quinta-feira, 27 de novembro de 2014

A questão do direito ao esquecimento ...


Matéria da UOL ...


Parlamento Europeu aprova pedido de divisão de atividades do Google

O Parlamento Europeu votou e aprovou na manhã desta quinta (27) uma moção que propõe separar as atividades de busca do Google na Europa do resto de suas operações, com o objetivo de frear o domínio da empresa americana no mercado de busca na internet.
O órgão não tem o poder de dividir uma companhia, mas aumenta a pressão sobre reguladores antitruste do continente para tomar medidas mais duras contra a empresa americana.
A resolução foi aprovada com 384 votos a favor, 174 contra e 56 abstenções, segundo a "Associated Press".
Políticos e companhias europeias tem reclamado que o domínio do Google no mercado de buscas permite que a empresa promova os seus próprios serviços em detrimento dos rivais.
A moção pede à Comissão Europeia que considere propostas para descompactar os motores de busca de outros serviços como uma solução de longo prazo, para tornar mais competitivo o campo de jogo.
DIREITO DE SER ESQUECIDO
O Google já enfrenta duras críticas na Europa por suas políticas de privacidade.
Uma decisão judicial tomada neste ano deu aos cidadãos europeus o "direito de ser esquecido" por ferramentas de busca –ou seja, reivindicar a sites que oferecem este tipo de serviço que retirem links com informações que possam ser prejudiciais ou não são pertinentes.
Em setembro, o Google divulgou ter recebido 120 mil solicitações de europeus que querem "ser esquecidos".
Na quarta (26), um grupo de proteção de dados da União Europeia defendeu que a resolução deveria ser expandida para endereços com final ".de" e ".fr" no lugar do tradicional ".com".

Positivistas ...

Artigo de quinta do prof. Lendo na Conjur:

