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes.
Teotônio Vilela, presidente da  Comissão do anteprojeto da Lei da Anistia,  escutou o povo brasileiro sobre a proposta e se, apesar de não atender inteiramente as reivindicações dos movimentos de anistia, era suficiente para pacificação nacional.
Não é, porém, a Lei 6.683/79 a responsável pela viragem histórica brasileira, mas a Emenda Constitucional 26/85, que convocou assembleia constituinte e  concedeu anistia, “a todos os servidores públicos civis da Administração direta e indireta e militares, punidos por atos de exceção, institucionais ou complementares”, e aos autores de crimes políticos ou conexos, e aos dirigentes e representantes de organizações sindicais e  estudantis" por fatos compreendidos entre setembro de 1961 e agosto de 1979.
A justaposição da Lei da Anistia com a Emenda de convocação da Assembleia Constituinte e com o texto constitucional aprovado espelha o amplo e livre consenso nacional quanto às atrocidades dos militares e militantes ao tempo do regime. Nas Atas das Reuniões das Comissões e nas votações não há notícia de interferência militar. Aliás, a pressão partiu de forças e grupos  sociais mobilizados e articulados.
Na Ata da 12ª Reunião da Comissão da Soberania e dos Direitos e Garantias do Homem, os deputados Paulo Cunha, João Menezes, Jose Paulo Bisol e Farabulini Jr. falam da pacificação da família brasileira. O sentido sempre foi da anistia ampla, geral e irrestrita, não conformada para o revanchismo, mas resultado de singular momento de pacificação nacional. Farabulini Jr. aplaude o relatório de Bisol porque, não obstante "a tortura um ponto negro na história desta Nação e do mundo no entanto, V. Ex.ª não pretendeu a revanche. No seu relatório, inclusive, eliminou a prisão perpétua para esses criminosos".. A preocupação de Bisol é compor o novo texto constitucional com a Lei 6.683/79, a suprir  "as deficiências, as omissões, as lacunas da legislação em vigor". No ano seguinte Bisol integrou chapa de Lula à presidência.
A ampla conciliação nacional da constituinte de 1988, a contemplação possível dos plúrimos interesses nacionais e a recomposição ideológica do Estado brasileiro buscaram a estabilização política e o concerto da nação.
Lembre-se o grande lastro social do movimento militar revolucionário (As Marchas da Família com Deus e pela Liberdade), depois perdido no arbítrio. Por isso, importa prevenir “reconfigurações ou deslocamentos de sentido” histórico (Daniel Aarão Reis Filho), que demonizam as forças de direita e glamorizam as de esquerda: “Um primeiro deslocamento de sentido, promovido pelos partidários da Anistia, apresentou as esquerdas revolucionárias como parte integrante da resistência democrática, uma espécie de braço armado dessa resistência. Apagou-se, assim, a perspectiva ofensiva, revolucionária, que havia moldado aquelas esquerdas. E o fato que elas não eram de modo nenhum apaixonadas pela democracia, francamente desprezada em seus textos."
A anistia significou esquecimento dos delitos dos agentes estatais e dos resistentes dada a motivação político-ideológica, valendo a Lei 6.683/79, como decidiu o STF, a Emenda convocatória e o texto final da CF de1988.
Só por isso, aos militantes a anistia alcançou os delitos de terrorismo, sequestro, atentado pessoal e assalto, portanto, crimes contra o patrimônio, crimes contra a população civil, crimes mesmo contra a humanidade, consumados em território urbano ou rural.
Assim, a anistia foi instrumento político voltado à ampla pacificação das forças políticas e sociais depois do regime (1980) e da redemocratização plena do país (1988). Recepcionada a Lei da Anistia de 1979  em favor de perseguidores e perseguidos, foi disciplinada juridicamente sob esse espírito conciliador pelo constituinte.
O fenômeno não é, portanto, autoanistia, mas  legítima manifestação da vontade popular. Equivocado invocar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos ou decisão da Corte Interamericana de Direitos Humanos, no caso “Julia Gomes Lund e outros”, - “Guerrilha do Araguaia”, segundo a qual os crimes contra a humanidade dos agentes estatais na ditadura devem ser investigados, os agentes processados e punidos. Adesão à Convenção Americana e decisão de Corte Internacional não prevalecem sobre a decisão livre e soberana, em contexto de conciliação nacional, do povo reunido em assembleia constituinte plenamente legitimada e democrática.
A pacificação nacional proposta pelo governo militar aprovada no Congresso (Lei da Anistia), recebeu a chancela mais abrangente do povo em assembleia constituinte (CF de 1988), em período histórico logo subsequente; situação em tudo diferente da ocorrida no Chile ou Peru.
Equivocado interpretar a anistia com foco fechado na Lei 6.683/79. Impõe-se conjugar esse diploma com a evolução histórica, jurídica e política subsequente (constituinte). Assumirem as esquerdas o comando em governos da América Latina, não autoriza o modismo persecutório do revisionismo, privilegiando os perseguidos políticos, autores igualmente de crimes contra a humanidade.
A anistia em sua mais legítima vocação é ampla, geral e irrestrita. Implica completo e definitivo esquecimento dos crimes de determinado período histórico, a alcançar todos os agentes e abranger as consequências jurídicas em todos os planos.
O revisionismo atende, assim, a grupos episodicamente no poder, sob o rótulo muito conveniente, sedutor e generoso dos direitos humanos; todavia solenemente desprestigiados pela esquerda revolucionária como testemunham as atrocidades e violações dos atos extremos de terrorismo de esquerda.
David Teixeira de Azevedo é advogado e professor de Direito Penal da USP.

Revista Consultor Jurídico, 25 de dezembro de 2014, 17h11

quarta-feira, 24 de dezembro de 2014

a Anistia ...

Penso que essa tese deve prevalecer no Supremo

Revisitar a anistia implica desprezo à escolha legislativa.

24 de dezembro de 2014, 11h57
Por 
[Artigo originalmente publicado no jornal Folha de S.Paulo desta quarta-feira 24/12)]
A história, com os acontecimentos e circunstâncias vivenciados, conduz à reflexão, à formação de ideias, à prática de atos na vida em sociedade. É comum dizer que o passado serve de alerta, de luz, visando à correção de rumos, ao fortalecimento da unidade nacional.
Conhecer os erros, os equívocos, os procedimentos conflitantes com a postura que se aguarda do homem médio com a ordem jurídica, com o direito posto, é da maior valia para que não se repitam, norteando a arte de atuar das gerações.
Em 1979, os olhos da nação direcionaram-se ao restabelecimento da paz social. O momento era de abandono de toda sorte de paixão extremada, de busca da abertura sociopolítica, do entendimento, consideradas as diversas correntes ideológicas.
A mudança de contexto, pouco importando o enquadramento que se dê hoje, veio a ser viabilizada, surgindo uma lei aprovada pelos representantes do povo. Acionou-se o que se pode denominar como justiça de transição. A anistia retratou, de forma linear, bilateral, os sentimentos reinantes. Bendita Lei da Anistia, cuja eficácia constitucional foi declarada pelo Supremo Tribunal Federal.
Alterar esse quadro por meio de revisão judicial, revisitando-se o conteúdo, a extensão da anistia, implica desprezo à escolha legislativa, à segurança jurídica, renegando-se o avanço cultural alcançado. O Brasil pode e deve aprender com o passado, mas há de ter os olhos no presente, planejando o futuro.
Entre punições de toda ordem e reconciliação, a opção recaiu sobre a segunda, que se revelou certa e eficiente à pacificação. Perdão em sentido maior, reconstrução da democracia e afirmação do Estado de Direito foram escolhas associadas à época. O abandono desse enfoque gera preocupação.
O pronunciamento do Supremo, em 2010, a partir do voto sábio do ministro Eros Grau, calcado em insuplantável equidistância, homenageou o que decidido em termos de normatividade, afastando de vez surpresas, sobressaltos, de consequências imprevisíveis e indesejáveis. Incluamo-nos, sim, entre os que se embalam pelo idealismo e dele retiram a força para construir uma realidade transformadora.
Mais e mais indignados com os acontecimentos que assolam a nação, devemos manter o desejo de testemunhar o dia em que se terão abolido obtusas mentalidades e viciadas práticas, que deságuam na perniciosa junção do privado e do público, usando-se o segundo como meio de fazer crescer o primeiro, quando deveria ocorrer justamente o contrário: cada um dar o melhor de si em proveito da sociedade, jamais pretendendo beneficiar-se, privativa e ilicitamente, da coisa pública, dos bens que a todos pertencem.
Continuemos a almejar um Brasil livre da corrupção, dos desmandos, do uso desregrado da máquina administrativa.
Essa visão não é utópica. É possível e viável. Para tanto, mostra-se suficiente que ao menos a maioria esteja decidida a seguir o caminho por vezes mais difícil e tortuoso, evitando os atalhos falaciosos que conduzem ao abismo da imoralidade, ilegalidade e abuso de poder. Já passou, e muito, da hora de dar um basta aos escândalos, aos roubos, aos desvios de dinheiro, ao aparelhamento do Estado, ao desgoverno.
Nossa tão rica nação é hoje mal vista no exterior, sendo objeto de investigação por entidades internacionais, desmoralizada naquilo que deveria ser nosso orgulho e pelo qual se deveria zelar: a ética, sinônimo da arte de bem proceder na vida social.
Cabe o grito de protesto pela desfaçatez com que se rouba às instituições nacionais, o inconformismo com a apatia demonstrada por quem tem a obrigação de coibir procedimentos infames e, às vezes, acaba seduzido pela vantagem política, pelo lucro fácil advindo de dinheiro sujo. Clamemos por mudanças profundas na mentalidade dos detentores do poder.
Tantas decepções não podem minar o otimismo. Reafirmemos a profissão de fé nas virtudes dos brasileiros, no brio de homens e mulheres que ousarão levantar-se contra o torpor em que está mergulhado o país, arregaçando as mangas e cobrando as transformações necessárias. Entre passado, presente e futuro, a escolha é única, visando dias melhores nesta sofrida República.
Marco Aurélio Mello é ministro do Supremo Tribunal Federal.