Cumprir ou não a lei? Dois casos de “antipositivismos” equivocados

Anti(ou pós)positivismos “fakes” Caso 1. Os leitores sabem de minha luta pelo cumprimento das leis e do Estado Democrático. Por incrível que pareça, isso soa antipático. Tenho sido chamado de positivista exegético (na verdade, chamam-me de positivista assim no geral, porque a malta não sabe sequer que existem vários positivismos — aliás, gostaria de ver como essa gente se viraria numa corte norte-americana, terra dos precedentes, da Constituição multicentenária, da Corte Warren e de Ronald Dworkin, onde ainda predomina, nada obstante, o... positivismo jurídico! Será que os gringos não têm [ou não são] uma democracia? Será que lá ainda se confundem direito e lei? Será que temos lições a ensiná-los? Ou é o contrário? Ou é de aprendizagem recíproca que se trata? Escreverei sobre isso no futuro, não me deixem esquecer. Nesse meio tempo, lembrem: há outros positivismos para além do paleojuspositivismo, ou: o furo é mais embaixo. Mais sobre isso num instante.). Pois eu quero dizer que, do modo como se comportam os juristas e em especial os julgadores em terrae brasilis, mais um pouco e, de fato, transformar-me-ei, com ênclise e tudo, em um pandectista (e da ala mais conservadora). De todo modo, repetindo T.S. Eliot — afinal, sofro de LEER — em terra de fugitivos, quem anda na contramão parece que está fugindo.
Portanto, na contramão, insisto em dizer que aplicar-a-lei-não-significa-positivismo. Querem que eu repita essa obviedade? Pois aí vai: “Cumprir a lei nos seus limites semânticos — entendidos no plano de uma hermenêutica adequada ao Constitucionalismo Contemporâneo — não é uma atitude positivista”.
Pois um bom exemplo da falta de compreensão da teoria do direito e do que seja “positivismo” e “antipositivismo” (as palavras estão entre aspas deliberadamente, porque se trata de positivismo e antipositivismo fakes) pode ser visto na decisão do juiz da comarca de Lageado (RS), que, a pretexto de não cumprir um dispositivo de lei, arvorou-se na condição de antipositivista, criticando o advogado que queria apenas que ele cumprisse um dispositivo legal que determina que ele, juiz, só pode fazer perguntas complementares para as testemunhas (artigo 212 do CPP).
Vamos ao caso e seus detalhes.
Em ação penal (017/2.13.0000435-7), o juiz, confessadamente, não cumpriu o disposto no artigo 212 do CPP. Como ele mesmo diz na sentença, as perguntas foram inicialmente feitas diretamente por ele, embora a lei diga que “as perguntas serão formuladas pelas partes, diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.”. No parágrafo único fica claro que “sobre pontos não esclarecidos, é lícito ao magistrado complementar a inquirição”. Se eu ainda sei ler, quem começa perguntando são as partes e se permite que o juiz faça perguntas complementares.
Na sequência, para justificar seu ato, diz, com todas as letras, que o advento da Lei 11.690/08 não provocou “perfunctória modificação na coleta de provas, nos termos do art. 212, do CPP”. Se eu fosse me firmar no bom vernáculo pátrio, diria que sua Excelência se contradisse já de saída, uma vez que a palavra “perfunctória” quer dizer o contrário do que ele queria dizer. Mas não vou tripudiar em cima disso, porque pode acontecer a qualquer pessoa. Vamos dizer que ele quis dizer que “a nova lei não produziu alterações profundas ou significativas” no modo de inquirição das testemunhas.
Avançando, o magistrado faz uma crítica moral à nova lei, porque, para ele, a previsão de inquirição direta pelas partes representa um “tendencioso questionamento dos atores processuais”. Veja-se. Para ele, o legislador andou mal. E ele, juiz, pode corrigir esse equívoco.
Mas, tem mais. Se deixasse que as partes se portassem segundo o que diz a lei, ele, juiz, transformar-se-ia em figura de “palha” (sic), o que propiciaria — e as palavras são dele — um retorno à ideologia burguesa, “quando do iluminismo”. Em seguida, critica o modelo napoleônico “inaugurado pelo iluminismo” (sic) que separou as funções de legislar e julgar (onde estava localizado o modelo do juiz boca da lei). Esse modelo, aduz sua Excelência,
“vulgarizou a retórica do Estado ideologicamente neutro, alheio às problemáticas subjacentes e mantenedor de uma liberdade bem como de uma igualdade puramente formal. (...). Disso resultou um judiciário inerte no sentido pejorativo, alheado à problemática social, neutro e reprodutor da lei predisposta pelos representantes burgueses no parlamento. Fez-se acordo de cavalheiros no qual, no prisma metodológico da lógica formal subsuntiva, o judiciário intermediou a construção das verdades positivadas, porém eticamente desprovidas da efetiva legitimação social. Primado da segurança abstrata (e abstraída da lei) em detrimento de quaisquer outras diretrizes”.
Consequentemente, segundo se depreende da leitura da decisão, cabe a ele, juiz, alterar esse estado de coisas, saindo do lugar da “neutralidade” e indo buscar a solução para os “reclames éticos da sociedade” (sic). E cita lições de psicologia e neuro-linguística. Mas, indago, no que a psicologia e a neuro-linguística poderiam ajudar nisso? E como aferir o sentido do que seja “reclames éticos da sociedade”?
Em síntese, para ele a lei que estabeleceu essa alteração no artigo 212 do CPP permite 
“deixar a testemunha, desde sua chegada ao recinto da audiência, sob a sugestividade das partes, [o que] significa amealhar à sua consciência humana fatores argumentativos e interesses alheios (por naturais às partes litigantes) à sua condição de prova no processo. Some-se a isto o ambiente do Judiciário, no qual a grande maioria da população brasileira (miseráveis) frequenta sem ter noção do que acontece. Chega-se a temer os símbolos e rituais do fórum: o juiz na altitude de verdadeiro púlpito; a voracidade das partes; etc. Com efeito, jurídica e neuro-linguisticamente, aconselhável que a introdução questionadora e genérica seja desencadeada pelo juiz” (grifei).[1]
Pronto. Com essa argumentação, rechaçou a preliminar de nulidade por falta de cumprimento do artigo 212 do CPP e condenou o réu. E o fez a partir da prova que ele recolheu a partir da inquirição à revelia do que prescreve uma lei democraticamente votada e que jamais teve a sua inconstitucionalidade discutida. Claro, alguém dirá — e provavelmente o próprio magistrado — o STJ e o STF (e os tribunais) também não cumprem a “letra” do artigo 212 do CPP. Afinal, respaldado na doutrina de Luis Flávio Gomes, o STJ entendeu que, em vez de implementar o sistema acusatório — ratio da alteração produzida no artigo 212 — era preferível manter a tradição (sic). Já o STF não enfrentou de frente o problema, apenas dizendo que, se não for demonstrado o prejuízo, a nulidade é relativa. Mas não disse que o dispositivo não deveria ser cumprido.
Aliás — e aqui a ironia fica, na medida do possível, de lado —, esse é o grande mérito do Magistrado-de-Lageado (cujo nome não cito, até, como forma de homenageá-lo; meu objetivo não é criticar a sua figura pública,  mas, academicamente, os fundamentos tornados explícitos em sua decisão, pela qual deve accountability à sociedade): admitir aquilo que o STF e o STJ não tiveram a coragem de dizer: “nego cumprimento a uma lei, independentemente de sua óbvia constitucionalidade, porque não concordo com o legislador”. O juiz está, na hipótese virtuosa, preocupado em fazer justiça, e avalia ser mais difícil consegui-lo se cumpridas as regras construídas pelo legislador. Então, sem qualquer constrangimento, e até afetando alguma indignação, Sua Excelência, explicita-implicitamente deixa transparecer algo como: — não sou neutro, não estou alheio à problemática social e não trabalho com verdades positivadas. E mais: — não deixarei que (minh)a testemunha fique sob a sugestividade das partes; protegerei sua consciência de fatores argumentativos e interesses alheios e, com base até em neurolinguistica (Santo Deus!), resolverei o problema com a minha introdução questionadora e genérica.
Paradoxos e contradições no e do judiciário
Mas, o que importa aqui é uma das grandes perplexidades do direito pós-1988. De pronto, uma constatação: antes de 1988, em que era muito forte o imaginário formalista-positivista (aqui, sim, positivista no sentido tradicional), muitas e muitas vezes era desejável que os juízes fizessem um raciocínio que afastasse a velha tese do juiz-boca-da lei. Mas, lamentavelmente, na maior parte das vezes a crítica do direito ficava a ver navios, com a permanência do judiciário na fé de uma dogmática jurídica adormecida e distante dos problemas representados por um regime autoritário, em que sequer tínhamos uma Constituição (no sentido estrito da palavra). Na verdade, parece que a dogmática ainda não acordou desse sono inquisitorial.
Só que, agora, na medida em que vivemos em um regime democrático, com uma Constituição compromissória-vinculante e um sistema de controle de constitucionalidade dos mais complexos e completos do mundo (com ADI, ADC, ADPF, além do controle difuso), não me parece saudável e/ou desejável que o judiciário se segue a aplicar uma lei que não tem qualquer eiva de legalidade-constitucionalidade.
É o caso “dos autos” em discussão, quando o juiz deixa claro que, se ele cumprisse os ditames do artigo 212 e, portanto, deixasse as partes fazerem o interrogatório das testemunhas, ele estaria tomando uma atitude positivista, típica do Estado napoleônico (as palavras são dele), em que as funções de legislar e julgar estavam separadas. Para o magistrado, andou mal o legislador ao estabelecer o que estabeleceu, porque isso conspurca a vontade das testemunhas ou algo desse naipe, conforme se pode ler na sentença. Mais ainda, se ele cumprisse a lei, estaria fazendo subsunção, o que, ao que parece, seria muito ruim nos tempos atuais...
Falta, parece-me, uma discussão mais aprofundada sobre as lições trazidas pela Constituição para o âmbito do processo. Muito se discutiu sobre os modelos de organização do processo: inquisitivo (pesquisa oficial, ingerência do Poder Público na demanda e nos meios de prova, e tal) versus dispositivo (protagonismo das partes, juiz inerte etc.). Se, no âmbito do processo civil, o arranjo do Estado Constitucional parece apontar para um terceiro modelo, em que se combinam alguns aspectos de cada uma das estruturas precedentes (na verdade, combinam-se aspectos atinentes ao Estado Liberal, com seu liberalismo processual, e ao Estado Social, valendo a lembrança do chamado socialismo processual; chega-se ao tal modelo comparticipativo, que tem, inclusive, fortes reflexos no novo CPC), no processo penal, essa discussão ainda precisa de maior amadurecimento doutrinário e institucional. Mas, de qualquer forma, é certo que se faz necessário um aggiornamento do discurso processual penal. Sempre lembro que o processo penal tem traços historicamente inconstitucionais, justamente, porque inquisitivos. É preciso oxigenação rumo a um sistema acusatório, ainda que haja bastante discussão sobre sua extensão e significado. Assim, retomando o fio do raciocino e resumindo bastante, ainda que não se instaure, do dia para a noite, um sistema completamente adversarial no Brasil (não se sabe como isso se daria), é certo que as inovações legislativas que, pontualmente, apontarem para esta direção, não podem ser consideradas inconstitucionais. E é neste contexto que deve ser lido o artigo 212 CPP, resultado de um devido processo legislativo e que deve, por isso e por seu conteúdo, ser aplicado.
Preocupa-me sobremodo tudo isso. Como me preocupa o fato de, seguidamente o judiciário pretender corrigir a legislação a partir de juízos morais e não constitucionais. Se o juiz ou judiciário lato sensu não quiser aplicar uma lei, deve utilizar os mecanismos que estão a sua disposição, como o controle da constitucionalidade (no caso “dos autos”, difuso), critério de resolução de antinomias, etc, como venho explicitando em Jurisdição Constitucional e Decisão Juridica, quando sustento que o judiciário somente pode deixar de aplicar uma lei em seis hipóteses. Caso contrário, mesmo a contragosto, o juiz deve aplicar a lei.
Moral não corrige direito, não me canso de denunciar. E não vou cansar os leitores acerca da diferença e cooriginariedade entre direito e moral e as consequências disso tudo. E  antes que alguém venha de novo com o papo de que “quem quis separar direito e moral foi Kelsen”, defiro uma liminar epistêmico-explicitativa como adiantamento de tutela gnosiológica: Kelsen separou a ciência do direito da moral e não o direito da moral. No mais, foi um pessimista e também é culpado de tudo isso que está aí, em face de tese de que “a interpretação que os juízes fazem da lei é um ato de vontade”. Já falei disso aqui, quando alertei para a maldição do oitavo capítulo da TPD.
No mais, quero apenas dizer, de novo, que é preciso estar alerta, porque em tempos de (alegada) indeterminação do direito e de proliferação de teses que se advogam pós-positivistas, corremos o risco de fragilizar a autonomia do direito. É preciso estar atento porque, no mais das vezes, o discurso que se afigura com a aparência do novo, carrega consigo o código genético do velho, reafirmando, no fundo, aquilo que alhures nomeei de “vitória de Pirro” do positivismo jurídico.
Por isso, é extremamente preocupante que setores da comunidade jurídica, por vezes tão arraigados aos textos legais, neste caso específico ignorem até mesmo a semanticidade mínima. [2] O judiciário como um todo ignora o artigo 212 do CPP. 
No mínimo, levemos o texto jurídico a sério! Friedrich Müller nos diz: a norma deve caber no programa normativo que a originou.  Portanto, não devemos confundir “alhos” com “bugalhos”. Obedecer a lei[3] democraticamente construída (já superada a questão da distinção entre direito e moral) não tem nada a ver com a “exegese” à moda antiga(positivismo primitivo). Não vou explicar isso de novo. Portanto, estamos falando, hoje, de uma outra legalidade (lembro sempre de Elias Diaz).  
Um lembrete para os novos “neo-póspositivistas” ou “neo-anti-positivistas” (para colar na geladeira): é positivista tanto aquele que diz que texto e norma (ou vigência e validade) são a mesma coisa, como aquele que diz que “texto e norma estão descolados” (no caso, as posturas axiologistas, realistas, pragmaticistas, etc.). Para ser mais simples: Kelsen, Hart e Ross foram todos positivistas, cada um ao seu modo. Do mesmo modo que os neoconstitucionalistas, que acreditam na discricionariedade e na ponderação, também o são. E disso todos sabemos as consequências.  Ou seja: apegar-se à lei pode ser uma atitude positivista ou pode não ser. E não apegar-se à lei pode caracterizar uma atitude positivista ou antipositivista. Por vezes, “trabalhar” com princípios (lembremos do pamprincipiologismo) pode representar uma atitude (deveras) positivista. Utilizar os princípios para contornar a Constituição ou ignorar dispositivos legais – sem lançar mão da jurisdição constitucional (difusa ou concentrada) – é uma forma de prestigiar a irracionalidade constante no oitavo capítulo da TPD de Kelsen. Não é desse modo, pois, que escapamos do tal de positivismo. Que existe sob as mais variadas facetas.
Portanto, muito cuidado. O positivismo é bem mais complexo do que a antiga discussão “lei versus direito”... E a jurisdição constitucional é uma garantia para que, tanto as leis inconstitucionais não sejam validadas, quanto às que forem constitucionais sejam efetivamente aplicadas. Simples assim!
Só uma coisa, ainda: o caso sob comento (crime de furto) não é relevante. Provavelmente poderia haver provas para condenação independentemente da preliminar levantada pelo advogado. Não li os autos. O que importa discutir, aqui, é a argumentação utilizada pelo magistrado para afastar a aplicação de uma lei e o que ele entende por “positivismo jurídico”. Esse é o busílis da questão.
Caso 2. E um juiz de Goiás não gosta de formalismos...
No processo 201402005339, de Rio Verde (GO), o juiz condenou o réu a mais de oito anos de prisão, mesmo que não estivesse presente o laudo de constatação definitiva da substância entorpecente. Disse que era avesso ao formalismo processual. E que a hermenêutica deve ir além disso. Consequentemente, como ele não é formalista, passou por cima da lei e condenou o réu. Afinal, cumprir a lei no Brasil é ser positivista! Simples assim. E incrível! O Brasil vai mal.
Post Scriptum: Enquanto isso,
...foi lançado o livro Direito Penal Mastigado. Vejam no Google. Eu avisei que esse dia chegaria. É o armagedom epistêmico. A batalha final. O Brasil não vai bem.  Mas não vai, mesmo.
Faz escuro...mas eu canto. Em terra de fugitivos, andar na contramão dá a impressão de fuga... Pois é. T.S. Eliot tinha razão.

[1] Volta, de novo, a questão da divindade. Essa chatice não tem limites. Faço um chamado para Néviton Guedes e Alexandre Morais da Rosa, ambos juízes, para que contestem. De juiz para juiz pode ser mais eficiente a crítica... 
[2] Permito-me remeter o leitor para vários livros ou colunas aqui do Conjur em que explicito isso nos mínimos detalhes. Se fosse colocar no twitter, seria: #aplicar a letra da lei não é, necessariamente, uma atitude positivista.
[3] O que quero dizer quando me refiro ao cumprimento da lei (e incluo nisso a discussão daquilo que denomino de limites semânticos lidos a partir da hermenêutica)? Isso explico em Verdade e Consenso e na coluna Observatório Constitucional do dia 25 de outubro.
Revista Consultor Jurídico, 27 de novembro de 2014, 8h00

domingo, 23 de novembro de 2014

"Defender um cliente não significa defender sua conduta criminosa"

Eu assisti a esta entrevista na GloboNews. Tenho a impressão de que as ideias da advogada não ficaram muito claras, mas vale a pena ler a matéria da Conjur ... a matéria foi também do Milênio ...

"Defender um cliente não significa defender sua conduta criminosa"

Abbe Smith [Reprodução]
Entrevista concedida pela defensora criminal nos Estados Unidos Abbe Smith ao jornalista Luís Fernando Silva Pinto, para o programa Milênio, da GloboNews. O Milênio é um programa de entrevistas, que vai ao ar pelo canal de televisão por assinatura GloboNews às 23h30 de segunda-feira com repetições às terças-feiras (11h30 e 17h30), quartas-feiras (5h30), quintas-feiras (6h30 e 19h30) e domingos (7h05).

Dentro dos tribunais, há todo tipo de julgamentos, desde uma simples discussão de trânsito até crimes tão cruéis e violentos que desafiam a ficção. É difícil imaginar o argumento usado para defender alguém que jogou gasolina e ateou fogo em um outro ser humano, ou a consciência do advogado que usa todo o seu domínio da lei para manter em liberdade um traficante violento. Há quem se pergunte, quem se presta a defender gente assim? A pergunta não tem resposta simples. Advogados muitas vezes apenas cumprem uma obrigação, são requisitados pelos tribunais para defender assassinos, estupradores, terroristas e fornecer a cada acusado o direito de defesa como manda a lei. Porém, advogados também aceitam espontaneamente clientes que destruíram vidas em atos premeditados, que são reincidentes e sádicos nos seus crimes ou que são uma soma de tudo isso. Peças fundamentais no funcionamento do sistema de Justiça, os advogados de defesa muitas vezes enfrentam questionamentos morais em seu trabalho. Mas, segundo a jurista americana Abbe Smith, mesmo o acusado mais temido tem sua parcela de humanidade e muitas vezes a diferença entre ele e o resto da sociedade não é tão grande. Professora de Direito e diretora de um dos mais respeitados programas de assistência legal dos Estados Unidos, a clinica de defesa criminal e advocacia para prisioneiros da Universidade George Town em Washington, Abbe Smith é uma defensora criminal de primeiro time e na entrevista defende a lei como algo mais complexo do que apenas penalidades estabelecidas por cada jurisdição. Para ela a lei é feita de seres humanos, de condições de vida e muitas vezes da sorte do momento.
Luís Fernando Silva Pinto — Você editou um livro no qual 16 advogados criminalistas explicam ou contam por que representam criminosos. Por que os advogados querem explicar isso?
Abbe Smith — É uma ótima pergunta. É porque parece fazer parte do trabalho dos criminalistas ter que responder muitas vezes a essa pergunta. Na verdade, temos um apelido para ela: “a pergunta” ou “a pergunta dos jantares”. Chamamos assim porque é nessas situações que ela surge, mas pode ser em qualquer evento social. Quando descobrem que você é advogado criminalista, inevitavelmente perguntam: “Como pode defender essas pessoas?”, referindo-se aos culpados, principalmente a pessoas que cometeram crimes hediondos. Os colaboradores do livro têm perfis bem diferentes. 50% dos autores são mulheres, 25% são negros, sua idade varia entre 20 e tantos anos até mais de 80 e eles têm especialidades diferentes. Há defensores públicos, advogados criminalistas famosos, especializados em pena de morte, administradores de organizações sem fins lucrativos. São perfis variados. E todos os artigos são muito reflexivos, alguns são muito engraçados, outros são muito pungentes e acho que cumprem muito bem a tarefa de responder a essa pergunta onipresente.

Luís Fernando Silva Pinto — Mas e quanto àquilo que eles fizeram, - quando fizeram?
Abbe Smith — Boa pergunta. Muitas vezes, eles representaram criminosos terríveis, mas pesquisam sobre seus clientes e descobrem que, invariavelmente, quem pratica atos terríveis foi vítima de atos terríveis. Ninguém nasce para se tornar um criminoso. Quase sempre, quem pratica os piores crimes são pessoas estruturalmente desequilibradas. Essa é uma das explicações.

Luís Fernando Silva Pinto — É uma explicação social, ou circunstancial.
Abbe Smith — É verdade.

Luís Fernando Silva Pinto — E do ponto de vista moral? Como a sua mente lida com isso quando você sabe que a pessoa que defende fez o que fez e que você pode livrá-la da punição?
Abbe Smith — A intenção do advogado criminalista é defender os interesses de seu cliente. Então, se o cliente diz: “Eu quero me livrar apesar de ser culpado”, esse é o seu trabalho. Você não pode ser tanto juiz como advogado. A questão moral é interessante. Alguns já sugeriram que os criminalistas são amorais, que nos agarramos ao nosso papel no sistema acusatório e interpretamos um papel decididamente fora do sistema moral. Eu não enxergo assim, mas distinguiria o regime ético no qual os advogados operam do que ficou conhecido como valores e moral comuns. São duas coisas diferentes, e eu tenho a minha ética profissional. O papel que eu interpreto é essencial para o funcionamento do sistema acusatório de Justiça. Esse sistema não funcionaria se não houvesse advogados capazes em ambos os lados. Existe uma virtude moral em ficar ao lado de um ser humano em necessidade e com medo. E isso pode ser considerado moral. É o meu pequeno papel no sistema. Até do outro lado há pessoas clamando por justiça.