Revista Consultor Jurídico, 24 de dezembro de 2014, 11h57

Segundo pesquisa, Ministério Público é a instituição mais confiável do país

T1 Notícias | Segundo pesquisa, Ministério Público é a instituição mais confiável do país | Geral

O Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) divulgou, no início de dezembro, os números de uma pesquisa realizada para checar a visão dos brasileiros sobre o Ministério Público (MP). Entre as conclusões do estudo estão que o Ministério Público é a instituição mais confiável do país.
O diagnóstico foi aplicado pela Praxian Business & Marketing Specialists em 348 municípios nas cinco Regiões do Brasil, entre os dias 27 de setembro e 22 de novembro de 2014. Foram ouvidos quase 6 mil entrevistados em todo país. A população possui a percepção de que o CNMP e MP são “muito importantes para a Sociedade”. Grande parcela dos entrevistados vincula a atuação do Ministério Público com a justiça, a fiscalização e o combate à corrupção.
A palavra “fiscalização” foi a mais associada ao Ministério Público, por 8,9% das pessoas entrevistadas. Na região norte este percentual chega a 15%.
Quase 70% dos entrevistados disseram que o MP é muito importante para a sociedade. Um dado preocupante é que apenas 6,8% da população afirma já ter feito algum tipo de denúncia, e destes, menos de 10% procuram o Ministério Público para fazê-lo.
O combate à corrupção é visto pela maioria como área de atuação com maior percepção pela sociedade, com 12,5%. Para a população do Norte país a visibilidade do MP neste campo é ainda maior (15%).
Outra área em que os Ministérios Públicos da Região Norte estão acima da média nacional é o índice de satisfação com a atuação do Parquet. Entre as principais características citadas pelos entrevistados estão agilidade (21,6%) e ética (16%), no Norte e Solução de Problemas (15,7%) e Comprometimento (11%), em nível nacional.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2014

Novo CPC ...


Eu não acredito em muitas mudanças com o novo CPC ... é um marco, um diploma processual do século XXI ... mas mudanças ...

Conjur:


Para Celso de Mello, novo CPC vai democratizar acesso à Justiça

O ministro do Supremo Tribunal Federal Celso de Mello elogiou nesta quinta-feira (18/12) o novo Código de Processo Civil, aprovado pelo Senado na quarta (17/12). Em discurso em homenagem ao colega Luiz Fux, que liderou a comissão de juristas responsável pelo texto, em sessão plenária do STF, Celso de Mello afirmou que a nova lei dará maior agilidade à resolução de conflitos e democratizará o acesso à Justiça.
Celso de Mello (foto) avaliou que o novo CPC vai "propiciar não só maior acessibilidade do cidadão ao sistema  de jurisdição estatal ou aos modelos alternativos de composição dos litígios mediante conciliação, arbitragem ou mediação, mas conferir, também, real efetividade à cláusula constitucional que assegura a todos os cidadãos o direito à prestação jurisdicional sem dilações indevidas”.
O decano do STF também ressaltou o trabalho “eficiente, intenso e competente” do ministro Luiz Fux na elaboração do Novo CPC, a quem qualificou de “reconhecido processualista” e “professor ilustre”.
Leia abaixo a íntegra do discurso de Celso de Mello sobre o Novo CPC:
"Pronunciamento do ministro Celso de Mello em saudação ao ministro Luiz Fux por motivo da aprovação, pelo Congresso Nacional, do projeto de novo Código de Processo Civil
Como sabemos, senhor presidente, o Congresso Nacional concluiu, na data de ontem, a votação definitiva e a aprovação final do projeto de lei que institui o novo Código de Processo Civil brasileiro.
Esse projeto de lei, oportunamente, será encaminhado à senhora presidente da República, para sanção.
Registro esse evento, por tratar-se de fato extremamente auspicioso não só para a comunidade jurídica brasileira, mas, especialmente, para os cidadãos e as instituições de nosso País.
Há, no entanto, um aspecto de grande relevo que merece ser destacado, pois, para grande honra do Supremo Tribunal Federal, o projeto de lei em questão resultou do trabalho eficiente, intenso e competente de nosso eminente colega, o ministro Luiz Fux que, à frente de Comissão integrada por notáveis juristas por ele coordenada e credenciado por sua alta qualificação como reconhecido processualista e professor ilustre, superou os gravíssimos desafios da tarefa de que foi encarregado, culminando por ver integralmente realizado o trabalho monumental de codificação processual civil que iluminará os rumos da administração da justiça em nosso País pelas próximas gerações.
O projeto de lei ora aprovado consagra novas instituições e mecanismos que permitirão soluções jurisdicionais e resoluções alternativas de disputas mais ágeis e céleres, compatibilizando o tempo processual com as exigências impostas pelas necessidades sociais e pelo interesse público, em ordem a propiciar não só maior acessibilidade do cidadão ao sistema de jurisdição estatal ou aos modelos alternativos de composição dos litígios mediante conciliação, arbitragem ou mediação, mas conferir, também, real efetividade à cláusula constitucional que assegura a todos os cidadãos o direito à prestação jurisdicional sem dilações indevidas.
Isso significa, portanto, na perspectiva da reformulação institucional do ordenamento processual civil brasileiro (tão bem conduzida – é preciso reconhecer – pela qualificada assistência técnico- -científica do eminente ministro Luiz Fux), que se torna lícito concluir, a propósito dessa verdadeira reconstrução legislativa operada pelo Congresso Nacional, que esse magnífico trabalho de codificação apoiou-se, claramente, em pelo menos quatro pilares fundamentais: (a) a necessidade de reconhecimento da independência política dos juízes, (b) a busca da eficiência técnica de suas decisões, (c) a efetiva implementação da celeridade processual e (d) a viabilização da eficácia social dos julgamentos efetuados por magistrados e tribunais.
O fato relevante, na realidade, senhor presidente, é um só: o projeto de lei que vem de ser aprovado pelas Casas do Congresso Nacional, cuja tramitação, ao longo de mais de cinco anos, foi acompanhada, pari passu, pelo eminente ministro Luiz Fux, reveste-se, por sua inquestionável importância jurídica, social e política, da alta qualificação que lhe é merecidamente atribuída, pois o seu texto normativo inova, desenvolve, aperfeiçoa e moderniza, em bases inteiramente compatíveis com as exigências e os valores da contemporaneidade, o sistema processual civil que irá vigorar em nosso país.
Ao concluir este pronunciamento, senhor presidente e senhores ministros, desejo saudar e cumprimentar o eminente ministro Luiz Fux por seu valiosíssimo contributo à evolução do Direito brasileiro no plano da legislação processual civil, enfatizando, por ser justo e necessário, que o futuro Código de Processo Civil surge legitimado pelo amplo debate social, científico e parlamentar a que foi intensamente submetido, revelando-se, por isso mesmo, instrumento que permitirá ao Poder Judiciário de nosso país a administração da justiça e a resolução de conflitos em bases politicamente independentes, tecnicamente eficientes, processualmente céleres, socialmente eficazes e eticamente irrepreensíveis.”
Revista Consultor Jurídico, 18 de dezembro de 2014, 18h50

Avançamos pouco ...

Essa ainda é nossa realidade:

El País:


Mulheres e negros são os mais atingidos pela fome no Brasil

Crianças na favela do Mandela, Rio de Janeiro. / Vladimir Platonow (Abr)
Embora o Brasil venha avançando na última década no combate à fome, as desigualdades sociais por gênero e raça ainda engatinham. De acordo com o relatório de Segurança Alimentar 2013, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e divulgado nesta quinta-feira, milhares de brasileiros deixaram de passar fome no país nos últimos dez anos. Mas as mulheres e os negros continuam representando a fatia da população com os piores indicadores.
O índice é dividido em duas categorias: Segurança Alimentar – quando a pessoa teve acesso aos alimentos em quantidade e qualidade adequadas e não achava que ia sofrer qualquer restrição alimentar no futuro. E Insegurança Alimentar – quando se detectou alguma preocupação com a quantidade e a qualidade dos alimentos disponíveis (grau leve), ou quando se convive com a restrição quantitativa de alimento (moderado), ou quando, além dos adultos, as crianças também passavam pela privação de alimentos (grave). Nesse último grau, o mais severo, existem hoje sete milhões de brasileiros. Há dez anos, no início do levantamento, eram 14,8 milhões.
A insegurança alimentar é maior nos domicílios onde as chamadas 'pessoas de referência' – basicamente quem manda na casa, o que não tem relação, necessariamente, com quem é o responsável pela renda do lar – eram as mulheres: 9,3%, contra 6,9% dos homens.
Para Alessandro Pinzani, professor de filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e co-autor do livro Vozes do Bolsa Família, essa diferença pode ser uma consequência do programa Bolsa Família. “Muitos dos homens [de baixa renda] não estão cadastrados no programa, o que, provavelmente, dá uma renda regular maior [para a casa]", diz. “As famílias chefiadas por mulheres em muitos casos não têm uma renda regular através do trabalho. Vivem do Bolsa Família e de bicos”. Essa é uma interpretação. Mas segundo Jully Ponte, técnica do IBGE, o cruzamento de dados de famílias beneficiadas pelo programa social e das que responderam à pesquisa não foi feito. “Além disso, os domicílios cuja referência são mulheres pode ter aumentado também”, disse.
O recorte por raça também aponta para a desigualdade. Os domicílios cuja pessoa de referência é negra ou parda são maioria, em relação àqueles comandados por brancos: 29,8% contra 14,4%, respectivamente. “A miséria tem cor no Brasil”, diz Pinzani.
Para ele, o combate à fome encontra, neste momento, dois gargalos. “Um é estrutural e outro é mais subjetivo”, diz. “O subjetivo diz respeito à ignorância alimentar. As pessoas não sabem se alimentar e, quando passam a ganhar mais dinheiro para comprar comida, passam a se alimentar pior”.
Já o estrutural é consequência do difícil acesso da população a alimentos como verduras e hortaliças. “Muitas vezes as pessoas têm consciência de que precisam de frutas e legumes, mas esses alimentos são caros”, diz. “Principalmente no sertão do país, ter uma horta custa caro, por causa da água necessária [para irrigar]. E comprar esses alimentos nessa região também custa muito caro”, explica.
De fato, comparada com as cidades, as áreas rurais abrigam maior população que sofre com a fome: 35% contra 20,5% dos centros urbanos. “Detectamos uma diferença positiva na área urbana, mas menos na área rural”, diz Jully Ponte, comparando a redução dos problemas relacionados à fome nessas duas áreas com os anos anteriores. Além disso, 45% das pessoas que passam fome estão na região Nordeste do país.
Essa região é a única em que todos os Estados apresentaram taxas de segurança alimentar inferiores à média nacional (77,4%).
Isoladamente por Estado, o Espírito Santo foi o que apresentou a maior taxa de segurança alimentar (89,6%), seguido por Santa Catarina (88,9%) e São Paulo (88,4%). Já o Maranhão (39,1%) e o Piauí foram os Estados com as piores taxas desse índice, 39% e 44,4%, respectivamente. Mas até nesses locais houve avanço: Em relação a 2009, esses Estados registraram aumentos de 3,8 e 3 pontos percentuais, respectivamente.

A fome compra fiado

O levantamento indica que comprar fiado é a principal atitude adotada pelas famílias que sofrem com falta de alimento: 43% afirmaram tomar essa atitude. Em seguida, 27% disseram que pedem alimentos emprestados a parentes, vizinhos ou amigos e 7% deixam de comprar supérfluos.

Cenário internacional

Um comparativo feito pelo IBGE apontou que o Brasil (77%) é o segundo país com o maior número de domicílios que vivem segurança alimentar, entre os países da América que usam uma metodologia parecida para calcular esse problema. Os Estados Unidos (85%) apareceram em primeiro lugar. Em terceiro lugar está a Colômbia (57%), seguida do México (30%) e da Guatemala (19%).
Não foi possível comparar todos os países do continente porque nem todos usam o mesmo método para o calcular.

sábado, 6 de dezembro de 2014

Cuidados com a Operação Lava Jato ...

Matéria muito interessante na Conjur de hoje. 

Achei as ponderações bem pertinentes e as preocupações do MPF merecem atenção.


Revista Conjur de hoje:

http://www.conjur.com.br/2014-dez-06/procuradores-lava-jato-preocupados-nulidades-processuais


Procuradores da "lava jato" estão preocupados com nulidades processuais

Os membros do Ministério Público que atuam na operação “lava jato” estão com receio de que a pressa em concluir o caso possa levar a nulidades que derrubem toda a investigação. Em diversas manifestações, os procuradores pediram cautela ao Judiciário na condução das apurações e dos processos relacionados, para que eles não sejam anulados pelo Superior Tribunal de Justiça.
A atitude se baseia na experiência. Não são poucos os exemplos de ações penais que correram durante anos e foram derrubadas por conta de ilegalidades cometidas durante as investigações.
O mais célebre é o da operação satiagraha, anulada pelo STJ porque o delegado responsável pelas investigações convocou, de maneira secreta e ilegal, agentes da Abin, a Agência Brasileira de Intelgência, para ajudar nas interceptações telefônicas. Hoje, o Supremo Tribunal Federal investiga se a operação não foi financiada por empresas privadas.
Mas há inúmeras operações. Para citar algumas, houve a sundown, a castelo de areia, suíça, boi barrica e chacal. Em comum o fato de elas terem à frente um juiz voluntarioso.
Precaução
No caso da “lava jato”, os procuradores estão agindo de antemão para evitar que a operação dê em nada. Uma das manifestações, já em segundo grau, deixa evidente a preocupação do MP. É de quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região mandou o juiz federal Sergio Fernando Moro, responsável pela operação, parar de intimar os réus por telefone.