Luís Fernando Silva Pinto — O sistema de justiça americano funciona?
Abbe Smith — Às vezes. Trata-se de uma questão complicada. Alguns lugares fornecem serviços advocatícios de alta qualidade em casos criminais. A esfera civil é diferente. Não há direito a advogado em causas cíveis. Eu não diria que o sistema funciona bem para todos no tribunal civil, porque há causas que são tão importantes para as pessoas quanto as criminais. Causas nas quais o réu pode perder a guarda dos filhos, pode enfrentar deportação ou tratamento mental involuntário. São causas cíveis sem direito a advogado, mas são muito importantes, e a própria liberdade está em risco. Mas, infelizmente, isso varia, e não varia de uma forma estereotipada. Há áreas do norte do estado de Nova York e de Ohio e Pensilvânia onde a qualidade dos advogados é abaixo do padrão.

Luís Fernando Silva Pinto — Você é contra a pena de morte? Por quê?
Abbe Smith — Sou, por motivos morais. Acho errado o Estado matar pessoas. É uma punição permanente, acho incivilizado. Já superamos isso. Não consigo acreditar que em pleno século 21 o poder público sinta que tirar uma vida é justificável. Há esse motivo e também acho que há algo de aleatório e de injusto na imposição da pena capital. Supostamente a impomos aos piores entre os piores, mas não é o que acontece. Ela é imposta, às vezes aleatoriamente, em casos comuns, em homicídios comuns. Às vezes quando a vítima é simpática e cativante, às vezes porque o julgamento acontece em regiões nas quais os júris são especialmente punitivos, e a forma de escolha dos júris nesses casos é problemática. Tendemos a excluir pessoas que têm dúvidas em relação à pena capital. Dizemos que não seriam imparciais. E acho que seriam. Não acho que um júri à favor da pena de morte deveria julgar esses casos.

Luís Fernando Silva Pinto — A escolha do júri é responsabilidade dos dois advogados, da defesa e da promotoria. Então os advogados são os responsáveis.
Abbe Smith — Os advogados e os juízes.

Luís Fernando Silva Pinto — Lamento interromper, mas o sistema toma parte?
Abbe Smith — Com certeza. As pessoas comparam o sistema acusatório a uma espécie de esporte. Isso é fazer pouco dele, mas é um sistema muito competitivo. É acusatório, portanto há advogados dos dois lados, defendendo fervorosamente sua posição. E isso às vezes se assemelha a um esporte e a um jogo, principalmente na seleção do júri. Mas a impugnação peremptória existe desde muito antes do século 13 na Inglaterra. E, desde o século 14 na Inglaterra, os tribunais ingleses decidiram que só os réus poderiam impugnar. Só os acusados poderiam dispensar jurados, pelo motivo que fosse ou sem motivo, se não se sentissem à vontade, porque quem enfrenta uma acusação do Estado deve participar da decisão de quem o julga. Antes disso, na Inglaterra, havia abusos, por parte do rei, na escolha dos júris. Nos EUA, há um problema bem documentado com promotores impugnando jurados negros e latinos, principalmente. Então há alguns municípios com 80% de negros mas com júris 100% brancos. Isso ainda é um problema, principalmente no Sul atrasado.

Luís Fernando Silva Pinto — Se penitenciárias particulares não funcionam bem, se penitenciárias federais não funcionam bem, o que fazer? Qual é a solução para o problema que o ser humano tem em lidar com os elementos criminosos de uma sociedade?
Abbe Smith — É uma pergunta relevante, e devo dizer que os criminalistas não são a favor do crime. Nós não comemoramos a perpetração de um crime. O fato de lutarmos por nossos clientes e encontrarmos a humanidade deles não significa que defendamos a conduta criminosa de nossos clientes. Não sou ingênua a ponto de achar que ninguém precisa ser preso. Alguns precisam ser separados da sociedade, confinados de alguma forma, mas acho que poderíamos ter outras opções a esta altura da nossa história, no século 21, em vez de engaiolar pessoas, como fazemos com muitas pessoas. Mas o que acho incrível nesses mais de 30 anos nos quais advogo é que esse tempo acompanha exatamente a curva de encarceramento em massa nos EUA. Quando comecei a advogar... Foi nesses 30 anos que passamos a prender se não me engano três vezes mais pessoas do que no final da década de 1970. Comecei a advogar no início da década de 1980. Não é possível que se cometam muito mais crimes hoje do que há 30 anos. Não acredito nisso.

Luís Fernando Silva Pinto — Mas o que fazer? Se as penitenciárias não são a única resposta, então o quê? Tem um plano, uma solução?
Abbe Smith — Tenho. Acho que, nos Estados Unidos, principalmente nas instâncias mais baixas, processamos e prendemos pessoas por motivos ridículos. Ontem mesmo, um homem de 64 anos sem antecedentes criminais e com um perfil interessante — escreveu alguns livros e compôs canções — é dono de armas na Pensilvânia. Ele tem permissão para portar, sempre portou uma arma e nunca foi preso, mas cometeu o erro de ir a Washington para uma conferência e deixar a arma no carro. Um policial perguntou a ele, que estava estacionado perto do Capitólio, se o carro era dele. Estava bem estacionado. Nem sei por que o abordaram, mas ele é honesto e admitiu que tinha uma arma e que estava no porta-luvas. Ele foi preso e acusado de portar pistola sem licença, de posse de arma e munição sem registro... Acredito na nossa legislação. Não sou fã de armas e acho que a violência praticada com armas contribuiu para inúmeros males em nossa sociedade, mas esse cara precisava mesmo ser processado criminalmente? Ele foi preso e passou dois dias na penitenciária de DC. Quando saiu, sob fiança, seu carro havia sido rebocado, eram US$ 200 para retirá-lo. Já estava tão tarde que ele teria de dormir, mas não tinha dinheiro, então passou a noite num abrigo para sem-teto. Voltou para a Pensilvânia, conseguiu um bom defensor público participante do meu programa, mas o governo só estava interessado na condenação dele. Aceitaram trocar a acusação de crime para delito leve, mas às vezes penso: “Sério? Não há outra alternativa?” Ele ia morrer com orgulho de ter vivido corretamente, de ter sido uma boa pessoa, sem ficha criminal, e agora... Às vezes, acho uma besteira. Deveríamos decidir com a cabeça mais fria.

Luís Fernando Silva Pinto — No livro, você fala da importância da apelação e cita dois casos: um é o de Kelly, a garota que não cometeu um crime. E o outro é o da Srta. Cooper, que, apesar de talvez ter sido culpada, era extremamente cativante. Pode me contar sobre esses dois casos?
Abbe Smith — A história de Patsy Kelly Jarrett, que contei num livro anterior chamado Case of a Lifetime, foi um dos casos mais importantes na minha formação. Eu ainda era estudante quando a conheci. Era uma mulher da classe trabalhadora da Carolina do Norte sem antecedentes criminais que tirou suas únicas férias com um cara que não conhecia bem no norte do estado de Nova York. Depois do fim da viagem, dois anos e meio depois, bateram na porta do trailer dela na Carolina do Norte. Era a polícia de NY perguntando onde ela estava em 11 de agosto de 1973, e ela respondeu: “Utica, NY.” Perguntaram se estivera num posto de gasolina, mostraram a foto, e ela disse que talvez. Ela foi presa e acusada de cumplicidade no homicídio e roubo de um jovem frentista. Foi um assassinato brutal. Ele foi degolado para facilitar o roubo de uns U$ 200 num posto de gasolina isolado às margens de uma rodovia. As provas contra ela eram principalmente duas: o fato de ela ter viajado com esse sujeito muito suspeito e uma testemunha, que tinha estado no posto perto da hora do crime e avistado um carro do outro lado da bomba. Dois dias depois do crime, a polícia pediu que ele descrevesse os ocupantes do carro. Ele disse que não sabia se a pessoa no carro era homem ou mulher, o penteado o tinha impedido de ver o rosto da pessoa, não sabia o sexo nem esclareceu nada sobre constituição, cor da pele, nada...