Moro decidiu usar o telefone para avisar das audiências por considerar o método mais rápidos e menos burocrático do que a citação por edital, ou pelo correio. O procurador Manoel Pastana, que atua no caso em segunda instância, até concorda com o juiz, mas alerta que, “por maior que seja a vantagem” e “ainda que em benefício dos réus presos”, “a providência inovadora não tem amparo legal”, como escreveu em parecer.
“As regras legais não podem ser postergadas, mesmo que a pretexto de imprimir celeridade processual. Assim, faz-se necessário cumprir as regras do processo eletrônico”, escreveu no parecer. Ele mesmo reconhece que, caso o TRF-4 autorizasse as intimações por telefone, é quase certo que o STJ as cassaria. E a consequência poderia ser a anulação da validade de uma das delações premiadas, por exemplo.
Prisão preventiva
As prisões preventivas de executivos das empreiteiras OAS, UTC Engenharia e Engevix resultaram em alguns incidentes em que o MP interferiu para que a operação não caísse por terra.

Os advogados dos executivos impetraram Habeas Corpus alegando que as ordens de prisão foram baseadas apenas no conteúdo das delações premiadas, e que as prisões preventivas estão sendo usadas como forma de coação dos réus a colaborar com as investigações.
Nos pareceres em que defendeu as prisões preventivas, Pastana sustentou que havia nas ordens de prisão todos os elementos do artigo 312 do Código de Processo Penal, que trata das condições para a detenção preventiva.
Uma dessas condições, escreveu o procurador, é a “conveniência da instrução criminal”. E dentro dessa conveniência estaria a “possibilidade de a segregação influenciá-los na vontade de colaborar com a apuração de responsabilidade”, conforme mostrou reportagemda ConJur.
A repercussão do parecer foi imediata e extremamente negativa. Advogados reclamaram de que se estava fazendo “tábula rasa do direito ao silêncio”. Professores de processo penal alertaram para a volta ao tempo das masmorras.
E no dia seguinte, o procurador Pastana enviou uma petição de esclarecimento ao TRF dizendo que jamais defenderia a prisão para “forçar os réus a confessar”, como disse a ConJur.
“O que sustento no parecer é a prisão preventiva como forma de corroborar com a delação premiada”, afirmou. “Pelo menos enquanto a Constituição Federal prever o silêncio como direito do acusado, jamais faria sustentação nesse sentido, pois caso a tese fosse acolhida pelo tribunal, fatalmente resultaria em nulidade do processo, sendo que  me preocupo com a higidez dos feitos.”
Delação premiada
Uma das discussões de direito mais importantes trazidas pela “lava jato” é a da delação premiada. Deve ser a primeira vez que ela é usada de forma tão ampla e é encarada como tão essencial.

A ponto de o MP propor acordo com “um criminoso profissional, voltado à prática de múltiplas ações criminosas, com capacidade, inclusive, de cooptar e envolver outras pessoas para alcançar seu desiderato”. Pelo menos é assim que o MP descreve Alberto Youssef, um dos acusados na "lava jato" que aceitou fazer a delação premiada em troca de atenuantes em sua pena.
O que se discute aí é se os demais réus têm direito ou não a ler a íntegra das delações. A jurisprudência do Supremo é de que acordos de colaboração tramitam sob sigilo e só o juiz do caso, o delegado de polícia e  Ministério Público podem ter acesso. O ministro Teori Zavascki, relator do braço da “lava jato” que está no STF, já afirmouque o que é dito em delações premiadas  “não é propriamente meio de prova”.
Só que os advogados alegam que as delações têm sido usadas como justificativa para a decretação das prisões preventivas. E por isso pediam acesso ao teor delas. O Ministério Público, mais uma vez para evitar que a discussão jurídica resulte em nulidade da ação penal, opinou que o Judiciário deve dar à defesa o acesso ao teor das delações.
Condições do acordo
Outra discussão jurídica da “lava jato” é a questão do foro em que os fatos devem ser investigados. Os advogados afirmam que o caso deve subir para o Supremo, já que parlamentares estão sendo apontados como envolvidos. Mas o juiz federal Sergio Moro diz que apenas empresários estão sendo investigados por lavagem de dinheiro e crimes licitatórios.

A questão é tão sensível que nos termos de homologação dos acordos de delação, uma das exigências do MP é que o réu desista “do exercício de defesa processuais, inclusive de discussões sobre competência e nulidades”. Moro, no entanto, não homologou essa cláusula, sob pena de se entender que o acordo viola o princípio constitucional do pleno acesso à Justiça.
O problema do foro
Sergio Moro já teve de se explicar ao Supremo diante da acusação, feita pelo advogado Fabio Tofic Simantob, de que ele estava orientando os investigados a não revelar nomes de envolvidos que tenham prerrogativa de foro por função. Moro chamou a acusação de “fantasiosa”, mas, nas informações prestadas ao STF, não negou a prática.

O juiz disse que seguiu o que ficou decidido, pelo STF, em questão de ordem da Ação Penal 871, e que “a orientação realizada por este julgador para que os depoentes não indicassem, em audiência, o nome de agentes políticos” não visou esconder a possível ocorrência de crimes de corrupção, “mas preservar a autoridade da decisão da Suprema Corte que decretou sigilo sobre este conteúdo específico da colaboração premiada de Paulo Roberto Costa”.
A questão de ordem que ele cita, entretanto, diz que é o Supremo quem decide o que deve ser enviado à primeira instância ou não nos casos em que há réus com prerrogativa de foro. Isso porque foi Moro quem separou a parte das apurações que falava em parlamentares e as enviou ao STF.
Histórico
O que esses fatos demonstram, na verdade, é que os procuradores estão tentando evitar ter de defender ilegalidades daqui a alguns anos, quando o caso chegar ao STJ.

A primeira dessas megaoperações que sinalizou que nem tudo se pode em nome do combate ao mal é a sundown.  A acusação era de evasão de divisas, lavagem de dinheiro e crimes contra o sistema financeiro. A denúncia do MPF falava em mais de US$ 30 milhões evadidos.
Pois a ação penal foi trancada e arquivada pela 6ª Turma do STJ porque os telefones dos acusados foram grampeados sem justificativa e as interceptações duraram mais de dois anos. Foi a primeira vez que o STJ aplicou a chamada teoria dos frutos da árvore envenenada: se as provas foram colhidas de forma ilegal, não podem ser usadas para instruir um processo criminal.
O mesmo aconteceu com outras operações. Na castelo de areia, as provas eram gravações telefônicas autorizadas com base apenas em denúncias anônimas, e a jurisprudência do STJ afirma que, nesses casos, os gampos só podem ser feitos depois de diligência. Dois anos depois, a operação suíça teve o mesmo destino, pelo mesmo motivo.
No caso da operação boi barrica, houve falta de motivação para a quebra de sigilo bancário, fiscal e telefônico de Fernando Sarney, filho do ex-presidente da República e senador José Sarney. Naquela ocasião, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) avisou a PF e a Receita Federal de uma movimentação de R$ 2 milhões na conta de Fernando Sarney.
O Ministério Público Federal usou essa informação para basear o pedido de quebra de sigilo, concedido pelo Judiciário. Foi a primeira movimentação da investigação. Só que o Coaf, por lei, é obrigado a informar os órgãos de controle federais sobre qualquer movimentação financeira acima de R$ 100 mil. E na notificação de Fernando Sarney, o aviso era de que o trâmite do dinheiro, por si só, não queria dizer nada, mas eram necessárias diligências para saber de sua origem.
Árvore envenenada
A questão foi definida pelo advogado Antônio Carlos de Almeida Castro,  ou Kakay, em um artigo publicado no jornal Folha de S.Pauloem outubro de 2011. Ali ele diz que a sociedade "regozija-se" quando vê um rico, ou poderoso, ser processado criminalmente. "As pessoas são tomadas por um frenesi íntimo indizível e inconfessável."

Foi Kakay quem levou a teoria dos frutos da árvore envenenada ao STJ no caso da operação sundown. E a operação nasceu em Curitiba, mesmo foro onde corre a "lava jato" e onde trabalha Sergio Moro.
E no artigo Kakay resume: "Quando a PF e o MP praticam abusos, acatados por juízes voluntariosos, ocorre muito mais do que uma injustiça contra o cidadão investigado; há grave ofensa à credibilidade dos tribunais, pois se passa a impressão de que são temperantes e protetores dos poderosos, quando, na verdade, estão fazendo cumprir a Constituição".
Revista Consultor Jurídico, 6 de dezembro de 2014, 8h30

terça-feira, 2 de dezembro de 2014

Um grande desafio ...

Em um dia de algumas revelações e discussões mais acaloradas em nosso Congresso, temos essa notícia.

São muitos os desafios, mas o caminho é esse. O CNJ tem estipulados metas interessantes e muitos processos tem sido julgados em primeira instância, o que facilita a aplicação da lei da ficha limpa.

O caminho não é fácil, mas estamos avançando muito ...

Matéria do G1:

Ranking de corrupção coloca Brasil em 69º lugar entre 175 países

Relatório da organização Transparência Internacional sobre a percepção de corrupção ao redor do mundo divulgado nesta quarta-feira (3) aponta que o Brasil é o 69º colocado no ranking entre os 175 países e territórios analisados.
A Dinamarca lidera como país em que a população tem menor percepção de que seus servidores públicos e políticos são corruptos. O país mais transparente registrou um índice de 92 – a escala vai de 0 (extremamente corrupto) a 100 (muito transparente). O índice brasileiro foi de 43 – um ponto a mais que em 2013, quando o país ficou em 72º lugar.
O Brasil divide a 69ª colocação com mais seis países: Bulgária, Grécia, Itália, Romênia, Senegal e Suazilândia.
Transparência Internacional é referência mundial na análise da corrupção. O relatório é elaborado anualmente desde 1995, a partir de diferentes estudos e pesquisas sobre os níveis de percepção da corrupção no setor público de diferentes países.
Nenhum país dos 175 citados recebeu pontuação máxima, segundo a ONG, que tem sede em Berlim.
Outros países
No topo da lista dos países mais “honestos”, está em segundo lugar a Nova Zelândia, seguida de Finlândia (3º), Suécia (4º), Noruega (5º), Suíça (6º), Cingapura (7º), Holanda (8º), Luxemburgo (9º) e Canadá (10º). Os Estados Unidos ficaram em 17º lugar, empatados com Barbados, Hong Kong e Irlanda.

Os países mais corruptos entre os analisados, segundo o estudo, são Coreia do Norte e Somália – os três alcançaram índice 8.
A tabela de honestidade na América do Sul tem Chile e Uruguai como países mais transparentes empatados no 21º, com índice de 73. O país mais corrupto é a Venezuela, com índice 19.

segunda-feira, 1 de dezembro de 2014

Ainda sobre os direitos da personalidade ...

Diante da inércia do Legislativo - fato comum -, o STJ vem demonstrando preocupação com o tema.

Matéria da Conjur e do STJ:

STJ consolida jurisprudência que permite alterar registro civil de transexual

A inexistência de lei que regulamente as hipóteses nas quais uma pessoa pode ou não alterar seu registro civil tem levado ao Poder Judiciário um número considerável de ações movidas, sobretudo, por transexuais que querem em seus documentos um nome condizente com o seu novo gênero. A questão ainda não está pacificada nas diversas cortes da Justiça brasileira, mas o Superior Tribunal de Justiça vem, cada vez mais, consolidando uma jurisprudência humanizada sobre esse assunto.
O STJ vem autorizando a modificação do nome que consta do registro civil, assim como a alteração do sexo. Mas, nem todos os juízes decidem assim. Conforme mostram os recursos que chegam ao tribunal, alguns juízes permitem a mudança do prenome do indivíduo, com fundamento nos princípios da intimidade e privacidade, para evitar principalmente o constrangimento à pessoa. Outros, porém, não acatam o pedido, negando-o em sua totalidade, com base estritamente no critério biológico.
Há ainda decisões que, além da alteração do prenome, determinam que a mesma seja feita com a ressalva da condição transexual do indivíduo, não alterando o sexo presente no registro. Outras determinações não só permitem a mudança do prenome como a do sexo no registro civil.
As decisões do STJ vão na linha de que a averbação deve constar apenas do livro cartorário, vedada qualquer menção nas certidões do registro público, sob pena de manter a situação constrangedora e discriminatória.
De acordo com o ministro da 4ª Turma do STJ, Luis Felipe Salomão, se o indivíduo já fez a cirurgia e se o registro está em desconformidade com o mundo fenomênico, não há motivos para constar da certidão. Isso porque seria uma execração ainda maior para ele ter que mostrar uma certidão em que consta um nome que não corresponde ao do seu sexo. “Fica lá apenas no registro (do cartório), preserva terceiros e ele segue a vida dele pela opção que ele fez”, afirmou o ministro.
Para a ministra Nancy Andrighi, quando se iniciou a obrigatoriedade do registro civil, a distinção entre os dois sexos era feita baseada na conformação da genitália. Hoje, com o desenvolvimento científico e tecnológico, existem vários outros elementos identificadores do sexo, razão pela qual a definição de gênero não pode mais ser limitada somente ao sexo aparente.
“Todo um conjunto de fatores, tanto psicológicos quanto biológicos, culturais e familiares, devem ser considerados. A título exemplificativo, podem ser apontados, para a caracterização sexual, os critérios cromossomial, gonadal, cromatínico, da genitália interna, psíquico ou comportamental, médico-legal, e jurídico”, explicou a ministra.
Segundo Nancy, se o Estado consente com a possibilidade de fazer cirurgia de transgenitalização, deve também prover os meios necessários para que o indivíduo tenha uma vida digna e, por conseguinte, seja identificado jurídica e civilmente tal como se apresenta perante a sociedade.
Realidade psicológica
O primeiro recurso sobre o tema foi julgado no STJ em 2007, sob a relatoria do ex-ministro Carlos Alberto Menezes Direito. No caso, a 3ª Turma do STJ, seguindo o voto do ministro, concordou com a alteração, mas definiu, na ocasião, que deveria ficar averbado no registro civil do transexual que a modificação do seu nome e do seu sexo decorreu de decisão judicial.

De acordo com o ministro, não se poderia esconder no registro, sob pena de validar agressão à verdade que ele deve preservar, que a mudança decorreu de ato judicial decorrente da vontade do autor e que se tornou necessário ato cirúrgico.
“Trata-se de registro imperativo e com essa qualidade é que se não pode impedir que a modificação da natureza sexual fique assentada para o reconhecimento do direito do autor”, escreveu em sua decisão.
Em outubro de 2009, a 3ª Turma voltou a analisar o tema e, em decisão inédita, garantiu ao transexual a troca do nome e do gênero em registro, sem que constasse a anotação no documento, mas apenas nos livros cartorários.
A relatora do recurso, ministra Nancy Andrighi, afirmou que a observação sobre alteração na certidão significaria a continuidade da exposição da pessoa a situações constrangedoras e discriminatórias. “Conservar o ‘sexo masculino’ no assento de nascimento do recorrente, em favor da realidade biológica e em detrimento das realidades psicológica e social, bem como morfológica, pois a aparência do transexual redesignado em tudo se assemelha ao sexo feminino, equivaleria a manter o recorrente em estado de anomalia, deixando de reconhecer seu direito de viver dignamente”, disse na ocasião.
O mesmo entendimento foi adotado pela 4ª Turma, em dezembro de 2009. O relator do recurso, ministro João Otávio de Noronha, destacou que a Lei 6.015/73 (Lei de Registros Públicos) estabelece, no artigo 55, parágrafo único, a possibilidade de o prenome ser modificado quando expuser seu titular ao ridículo.
“A interpretação conjugada dos artigos 55 e 58 da Lei de Registros Públicos confere amparo legal para que o recorrente obtenha autorização judicial para a alteração de seu prenome, substituindo-o pelo apelido público e notório pelo qual é conhecido no meio em que vive”, afirmou no julgamento.
Na ocasião, Noronha afirmou ainda que o julgador não deve se deter em uma codificação generalista e padronizada, mas sim adotar a decisão que melhor se coadune com valores maiores do ordenamento jurídico, tais como a dignidade das pessoas.
O ministro defendeu a averbação no livro cartorário “para salvaguardar os atos jurídicos já praticados, manter a segurança das relações jurídicas e solucionar eventuais questões que sobrevierem no âmbito do direito de família (casamento), no direito previdenciário e até mesmo no âmbito esportivo”.
Projeto de lei
A regulamentação da alteração do registro civil é tema do Projeto de Lei 5.002/2013, do deputado Jean Wyllys (PSol-RJ) e da deputada Erika Kokay (PT-DF), em tramitação na Câmara dos Deputados. A proposta visa a viabilização e desburocratização do direito do individuo de ser tratado conforme o gênero escolhido por ele. Nesse sentido, obriga o SUS e os planos de saúde a custearem tratamentos hormonais integrais e cirurgias de mudança de sexo a todos os interessados maiores de 18 anos, aos quais não será exigido nenhum tipo de diagnóstico, tratamento ou autorização judicial. Com informações da assessoria de imprensa do STJ.