Luís Fernando Silva Pinto — Era só uma pessoa no carro.
Abbe Smith — Só isso. Três anos e meio depois, ele identificou Patsy Kelly Jarrett. O júri, por algum motivo, acreditou nele. Eu acho essa identificação surreal. É uma das piores identificações de que tenho notícia. A pessoa não teve nenhuma chance de observar. Se a polícia me pedisse hoje para identificar alguém enchendo o tanque na minha frente num posto, eu seria incapaz de identificar precisamente a pessoa. Mas com base no testemunho e no fato de ela conhecer o suspeito, ela foi condenada por homicídio e roubo e sentenciada à prisão perpétua. Ela cumpriu 28,5 anos. No 1° ou 2° ano, como esses casos às vezes avançam no sistema muito lentamente, recebi um telefonema da professora com quem eu havia trabalhado no caso, que me disse: “Ótima notícia: o pedido de Habeas Corpus que fizemos quando você estava na faculdade foi apreciado e vencemos. Um juiz federal de NY decidiu em nosso favor que o testemunho daquele homem que mal viu a pessoa no carro não deveria estar nos autos nem ter sido aceito como prova, e o tribunal ordenou que o governo de NY ou repetisse o julgamento de Patsy ou a libertasse.” Então havia uma janela de oportunidade antes que o governo decidisse repetir o julgamento ou...

Luís Fernando Silva Pinto — Então ela foi libertada.
Abbe Smith — Não foi.

Luís Fernando Silva Pinto — Por quê?
Abbe Smith — Continuou presa porque o governo solicitou. Porque a justiça é muito lenta, resumindo. Mas no intervalo entre a nossa vitória e o governo decidir entrar com um recurso na instância superior, o Tribunal Federal de Apelações, o estado de NY fez uma oferta a ela: se ela se declarasse culpada, a sentença dela mudaria para pena já cumprida.

Luís Fernando Silva Pinto — Ela seria solta.
Abbe Smith — Àquela altura, ela havia passado dez anos num presídio de segurança máxima. Portanto sabia exatamente o que significava estar presa. É muito tempo de encarceramento. E ela recusou. Acho que isso é uma prova da inocência dela, porque nenhum culpado que já representei recusaria a oferta de assumir a culpa e ser libertado. Nenhum culpado recusaria isso. Por quê? Seria libertado!

Luís Fernando Silva Pinto — Mas um inocente poderia.
Abbe Smith — Um inocente poderia. Há um paradoxo profundo e terrível nisso. Por um lado, é de se tirar o chapéu. É admirável. Ela estava disposta a cumprir mais 18,5 anos, quase 30 anos no total, por princípio, por ser inocente.

Luís Fernando Silva Pinto — E a Srta. Cooper?
Abbe Smith — A Srta. Cooper é o outro lado da moeda. Uma de minhas clientes preferidas até hoje. Ela era acusada de prostituição, e os fatos do caso eram notórios e jamais foram postos em dúvida. A Srta. Cooper teria se oferecido para praticar sexo oral num policial disfarçado em troca de frango frito. Só que ela estava em condicional por algum outro delito, e a condenação nesse caso de prostituição seria uma violação da condicional e resultaria em prisão. Então nos esforçamos para colocá-la num programa alternativo, para passá-la para um tribunal de saúde mental, que desvia o caso do tribunal comum e permite que a pessoa receba tratamento mental e fique longe de encrencas.

Luís Fernando Silva Pinto — Como uma apelação.
Abbe Smith — Mais ou menos. Para sair do sistema, mas ela vivia vacilando no programa, que exigia exames de drogas, manter compromissos... E ela era reprovada nos exames, uma vez foi acusada de ter bebido muita água para invalidar o exame, mas os examinadores sabem disso. Então ela não se enquadrava e o juiz foi perdendo a paciência até que ordenou que o caso voltasse à justiça comum e revogou os benefícios do tribunal de saúde mental. Pobre Srta. Cooper... Eu gostava muito dela. Ela era um amor, e isso mostra que há uma pessoa por trás do crime. Eu sei que esse não era um crime muito grave, não era hediondo, então não fui desafiada da forma como outros advogados são, mas a Srta. Cooper ilustra como muitos criminalistas funcionam. Eu realmente gostava dela. Você simpatiza com certas pessoas. Há pessoas boas e más em todas as áreas, em todas as profissões, e ela era um amor. Sempre me recebia com um abraço apertado e me chamava de “Srta. Abbe”, como se eu fosse uma senhora de escravos. E dizia que já me conhecia, que eu era conhecida como uma ótima advogada. Duvido. Ela certamente nunca tinha ouvido falar de mim. Não sou esse tipo de advogada, mas ela era encantadora. No final, o oficial da condicional dela não incluiu o novo crime no relatório. Acho que a Srta. Cooper também o conquistou. E a juíza do tribunal criminal também não mandou prendê-la, apenas deu uma sentença probatória. E acho que a Srta. Cooper também a conquistou. Às vezes a vida é complicada, as pessoas são complicadas.

Crime organizado ...

Sem dúvida um marco na história brasileira. Não tenho dúvida que todas as figuras envolvidas merecem nossa atenção.
Os acusados contam com grandes nomes da advocacia que até o momento vem firmando muitas reclamações.
Matérias divulgadas na mídia informam que o processo deve seguir para o STF. Particularmente não acredito, pois apesar de matéria sumulada, o STF tem mantido na corte o julgamento somente daqueles que possuem foro por prerrogativa de função. Nos próximos dias saberemos ...

Matéria do G1:

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Juiz da Operação Lava Jato divide opiniões de colegas e advogados