Ainda o direito ao esquecimento ...

A briga do google com a União Europeia fica mais interessante. No Brasil a jurisprudência do STJ tem optado por destacar a necessidade de análise do caso concreto, evitando definir a tema e uma simples regra.

Matéria da Conjur:

UE pode exigir que domínios não europeus respeitem direito ao esquecimento

O direito ao esquecimento, reconhecido em maio pelo Judiciário da União Europeia, deve ultrapassar as fronteiras do continente. Um órgão consultivo da UE recomendou que a censura em ferramentas de busca seja feita também em domínios não europeus. Pela orientação, o Google teria de aplicar o direito ao esquecimento em todas as suas páginas pelo mundo quando acessadas de dentro da Europa.
Funcionaria assim. Um cidadão britânico, por exemplo, pode pedir ao Google ou outro site de busca que desassocie determinadas páginas de resultados de buscas feitas com seu nome. Se o pedido for considerado legítimo, a desvinculação precisa atingir todas as extensões do Google acessíveis no Reino Unido, e não só o google.co.uk. O google.com e todas as variações devem obedecer a censura quando o acesso partir de dentro da União Europeia. A garantia não se aplica fora do bloco.
A recomendação partiu do Grupo de Trabalho do Artigo 29 para a Proteção de Dados, órgão consultivo da União Europeia. As orientações não são vinculantes e cada país pode decidir se segue ou não.
De acordo com o guia feito pelo grupo, o direito ao esquecimento, da maneira como foi reconhecido pela justiça da UE, só vai ser efetivo se for aplicado em todas as extensões das ferramentas de buscas acessíveis no bloco europeu. Isso porque um internauta pode optar por fazer uma busca no google.com, por exemplo, e não na extensão do país onde mora e onde alguém conseguiu o direito ao esquecimento.
A posição do grupo é uma interpretação ao que foi decidido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia em maio. Na ocasião, a corte decidiu que o Google é responsável pelos links que exibe como resultado de buscas e pode ser obrigado a apagar a ligação para determinados sites, caso fique comprovada qualquer violação a direitos individuais.
Os juízes europeus consideraram que, ao listar sites como resultado de buscas feitas pelos internautas, o Google faz o que pode ser chamado de tratamento das informações. Quando o assunto da pesquisa é o nome de uma pessoa, é possível traçar um perfil dela a partir do resultado exibido. É impossível eximir o Google de qualquer responsabilidade sobre danos à imagem do pesquisado, afirmou o tribunal.
O TJ da União Europeia entendeu que, ainda que o site que publicou originalmente determinada informação não a apague, a Justiça pode obrigar que a página seja suprimida do resultado de buscas. O prejudicado deve fazer o pedido primeiro ao Google e, em caso de negativa, recorrer à Justiça.
O direito de ter um site excluído das buscas não depende que a informação questionada seja ilícita. Para o tribunal, basta apenas que ela viole a vida privada de uma pessoa. Nesses casos, o direito individual se sobrepõe ao direito de informação e ao interesse econômico da ferramenta de busca. Há exceções, claro. Quando o ofendido for uma figura pública a e a informação for de interesse público, aí o equilíbrio pende para o outro lado.
A decisão da corte foi fundamentada na Diretiva 95/46/CE, que regulamenta o tratamento de dados pessoais na União Europeia, garante o direito de retificação e até que o responsável apague informações inverídicas, incorretas ou incompletas. Os juízes consideraram que até mesmo uma informação lícita pode, com o tempo, se tornar incompatível com a diretiva. Caso isso aconteça, deve prevalecer o direito ao esquecimento.
Revista Consultor Jurídico, 1 de dezembro de 2014, 7h30

quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A questão do direito ao esquecimento ...


Matéria da UOL ...


Parlamento Europeu aprova pedido de divisão de atividades do Google

O Parlamento Europeu votou e aprovou na manhã desta quinta (27) uma moção que propõe separar as atividades de busca do Google na Europa do resto de suas operações, com o objetivo de frear o domínio da empresa americana no mercado de busca na internet.
O órgão não tem o poder de dividir uma companhia, mas aumenta a pressão sobre reguladores antitruste do continente para tomar medidas mais duras contra a empresa americana.
A resolução foi aprovada com 384 votos a favor, 174 contra e 56 abstenções, segundo a "Associated Press".
Políticos e companhias europeias tem reclamado que o domínio do Google no mercado de buscas permite que a empresa promova os seus próprios serviços em detrimento dos rivais.
A moção pede à Comissão Europeia que considere propostas para descompactar os motores de busca de outros serviços como uma solução de longo prazo, para tornar mais competitivo o campo de jogo.
DIREITO DE SER ESQUECIDO
O Google já enfrenta duras críticas na Europa por suas políticas de privacidade.
Uma decisão judicial tomada neste ano deu aos cidadãos europeus o "direito de ser esquecido" por ferramentas de busca –ou seja, reivindicar a sites que oferecem este tipo de serviço que retirem links com informações que possam ser prejudiciais ou não são pertinentes.
Em setembro, o Google divulgou ter recebido 120 mil solicitações de europeus que querem "ser esquecidos".
Na quarta (26), um grupo de proteção de dados da União Europeia defendeu que a resolução deveria ser expandida para endereços com final ".de" e ".fr" no lugar do tradicional ".com".

Positivistas ...

Artigo de quinta do prof. Lendo na Conjur:

Cumprir ou não a lei? Dois casos de “antipositivismos” equivocados

Anti(ou pós)positivismos “fakes” Caso 1. Os leitores sabem de minha luta pelo cumprimento das leis e do Estado Democrático. Por incrível que pareça, isso soa antipático. Tenho sido chamado de positivista exegético (na verdade, chamam-me de positivista assim no geral, porque a malta não sabe sequer que existem vários positivismos — aliás, gostaria de ver como essa gente se viraria numa corte norte-americana, terra dos precedentes, da Constituição multicentenária, da Corte Warren e de Ronald Dworkin, onde ainda predomina, nada obstante, o... positivismo jurídico! Será que os gringos não têm [ou não são] uma democracia? Será que lá ainda se confundem direito e lei? Será que temos lições a ensiná-los? Ou é o contrário? Ou é de aprendizagem recíproca que se trata? Escreverei sobre isso no futuro, não me deixem esquecer. Nesse meio tempo, lembrem: há outros positivismos para além do paleojuspositivismo, ou: o furo é mais embaixo. Mais sobre isso num instante.). Pois eu quero dizer que, do modo como se comportam os juristas e em especial os julgadores em terrae brasilis, mais um pouco e, de fato, transformar-me-ei, com ênclise e tudo, em um pandectista (e da ala mais conservadora). De todo modo, repetindo T.S. Eliot — afinal, sofro de LEER — em terra de fugitivos, quem anda na contramão parece que está fugindo.
Portanto, na contramão, insisto em dizer que aplicar-a-lei-não-significa-positivismo. Querem que eu repita essa obviedade? Pois aí vai: “Cumprir a lei nos seus limites semânticos — entendidos no plano de uma hermenêutica adequada ao Constitucionalismo Contemporâneo — não é uma atitude positivista”.
Pois um bom exemplo da falta de compreensão da teoria do direito e do que seja “positivismo” e “antipositivismo” (as palavras estão entre aspas deliberadamente, porque se trata de positivismo e antipositivismo fakes) pode ser visto na decisão do juiz da comarca de Lageado (RS), que, a pretexto de não cumprir um dispositivo de lei, arvorou-se na condição de antipositivista, criticando o advogado que queria apenas que ele cumprisse um dispositivo legal que determina que ele, juiz, só pode fazer perguntas complementares para as testemunhas (artigo 212 do CPP).
Vamos ao caso e seus detalhes.
Em ação penal (017/2.13.0000435-7), o juiz, confessadamente, não cumpriu o disposto no artigo 212 do CPP. Como ele mesmo diz na sentença, as perguntas foram inicialmente feitas diretamente por ele, embora a lei diga que “as perguntas serão formuladas pelas partes, diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.”. No parágrafo único fica claro que “sobre pontos não esclarecidos, é lícito ao magistrado complementar a inquirição”. Se eu ainda sei ler, quem começa perguntando são as partes e se permite que o juiz faça perguntas complementares.
Na sequência, para justificar seu ato, diz, com todas as letras, que o advento da Lei 11.690/08 não provocou “perfunctória modificação na coleta de provas, nos termos do art. 212, do CPP”. Se eu fosse me firmar no bom vernáculo pátrio, diria que sua Excelência se contradisse já de saída, uma vez que a palavra “perfunctória” quer dizer o contrário do que ele queria dizer. Mas não vou tripudiar em cima disso, porque pode acontecer a qualquer pessoa. Vamos dizer que ele quis dizer que “a nova lei não produziu alterações profundas ou significativas” no modo de inquirição das testemunhas.
Avançando, o magistrado faz uma crítica moral à nova lei, porque, para ele, a previsão de inquirição direta pelas partes representa um “tendencioso questionamento dos atores processuais”. Veja-se. Para ele, o legislador andou mal. E ele, juiz, pode corrigir esse equívoco.
Mas, tem mais. Se deixasse que as partes se portassem segundo o que diz a lei, ele, juiz, transformar-se-ia em figura de “palha” (sic), o que propiciaria — e as palavras são dele — um retorno à ideologia burguesa, “quando do iluminismo”. Em seguida, critica o modelo napoleônico “inaugurado pelo iluminismo” (sic) que separou as funções de legislar e julgar (onde estava localizado o modelo do juiz boca da lei). Esse modelo, aduz sua Excelência,
“vulgarizou a retórica do Estado ideologicamente neutro, alheio às problemáticas subjacentes e mantenedor de uma liberdade bem como de uma igualdade puramente formal. (...). Disso resultou um judiciário inerte no sentido pejorativo, alheado à problemática social, neutro e reprodutor da lei predisposta pelos representantes burgueses no parlamento. Fez-se acordo de cavalheiros no qual, no prisma metodológico da lógica formal subsuntiva, o judiciário intermediou a construção das verdades positivadas, porém eticamente desprovidas da efetiva legitimação social. Primado da segurança abstrata (e abstraída da lei) em detrimento de quaisquer outras diretrizes”.
Consequentemente, segundo se depreende da leitura da decisão, cabe a ele, juiz, alterar esse estado de coisas, saindo do lugar da “neutralidade” e indo buscar a solução para os “reclames éticos da sociedade” (sic). E cita lições de psicologia e neuro-linguística. Mas, indago, no que a psicologia e a neuro-linguística poderiam ajudar nisso? E como aferir o sentido do que seja “reclames éticos da sociedade”?
Em síntese, para ele a lei que estabeleceu essa alteração no artigo 212 do CPP permite 
“deixar a testemunha, desde sua chegada ao recinto da audiência, sob a sugestividade das partes, [o que] significa amealhar à sua consciência humana fatores argumentativos e interesses alheios (por naturais às partes litigantes) à sua condição de prova no processo. Some-se a isto o ambiente do Judiciário, no qual a grande maioria da população brasileira (miseráveis) frequenta sem ter noção do que acontece. Chega-se a temer os símbolos e rituais do fórum: o juiz na altitude de verdadeiro púlpito; a voracidade das partes; etc. Com efeito, jurídica e neuro-linguisticamente, aconselhável que a introdução questionadora e genérica seja desencadeada pelo juiz” (grifei).[1]
Pronto. Com essa argumentação, rechaçou a preliminar de nulidade por falta de cumprimento do artigo 212 do CPP e condenou o réu. E o fez a partir da prova que ele recolheu a partir da inquirição à revelia do que prescreve uma lei democraticamente votada e que jamais teve a sua inconstitucionalidade discutida. Claro, alguém dirá — e provavelmente o próprio magistrado — o STJ e o STF (e os tribunais) também não cumprem a “letra” do artigo 212 do CPP. Afinal, respaldado na doutrina de Luis Flávio Gomes, o STJ entendeu que, em vez de implementar o sistema acusatório — ratio da alteração produzida no artigo 212 — era preferível manter a tradição (sic). Já o STF não enfrentou de frente o problema, apenas dizendo que, se não for demonstrado o prejuízo, a nulidade é relativa. Mas não disse que o dispositivo não deveria ser cumprido.
Aliás — e aqui a ironia fica, na medida do possível, de lado —, esse é o grande mérito do Magistrado-de-Lageado (cujo nome não cito, até, como forma de homenageá-lo; meu objetivo não é criticar a sua figura pública,  mas, academicamente, os fundamentos tornados explícitos em sua decisão, pela qual deve accountability à sociedade): admitir aquilo que o STF e o STJ não tiveram a coragem de dizer: “nego cumprimento a uma lei, independentemente de sua óbvia constitucionalidade, porque não concordo com o legislador”. O juiz está, na hipótese virtuosa, preocupado em fazer justiça, e avalia ser mais difícil consegui-lo se cumpridas as regras construídas pelo legislador. Então, sem qualquer constrangimento, e até afetando alguma indignação, Sua Excelência, explicita-implicitamente deixa transparecer algo como: — não sou neutro, não estou alheio à problemática social e não trabalho com verdades positivadas. E mais: — não deixarei que (minh)a testemunha fique sob a sugestividade das partes; protegerei sua consciência de fatores argumentativos e interesses alheios e, com base até em neurolinguistica (Santo Deus!), resolverei o problema com a minha introdução questionadora e genérica.
Paradoxos e contradições no e do judiciário
Mas, o que importa aqui é uma das grandes perplexidades do direito pós-1988. De pronto, uma constatação: antes de 1988, em que era muito forte o imaginário formalista-positivista (aqui, sim, positivista no sentido tradicional), muitas e muitas vezes era desejável que os juízes fizessem um raciocínio que afastasse a velha tese do juiz-boca-da lei. Mas, lamentavelmente, na maior parte das vezes a crítica do direito ficava a ver navios, com a permanência do judiciário na fé de uma dogmática jurídica adormecida e distante dos problemas representados por um regime autoritário, em que sequer tínhamos uma Constituição (no sentido estrito da palavra). Na verdade, parece que a dogmática ainda não acordou desse sono inquisitorial.
Só que, agora, na medida em que vivemos em um regime democrático, com uma Constituição compromissória-vinculante e um sistema de controle de constitucionalidade dos mais complexos e completos do mundo (com ADI, ADC, ADPF, além do controle difuso), não me parece saudável e/ou desejável que o judiciário se segue a aplicar uma lei que não tem qualquer eiva de legalidade-constitucionalidade.
É o caso “dos autos” em discussão, quando o juiz deixa claro que, se ele cumprisse os ditames do artigo 212 e, portanto, deixasse as partes fazerem o interrogatório das testemunhas, ele estaria tomando uma atitude positivista, típica do Estado napoleônico (as palavras são dele), em que as funções de legislar e julgar estavam separadas. Para o magistrado, andou mal o legislador ao estabelecer o que estabeleceu, porque isso conspurca a vontade das testemunhas ou algo desse naipe, conforme se pode ler na sentença. Mais ainda, se ele cumprisse a lei, estaria fazendo subsunção, o que, ao que parece, seria muito ruim nos tempos atuais...
Falta, parece-me, uma discussão mais aprofundada sobre as lições trazidas pela Constituição para o âmbito do processo. Muito se discutiu sobre os modelos de organização do processo: inquisitivo (pesquisa oficial, ingerência do Poder Público na demanda e nos meios de prova, e tal) versus dispositivo (protagonismo das partes, juiz inerte etc.). Se, no âmbito do processo civil, o arranjo do Estado Constitucional parece apontar para um terceiro modelo, em que se combinam alguns aspectos de cada uma das estruturas precedentes (na verdade, combinam-se aspectos atinentes ao Estado Liberal, com seu liberalismo processual, e ao Estado Social, valendo a lembrança do chamado socialismo processual; chega-se ao tal modelo comparticipativo, que tem, inclusive, fortes reflexos no novo CPC), no processo penal, essa discussão ainda precisa de maior amadurecimento doutrinário e institucional. Mas, de qualquer forma, é certo que se faz necessário um aggiornamento do discurso processual penal. Sempre lembro que o processo penal tem traços historicamente inconstitucionais, justamente, porque inquisitivos. É preciso oxigenação rumo a um sistema acusatório, ainda que haja bastante discussão sobre sua extensão e significado. Assim, retomando o fio do raciocino e resumindo bastante, ainda que não se instaure, do dia para a noite, um sistema completamente adversarial no Brasil (não se sabe como isso se daria), é certo que as inovações legislativas que, pontualmente, apontarem para esta direção, não podem ser consideradas inconstitucionais. E é neste contexto que deve ser lido o artigo 212 CPP, resultado de um devido processo legislativo e que deve, por isso e por seu conteúdo, ser aplicado.
Preocupa-me sobremodo tudo isso. Como me preocupa o fato de, seguidamente o judiciário pretender corrigir a legislação a partir de juízos morais e não constitucionais. Se o juiz ou judiciário lato sensu não quiser aplicar uma lei, deve utilizar os mecanismos que estão a sua disposição, como o controle da constitucionalidade (no caso “dos autos”, difuso), critério de resolução de antinomias, etc, como venho explicitando em Jurisdição Constitucional e Decisão Juridica, quando sustento que o judiciário somente pode deixar de aplicar uma lei em seis hipóteses. Caso contrário, mesmo a contragosto, o juiz deve aplicar a lei.
Moral não corrige direito, não me canso de denunciar. E não vou cansar os leitores acerca da diferença e cooriginariedade entre direito e moral e as consequências disso tudo. E  antes que alguém venha de novo com o papo de que “quem quis separar direito e moral foi Kelsen”, defiro uma liminar epistêmico-explicitativa como adiantamento de tutela gnosiológica: Kelsen separou a ciência do direito da moral e não o direito da moral. No mais, foi um pessimista e também é culpado de tudo isso que está aí, em face de tese de que “a interpretação que os juízes fazem da lei é um ato de vontade”. Já falei disso aqui, quando alertei para a maldição do oitavo capítulo da TPD.
No mais, quero apenas dizer, de novo, que é preciso estar alerta, porque em tempos de (alegada) indeterminação do direito e de proliferação de teses que se advogam pós-positivistas, corremos o risco de fragilizar a autonomia do direito. É preciso estar atento porque, no mais das vezes, o discurso que se afigura com a aparência do novo, carrega consigo o código genético do velho, reafirmando, no fundo, aquilo que alhures nomeei de “vitória de Pirro” do positivismo jurídico.
Por isso, é extremamente preocupante que setores da comunidade jurídica, por vezes tão arraigados aos textos legais, neste caso específico ignorem até mesmo a semanticidade mínima. [2] O judiciário como um todo ignora o artigo 212 do CPP. 
No mínimo, levemos o texto jurídico a sério! Friedrich Müller nos diz: a norma deve caber no programa normativo que a originou.  Portanto, não devemos confundir “alhos” com “bugalhos”. Obedecer a lei[3] democraticamente construída (já superada a questão da distinção entre direito e moral) não tem nada a ver com a “exegese” à moda antiga(positivismo primitivo). Não vou explicar isso de novo. Portanto, estamos falando, hoje, de uma outra legalidade (lembro sempre de Elias Diaz).  
Um lembrete para os novos “neo-póspositivistas” ou “neo-anti-positivistas” (para colar na geladeira): é positivista tanto aquele que diz que texto e norma (ou vigência e validade) são a mesma coisa, como aquele que diz que “texto e norma estão descolados” (no caso, as posturas axiologistas, realistas, pragmaticistas, etc.). Para ser mais simples: Kelsen, Hart e Ross foram todos positivistas, cada um ao seu modo. Do mesmo modo que os neoconstitucionalistas, que acreditam na discricionariedade e na ponderação, também o são. E disso todos sabemos as consequências.  Ou seja: apegar-se à lei pode ser uma atitude positivista ou pode não ser. E não apegar-se à lei pode caracterizar uma atitude positivista ou antipositivista. Por vezes, “trabalhar” com princípios (lembremos do pamprincipiologismo) pode representar uma atitude (deveras) positivista. Utilizar os princípios para contornar a Constituição ou ignorar dispositivos legais – sem lançar mão da jurisdição constitucional (difusa ou concentrada) – é uma forma de prestigiar a irracionalidade constante no oitavo capítulo da TPD de Kelsen. Não é desse modo, pois, que escapamos do tal de positivismo. Que existe sob as mais variadas facetas.
Portanto, muito cuidado. O positivismo é bem mais complexo do que a antiga discussão “lei versus direito”... E a jurisdição constitucional é uma garantia para que, tanto as leis inconstitucionais não sejam validadas, quanto às que forem constitucionais sejam efetivamente aplicadas. Simples assim!
Só uma coisa, ainda: o caso sob comento (crime de furto) não é relevante. Provavelmente poderia haver provas para condenação independentemente da preliminar levantada pelo advogado. Não li os autos. O que importa discutir, aqui, é a argumentação utilizada pelo magistrado para afastar a aplicação de uma lei e o que ele entende por “positivismo jurídico”. Esse é o busílis da questão.
Caso 2. E um juiz de Goiás não gosta de formalismos...
No processo 201402005339, de Rio Verde (GO), o juiz condenou o réu a mais de oito anos de prisão, mesmo que não estivesse presente o laudo de constatação definitiva da substância entorpecente. Disse que era avesso ao formalismo processual. E que a hermenêutica deve ir além disso. Consequentemente, como ele não é formalista, passou por cima da lei e condenou o réu. Afinal, cumprir a lei no Brasil é ser positivista! Simples assim. E incrível! O Brasil vai mal.
Post Scriptum: Enquanto isso,
...foi lançado o livro Direito Penal Mastigado. Vejam no Google. Eu avisei que esse dia chegaria. É o armagedom epistêmico. A batalha final. O Brasil não vai bem.  Mas não vai, mesmo.
Faz escuro...mas eu canto. Em terra de fugitivos, andar na contramão dá a impressão de fuga... Pois é. T.S. Eliot tinha razão.

[1] Volta, de novo, a questão da divindade. Essa chatice não tem limites. Faço um chamado para Néviton Guedes e Alexandre Morais da Rosa, ambos juízes, para que contestem. De juiz para juiz pode ser mais eficiente a crítica... 
[2] Permito-me remeter o leitor para vários livros ou colunas aqui do Conjur em que explicito isso nos mínimos detalhes. Se fosse colocar no twitter, seria: #aplicar a letra da lei não é, necessariamente, uma atitude positivista.
[3] O que quero dizer quando me refiro ao cumprimento da lei (e incluo nisso a discussão daquilo que denomino de limites semânticos lidos a partir da hermenêutica)? Isso explico em Verdade e Consenso e na coluna Observatório Constitucional do dia 25 de outubro.
Revista Consultor Jurídico, 27 de novembro de 2014, 8h00