O juiz Sérgio Moro, da Justiça Federal, é o responsável pela Operação Lava Jato (Foto: J.F. Diorio/Estadão Conteúdo)
Se para uns, ele é um juiz discreto e reservado, para outros é frio e seco. Se para uns é técnico e competente, para outros, é duro e autoritário. Assim se dividem as opiniões de magistrados e advogados ouvidos pelo G1 acerca do juiz Sergio Fernando Moro, 42 anos, titular da 13ª Vara Criminal Federal de Curitiba/PR, atualmente à frente daquele que já é considerado um dos maiores casos de corrupção no país: a Operação Lava Jato, que apura suposto cartel entre empreiteiras para fraudar licitações e obter contratos na Petrobras, mediante pagamento de propina a agentes públicos.
Iniciada em 2013, a operação se concentrou inicialmente em movimentações suspeitas de Alberto Youssef, um doleiro que já havia enfrentado Sergio Moro em 2004, na Operação Farol da Colina, que desmontou uma rede composta por mais de 60 doleiros que, segundo a acusação, remetiam dinheiro sujo para os Estados Unidos. A investigação foi um desdobramento do caso Banestado, em que apurou-se a evasão de US$ 30 bilhões de políticos para o exterior entre 1996 e 2002.
Juízes, policiais e procuradores consideram que essa ação anterior foi a preparação de Moro para o atual caso da Petrobras. Se para colegas de profissão, significou uma experiência ousada e inédita no combate à corrupção pela grandeza do esquema – o juiz chegou a decretar a prisão de 123 pessoas de uma vez –  para defensores de acusados, revelou um "justiceiro", que prende suspeitos ainda não condenados atropelando regras processuais.
Os dois lados, porém, reconhecem hoje em Sergio Moro um juiz extremamente capacitado, que alia o conhecimento acadêmico profundo com a habilidade técnica e estratégica para conduzir um processo judicial, tentando escapar de erros que podem derrubar uma investigação.
"É absolutamente técnico, com posicionamentos sempre ponderados", descreve o desembargador federal Fausto De Sanctis, que figura ao lado de Moro como um dos maiores especialistas no país no combate à lavagem de dinheiro. Ambos participaram ativamente da criação de varas especializadas na Justiça Federal contra crimes financeiros entre 2003 e 2004.
O colega acrescenta que Moro é "estudioso e vive se atualizando", inclusive com cooperação internacional na descoberta de crimes. "É também sério e trata os réus de forma equânime. Tenta materializar a lei, que é formal, dando efetividade à justiça. Tenta fazer o melhor, baseado na doutrina e na experiência", completa De Sanctis.
Formado pela Universidade Estadual de Maringá em 1995, Moro fez concurso e tornou-se juiz federal um ano depois. Em 1998, cursou programa para instrução de advogados na escola de direito da Universidade de Harvard, considerada a melhor do mundo.
Mestre e doutor pela Universidade Federal do Paraná – com tese de 2002 sobre o papel de tribunais constitucionais, como o Supremo Tribunal Federal, no regime democrático – foi convidado em 2007 pelo Departamento de Estado americano para visitar agências de combate à lavagem de dinheiro nos Estados Unidos. Hoje dá aulas de processo penal na UFPR.
As coisas são do jeito que ele quer, pega para si um processo, fixa a competência do processo - porque nada indica que a competência seja de Curitiba, mas ele faz assim porque quer o processo para si"
Alberto Toron, advogado
Apesar de considerar Moro "extremamente bem preparado", o advogado Alberto Zacharias Toron, que defendeu acusados na Farol da Colina, também o vê como um "déspota esclarecido".
"As coisas são do jeito que ele quer, pega para si um processo, fixa a competência do processo – porque nada indica que a competência seja de Curitiba, mas ele faz assim porque quer o processo para si", critica Toron, um dos mais famosos criminalistas do país, em relação à atuação nacional do juiz, fora de sua jurisdição. "Decreta prisões a rodo, tratando as pessoas como se fossem presumivelmente culpadas" acrescenta o advogado.
Os meios usados por Moro para obter as provas são motivo de controvérsia no meio jurídico e alguns acabaram sendo derrubados por instâncias superiores. Toron relata que num caso que atuou, Moro mandou que um suposto doleiro entregasse uma conta no exterior, sob pena de cometer crime de desobediência. Foi derrotado pelo princípio de que um acusado não pode ser levado a se autoincriminar.
Entre 2004, Moro determinou escutas telefônicas por mais de dois anos em investigação contra donos da fábrica de bicicletas Sundown, suspeitos de sonegação de impostos e lavagem de dinheiro. A lei manda que o grampo seja por apenas 15 dias, renovável por mais 15. Ao analisar o caso, em 2008, o Superior Tribunal de Justiçaderrubou as provas das interceptações e mudou seu entendimento – se antes permitia mais renovações sucessivas, passou a considerar que ela deve ser limitada para não invadir a privacidade dos suspeitos.
Outros exemplos de medidas anuladas foram intimações por telefone e ordens para empresas aéreas localizarem advogados. Amigo desde a juventude, ex-colega de faculdade e revisor dos trabalhos acadêmicos de Moro, o juiz federal Anderson Furlan entende que medidas como essas não são "erros", mas interpretações diferentes sobre o que a lei permite ou proíbe, que eventualmente prevalecem em tribunais superiores.
Furlan acredita que alguns desses percalços processuais tornaram Moro mais preparado para tocar o processo da Lava Jato sem riscos de anulação da investigação.
Ele está tendo esse cuidado, de instruir regularmente o feito, para evitar que possíveis detalhes anulem qualquer fase do processo"
Antônio César Bochenek, presidente da Ajufe
O presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), Antônio César Bochenek, concorda com Furlan, e explica que juízes federais criminais como Moro são habituados a questionamentos do processo e procuram se precaver no momento de conduzi-lo. "Em regra, os processos criminais são muito detalhados. Em muitas dessas grandes operações, um detalhe processual acaba prevalecendo em um tribunal superior, que acaba acolhendo algumas defesas processuais".
Apesar de não conhecer o processo da Operação Lava Jato, Bochenek nota, no entanto, que até agora, apesar de vários questionamentos por parte dos advogados dos suspeitos, nenhum ministro do STF ou do STJ anulou qualquer procedimento de Sergio Moro. "Revela que ele está tendo esse cuidado, de instruir regularmente o feito, para evitar que possíveis detalhes anulem qualquer fase do processo", afirma.
Delação
Na operação atual, ressurgiu no meio jurídico a polêmica sobre o uso da delação premiada, instrumento pelo qual um acusado se compromete a indicar onde e como obter provas contra outros envolvidos em troca da redução da pena. Até onde se sabe, ao menos 9 pessoas, entre doleiros, funcionários públicos e executivos, já aceitaram colaborar no caso da Petrobras.

Na decisão que levou à prisão de 23 executivos de empreiteiras no dia 14 de novembro, Moro rebateu alegações, nunca confirmadas, de que teria forçado depoimentos. "Nunca houve qualquer coação ilegal contra quem quer que seja da parte deste Juízo, do Ministério Público ou da Polícia Federal", escreveu, acrescentando que as prisões foram realizadas com "boa prova dos crimes e principalmente riscos de reiteração delitiva". "Jamais se prendeu qualquer pessoa buscando confissão e colaboração", completou em seguida.
Advogado de investigados da operação, Alberto Toron não é contrário à delação premiada, mas critica a forma como tem sido autorizada na Lava Jato. "É possível sim utilizar-se da delação, mas com todos os cuidados. Muita gente foi presa e acabou sendo solta porque se verificou depois que não tinha nada a ver com o caso. O método que acho mais adequado é, primeiro, chamar, ouvir, e, se for o caso, prender. Aqui não, estão primeiro prendendo, para depois ouvir, o que agride a dignidade da pessoa", criticou.
Ao justificar o uso da delação, Moro ponderou que os depoimentos devem ser vistos com precaução, por virem de criminosos. Mas ressaltou sua importância para investigar crimes complexos, como os de colarinho branco, desde que as provas confirmem os relatos. Ele diz que sem a colaboração de criminosos, "vários crimes complexos permaneceriam sem elucidação e prova possível".
Em seguida, citou o juiz americano Stephen S. Trott, em que explica que a máfia e os terroristas, por exemplo, usam subordinados para fazer o "trabalho sujo".
"Para pegar os chefes e arruinar suas organizações, é necessário fazer com que os subordinados virem-se contra os do topo. Sem isso, o grande peixe permanece livre e só o que você consegue são bagrinhos. Há bagrinhos criminosos com certeza, mas uma de suas funções é assistir os grandes tubarões para evitar processos", diz um trecho do artigo "O uso de um criminoso como testemunha: um problema especial", usado por Moro na decisão.
Em depoimentos não sigilosos de uma ação penal já em curso no Paraná, o doleiro Alberto Youssef e o ex-diretor de Abastecimento da Petrobras Paulo Roberto Costa disseram que contratos da Petrobras eram superfaturados para abastecer partidos e "agentes políticos" – autoridades com o chamado foro privilegiado, como deputados, senadores e ministros, que só poderão ser julgados no Supremo Tribunal Federal, fora da alçada de Sergio Moro.
Reservado
Além do cuidado na condução do processo, colegas próximos de Moro afirmam que o jeito reservado, discreto e avesso à fama do juiz colabora para o sucesso das investigações.

"É uma característica positiva considerando ser juiz federal criminal, que atua em casos de grande repercussão, que exigem que o juiz se concentre no processo, atuando com base nos fatos, nas provas, e de não sair falando, opinando, falando sobre o caso concreto, fazendo 'publicização' da decisão para um lado ou outro", afirma o presidente da Ajufe, Antônio César Bochenek.
Embora seja sério e competente, se sente meio justiceiro. Talvez um juiz apaixonado pelo que faz, e isso não é necessariamente coisa positiva"
Antônio Carlos de Almeida Castro, advogado
Ex-defensor de Alberto Youssef, o advogado Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, também reconhece em Moro a qualidade de não agir com interesse político ou partidário. Mas, assim como Toron, critica a pretensão do juiz de atuar em todo o país, fora de sua competência, na primeira instância do Paraná.
"Embora seja sério e competente, se sente meio justiceiro. Talvez um juiz apaixonado pelo que faz, e isso não é necessariamente coisa positiva. […] Se apega aos processos, tem certa paixão. E o fato de que é extremamente duro, dá a impressão que acha que através da pena vai mudar o Brasil, isso não é bom", diz Kakay.
Amigo e colega no Paraná, o juiz Anderson Furlan, rejeita a ideia de um juiz "obstinado". "Simplesmente faz seu trabalho. Se fosse outro trabalho, faria bem da mesma forma […] É um cara que nunca comprou um CD pirata, e nunca vai comprar. Nunca vai pegar um jornal da caixa postal que não é dele", afirma.
Juiz e professor
Sergio Moro tornou-se em 2007 professor adjunto da UFPR, com uma carga horária de 20 horas semanais.

A dedicação às aulas chegou a lhe render problemas com a Faculdade de Direito. Em 2012, quando foi chamado pela ministra Rosa Weberpara auxiliá-la no processo do mensalão, no STF, o juiz não quis abrir mão de dar aulas para seus alunos de processo penal. Como passava toda a semana em Brasília, ele propôs dar três aulas seguidas nas sextas-feiras, dia livre no STF, e uma quarta aula a combinar com os alunos, aos sábados, por exemplo.
A direção vetou por "motivos pedagógicos", por causa do tempo excessivo de lições no mesmo dia, sugerindo que Moro se licenciasse, sem receber salários. Com apoio de 50 dos 53 alunos da classe, ele levou o caso à Justiça para poder flexibilizar o horário das aulas, mas teve o pedido negado e acabou afastado da universidade durante o segundo semestre.
No processo, ele protestou, dizendo que sua experiência no STF teria relevância para a faculdade e que a dispensa era uma "ofensa ao interesse público do ensino". Sobre a suspensão dos salários, disse "poder passar muito bem sem a reduzida remuneração" de professor e que dava aulas "por amor à função".
*Colaborou o G1 PR
VALE ESTE - Arte Lava Jato 7ª fase (Foto: Infográfico elaborado em 15 de novembro de 2014)
Lava Jato presos e soltos 21.11 (Foto: Editoria de Arte/G1)

sábado, 22 de novembro de 2014

Congresso CERS


Para os que admiram as Ciências Criminais, o congresso do CERS teve algumas boa palestras. O acesso ao vivo estava ruim, pode ser minha web, mas para outros sites estava normal.

A palestra do Professor Afrânio Silva Jardim foi muito interessante, realmente um grande processualista.

Não tem custo ... acho q vale a pena, segue o link abaixo:


http://www.cers.com.br/eventoCongressoJuridico/;jsessionid=q7pifsakKUUjpfEvXKV7gMWn.sp-tucson-prod-12

sexta-feira, 21 de novembro de 2014

Erros judiciários ...

Depois de muitos anos ... a Justiça ....

Após 39 anos presos por homicídio, inocentes são libertados nos EUA

Wiley Bridgeman (esquerda) é observado pelo irmão Kwame Ajamu ao falar com repórteres depois de ser considerado inocente nesta sexta (21), após 39 anos na prisão  (Foto: AP Photo/Phil Long)Wiley Bridgeman (esquerda) é observado pelo irmão Kwame Ajamu ao falar com repórteres depois de ser considerado inocente nesta sexta (21), após 39 anos na prisão (Foto: AP Photo/Phil Long)
Dois homens que ficaram presos por quase quatro décadas foram liberados nesta sexta (21), após serem inocentados de um assassinato em 1975 por que a testemunha chave contra eles – um garoto que tinha 13 anos na época – retratou seu testemunho.

Um juiz de apelação civil do condado de Cyyahoga retirou as acusações contra Ricky Jackson, de 57 anos, e Wiley Bridgeman, de 60. A testemunha recuou no ano passado e disse que investigadores da polícia de Cleveland o forçaram a testemunhar que os dois, juntamente com o irmão de Bridgeman, tinham matado o empresário Harry Franks em 19 de maio de 1975.

Promotores do Condado de Cuyahoga apresentaram na quinta uma petição para retirar todas as acusações contra os três homens, que inicialmente foram sentenciados à morte. Ronnie Bridgeman, de 57 anos, e que agora se chama Kwame Ajamu, foi solto da prisão em janeiro de 2003. Ele compareceu à audiência dos outros dois homens na sexta.

Quando cancelou o caso contra Jackson, o juiz Richard McMonagle disse, “a vida é cheia de pequenas vitórias e esta é uma das grandes”.
Ricky Jackson sorri ao ser entrevistado na saída da audiência que concedeu sua liberdade após 39 anos na prisão  (Foto: AP Photo/Phil Long)Ricky Jackson sorri ao ser entrevistado na saída
da audiência que concedeu sua liberdade após 39
anos na prisão (Foto: AP Photo/Phil Long)
“A língua inglesa nem serve para descrever o que estou sentindo”, disse Jackson ao sair do prédio na sexta. “Estou eufórico. Você se senta na prisão por tanto tempo e pensa nesse dia, mas quando ele realmente chega você não sabe o que vai fazer, você apenas quer fazer alguma coisa”.

Bridgeman, de 60 anos, disse que nunca perdeu a esperança de que seria libertado definitivamente. “Você continua lutando, continua tentando”, disse.

Bridgeman abraçou seu irmão Ajamu ao deixar a corte. Ele parecia sobrecarregado pelo turbilhão dos últimos dias, dizendo não ter certeza do que o futuro reserva, a não ser por um jantar comemorativo com peixe no cardápio.

“Fique comigo. Você vai ficar bem”, disse Ajamu. “Eu não vou te deixar”.

Jackson e seus advogados planejaram celebrar na sexta em um hotel. Ao ser perguntado onde ele iria morar, Jackson respondeu: “é irônico. Por 39 anos eu tive um lugar para ficar. Agora, você sabe, isso é incerto”.

Amaju disse que em uma entrevista na quinta que a perspectiva de os três estarem juntos novamente era “inacreditável”. Ajamu passou seu 18º aniversário no corredor da morte e estava na prisão quando sua mãe, um irmão e uma irmã morreram.

“A ideia de que meu irmão – esses dois caras são meus irmãos – estão saindo? Eu nem ligo para mim”, Ajamu disse.

Pena de morte
Os três foram condenados à morte por uma lei capital de Ohio que foi declarada inconstitucional pela Suprema Corte dos EUA em 1978.

As sentenças de morte dos Bridgeman foram transformadas em prisões perpétuas após a decisão. A sentença de Jackson foi mudada em 1977 por causa de um erro nas instruções do júri.

O processo de três anos que levou às suas libertações começou com uma reportagem publicada na revista Scene em 2011, que detalhava as falhas no caso, incluindo o questionável depoimento de Eddie Vernon. Vernon, que agora tem 52 anos, não se retratou até que um pastor o visitou em um hospital em 2013. Ele caiu no choro durante uma audiência sobre Jackson na terça e descreveu as ameaças dos investigadores e o peso da culpa que carregou por tanto tempo. Vernon não foi localizado nesta sexta para comentar o caso.

Jackson diz que não guarda rancores de Vernon. “Foi preciso muita coragem para fazer o que ele fez”, disse. “Ele esteve carregando um fardo por 39 anos, assim como nós. Mas, no final, ele se arrependeu, e sou grato por isso”.

O Ohio Innocence Project assumiu o caso de Jackson após o artigo na Scene, embora não houvessem provas de DNA, a marca registrada nos casos do projeto. Um advogado de Cleveland representou Bridgeman e Ajamu.

Joe Frolik, um porta-voz do promotor do condado, Tim McGinty, não quis comentar o caso na quinta, a não ser para reiterar uma declaração de McGinty tinha feito na terça: “O estado admite o óbvio”.

Por que é inconstitucional "repristinar" a separação judicial no Brasil - Streck

Artigo do Professor Lenio que não foi tão divulgado na Conjur:


Por que é inconstitucional "repristinar" a separação judicial no Brasil

A separação judicial fundamenta-se em forte rastro ideológico-religioso. Basicamente, o que a justificava era a preservação da família: criou-se um hiato temporal legal que obstava o rompimento do vínculo conjugal de imediato a fim de permitir aos cônjuges repensarem sua situação de separados judicialmente. Sendo mais direto: o Estado imiscuía-se na própria vontade do brasileiro de não permanecer casado e, mais que isso, exortava-o sutilmente a agir de modo contrário e a retomar o casamento. Hoje, é certo que esse tipo de intromissão do Estado na vida dos casais fere claramente a secularização.
O legislador impusera aos cônjuges, não mais desejosos de permanecerem juntos, a obrigação de percorrerem uma espécie de calvário, que se caracterizava por um dualismo legal, como condição para que o casamento se dissolvesse de modo definitivo. A Lei 6515/77 deu margem a utilização de expressões não diferenciadas pelo senso comum, mas que no âmbito jurídico adquiriram conotações próprias: pelo que nela se lê, somente o divórcio e a morte possuem força de dissolver o casamento válido (põe termo ao casamento e aos efeitos civis do matrimônio religioso); a separação judicial, de sua vez, apenas termina com a sociedade conjugal. Desejoso de casar de novo? Só mediante o divórcio. Bingo. Dualismo legal porque o desapego definitivo do vínculo conjugal só era possível depois de superados dois procedimentos judiciais diversos – a não ser que a opção fosse pelo divórcio direto, só possível para aqueles separados de fato já por dois anos –, não raras vezes regrados de ataques e contra-ataques, constrangimentos e exposições dos erros e mazelas da vida íntima do casal.
Mas com a evolução social essa situação clamava por mudança. E foi com esse objetivo que o Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) apresentou PEC, por meio de um de seus associados, Deputado Federal Sérgio Barradas Carneiro, para dar nova redação ao parágrafo 6º do art. 226 da Constituição Federal. O resultado foi profícuo, apesar das críticas recebidas mormente de parlamentares religiosos, cujos argumentos permaneceram fiéis à tônica de preservação da família: afirmavam que a medida incentivaria o divórcio e banalizaria o casamento. De qualquer sorte, a PEC vingou e, hoje, depois da EC 66 dela resultante, o parágrafo 6º do art. 226 apresenta-se mais sucinto e reza simplesmente que “o casamento pode ser dissolvido pelo divórcio”. Eliminou-se o complemento, presente em sua versão anterior, que condicionava o divórcio à prévia separação judicial por mais de um ano nos casos expressos em lei, ou comprovada separação de fato por mais de dois anos. Com a EC 66, ficaram não recepcionadas as normas de direito material e processual que versavam sobre a separação judicial. Sendo mais claro: a separação foi varrida do mapa jurídico. Ponto para a secularização do direito. E ponto para Baruch Espinosa, um dos precursores da secularização.
E não pode haver dúvida que, com a alteração do texto constitucional, desapareceu a separação judicial no sistema normativo brasileiro – e antes que me acusem de descuidado, não ignoro doutrina e jurisprudência que seguem rota oposta ao que defendo no texto, mas com elas discordo veementemente.
Assim, perde o sentido distinguir-se término e dissolução de casamento. Isso é simples. Agora, sociedade conjugal e vínculo conjugal são dissolvidos mutuamente com o divórcio, afastada a necessidade de prévia separação judicial ou de fato do casal. Nada mais adequado à um Estado laico (e secularizado), que imputa inviolável a liberdade de consciência e de crença (CF/88, art. 5o., VI). Há, aliás, muitos civilistas renomados que defendem essa posição, entre eles Paulo Lôbo, Luís Edson Facchin e Rodrigo da Cunha.
Pois bem. Toda essa introdução me servirá de base para reforçar meu posicionamento e elaborar crítica para um problema que verifiquei recentemente. E já adianto a questão central: fazendo uma leitura do Projeto do novo CPC, deparei-me com uma espécie de repristinação da separação judicial. Um dispositivo tipo-Lázaro. Um curioso retorno ao mundo dos vivos.
A impressão que tive é de estar de frente para um fantasma! Está lá a morta-viva, em vários dispositivos do CPC Projetado: art. 23, III; art. 53, I; art. 189, II e seu parágrafo único; art. 708, art. 746; art. 747; e art. 748. De onde teria surgido isso?
Comecei a pensar no porquê desse ato milagroso: a ressureição legal de um instituto jurídico que deveria permanecer sepultado em nome da secularização do direito. Não há justificativa plausível.
Tenho dito e redito – e me perdoem a insistência, pois sofro de LEER (Lesão por Esforço Epistêmico Repetitivo)– que não há Direito sem história porque é o passado que nos lega os sentidos jurídicos nos quais, desde sempre, estamos imersos – o direito é um conceito interpretativo. É assim, portanto, que a hermenêutica irá responder ao problema da relação entre prática e teoria: um contexto intersubjetivo de fundamentação (a noção de pré-compreensão, contexto antepredicativo de significância, etc) no interior do qual tanto o conhecimento teórico quanto o conhecimento prático se dão na applicatio.
Não importa ao direito uma modalidade da moral que não opera no mundo prático-concreto (moral ornamental) e tampouco um moralismo jurídico no interior do qual o direito seria responsável pela capilarização dos desejos morais individuais dos que participam da comunidade política. O que tenho defendido é a presença de uma moral instituidora da comunidade política que obriga legisladores e juízes a seguirem uma cadeia de coerência e integridade em suas decisões.
De todo modo, a lo largo de tudo isso, algo passou despercebido na mente do legislador empenhado na elaboração do novo CPC. Explico: a historicidade é inexorável para que se tenha o Direito. Entretanto, ao que parece o legislador do CPC Projetado, nesse particular, rejeitou-a na medida em que decidiu ignorar todo o caminho doutrinário e jurisprudencial percorrido até a publicação EC 66/2010 e cuja desígnio foi o de justamente, e de uma vez por todas, abolir do sistema normativo brasileiro a separação judicial mediante a sua total absorção pelo instituto do divórcio.
Aqui, é suficiente a leitura da exposição dos motivos da EC 66/2010:
“Como corolário do sistema jurídico vigente, constata-se que o instituto da separação judicial perdeu muito da sua relevância, pois deixou de ser a antecâmara e o prelúdio necessário para a sua conversão em divórcio; a opção pelo divórcio direto possível revela-se natural para os cônjuges desavindos, inclusive sob o aspecto econômico, na medida em que lhes resolve em definitivo a sociedade e o vínculo conjugal.”
Bingo de novo. Um pouco de interpretação histórica por vezes vai bem, pois não?
Caíram por terra justificativas de moral religiosa que se escondiam por detrás das dificuldades legais que os cônjuges encontravam para dissolver o casamento, o que se apresenta mais condizente com um Estado que assegura o livre exercício dos cultos religiosos (CF/88, art. 5o., VI).
Em resumo: hoje o direito trabalha com desvinculação não mais pautada na culpa, e, sim, na ruptura objetiva do vínculo conjugal. Essa constitucionalização prospectiva se dirige, pois, a um telos de transformação do Direito de Família e de sua eficácia na sociedade. Não mais se cogita, pois, da figura intermediária que é historicamente marcada pelo debate a respeito da culpa pela dissolução da sociedade conjugal – que que convertia o Estado em juiz da intimidade conjugal. 
A ausência de liberdade de conformação do legislador
Logo, a questão que se põe é: o legislador ordinário tem liberdade de conformação para alterar o sistema constitucional estabelecido pela EC 66? A resposta é escandalosamente negativa, sob pena de aceitarmos, daqui para a frente, que uma lei ordinária possa vir a alterar a Constituição recentemente modificada. Simples assim. Não dá para estabelecer por lei ordinária aquilo que o constituinte derivado derrogou! Para entender isso, basta ler o caso Marbury v. Madison, de 1803. Um olhar para a tradição demonstra que essa é a resposta adequada a Constituição, uma vez que traz consigo a coerência e integridade.
Numa palavra final
O legislador do novo CPC tem responsabilidade política (no sentido de que falo em Verdade e Consenso e Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica). Para tanto, deve contribuir e aceitar, também nesse particular, a evolução dos tempos eliminando do texto todas as expressões que dão a entender a permanência entre nós desse instituto cuja serventia já se foi e não mais voltará. Não fosse por nada – e peço desculpas pela ironia da palavra “nada” - devemos deixar a separação de fora do novo CPC em nome da Constituição. E isso por dois motivos:
A um, por ela mesma, porque sacramenta a secularização do direito, impedindo o Estado de “moralizar” as relações conjugais;
A dois, pelo fato de o legislador constituinte derivado já ter resolvido esse assunto. Para o tema voltar ao “mundo jurídico”, só por alteração da Constituição. E ainda assim seria de duvidosa constitucionalidade. Mas aí eu argumentaria de outro modo.
Portanto, sem chance de o novo CPC repristinar a separação judicial (nem por escritura pública, como consta no Projeto do CPC). É inconstitucional. Sob pena de, como disse Marshall em 1803, a Constituição não ser mais rígida, transformando-se em flexível. E isso seria o fim do constitucionalismo. Esta é, pois, a resposta adequada a Constituição.
Espero que o legislador que aprovará o novo CPC se dê conta disso e evite um périplo de decisões judiciais no âmbito do controle difuso ou nos poupe de uma ação direta de inconstitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal já tem trabalho suficiente.