domingo, 1 de maio de 2016

Fukushima - reportagem em realidade virtual do El País ...

Muito interessante a novidade do site do El País, com reportagem que permitem a movimentação em 360º das imagens ... a primeira matéria trata do desastre no Japão em 2011 ...

O material demonstra que os interesses dos governos seguem desvinculados dos desejos da comunidade. No caso, o governo Japonês parece que insiste em manter a energia nuclear como principal fonte de energia, quando a população já manifestou sua vontade de mudança ...










‘Fukushima, vidas contaminadas’, uma reportagem em realidade virtual


EL PAÍS inaugura um novo canal de reportagens em realidade virtual voltando ao lugar, no Japão, onde um acidente nuclear causado por um tsunami mudou as pessoas para sempre



Esta é a primeira grande reportagem em realidade virtual de um meio de comunicação em espanhol, inaugurada pelo novo canal do EL PAÍS. Em 11 de março de 2011, um terremoto cujo epicentro estava a 130 quilômetros da costa matou milhares de pessoas e mudou a história do Japão para sempre. O país voltou a conhecer um dos seus grandes demônios: o pesadelo nuclear. O acidente da central nuclear de Fukushima causou a evacuação de 100.000 pessoas e uma situação de emergência só comparável à das bombas atômicas da Segunda Guerra Mundial. Cinco anos depois, milhares de japoneses ainda estão vivendo em barracões sob a ameaça da radiação.
As flores favoritas do senhor Kanakura são os ranúnculos persas, uma espécie de tulipa capaz de crescer na maioria dos solos em baixas temperaturas. Em Namie, uma pequena cidade na costa nordeste do Japão, o inverno engole a cada ano a primavera e a floração pode ser complicada. Toyotaka Kanakura, um homem de 65 anos muito cuidadoso com seu trabalho, tinha aqui a melhor floricultura antes do 11 de março de 2011. Naquele dia ele terminou de decorar a cerimônia de formatura da escola de ensino médio e comeu bolinhos de arroz antes de voltar para sua loja. Quando mastigava o último pedaço, exatamente às 14h46 (2h46 em Brasília), um tremor de magnitude 9, a cerca de 130 quilômetros da costa, rachou o fundo do mar e as vidas de milhares de pessoas. Ele correu para casa e passou a noite deitado, olhando para o teto trincado. Às seis horas da manhã o alarme soou na cidade e em poucos minutos ele se viu preso na estrada com quatro pacotes no porta-malas. Na direção oposta, a polícia e os bombeiros cruzavam a toda velocidade. Ele não pensou que fosse durar tanto.
Kanakura, um homem pequeno e reservado, balança a cabeça e olha para baixo. Os japoneses não são os melhores na hora de expressar seus sentimentos, diz ele. Do que ele mais sente falta desde aquela sexta-feira é de seu trabalho, seus clientes. No letreiro da loja, fechada por vigas de madeira fincadas na fachada, ainda se lê “As mais belas flores”. Namie, onde viviam 19.000 pessoas, é uma cidade fantasma. A 8 quilômetros da usina de Daiichi, ela está isolada no perímetro de exclusão, com raio de 20 quilômetros. Para chegar ao centro –com botas, luvas e máscara– é preciso atravessar uma cerca eletrificada e um controle de polícia com medidores de radiação. Seus habitantes só podem retornar de vez em quando, com autorização do Governo. É o marco zero do desastre.
O tempo congelou os vestígios de uma fuga apressada. Algumas casas ficaram abertas e animais selvagens como macacos e javalis as usam como abrigo. Outras têm os vidros quebrados e o vento faz ondular trapos que foram cortinas para o lado de fora. Há pratos de comida sobre as mesas, roupa desarrumada nos armários, anotações sobre a geladeira que falam das tarefas da semana e fotos de família reviradas nas gavetas. Na rua, sobrevivem algumas lojas com seu produto na vitrine ou uma barbearia com as tesouras e a máquina do último corte na prateleira. Nenhum sinal de ranúnculos ou outras flores, apenas dosímetros gigantes que alertam sobre a radiação os operários que reconstroem as áreas mais danificadas.
A costa foi a parte mais atingida. Cerca de 40 minutos depois do terremoto, uma onda de 15 metros arrancou tudo. Em um cruzamento, um sinal de trânsito e ruínas de banheiros indicam o lugar onde havia uma escola. Ficaram apenas as fundações e pedaços de casas destruídas pela onda gigantesca. Aqui morreram 200 pessoas, mas as vítimas do tsunami em todo o Japão chegaram a 21.000. Em seguida, a usina começou a emitir radiação para a atmosfera, para a terra e para o Oceano Pacífico, configurando o mapa silencioso de futuros problemas de saúde. Mesmo daqui a 300 anos a situação ambiental não estará completamente recuperada.
O mais angustiante é enfrentar um inimigo invisível. A radiação não tem odor e seu sabor é imperceptível na água e nos alimentos. Está na poeira, na terra, sobre os móveis... Em apenas alguns centímetros, sua intensidade muda radicalmente. Desde então, é preciso andar com medidores e ter cuidado para não ingerir ou inalar partículas: a radiação interna é devastadora e entra na corrente sanguínea facilmente, causando leucemia. O pior é o iodo, que afeta principalmente a glândula tireoide das crianças (foi constatado um aumento no número de casos desse tipo de câncer), e o césio 137 (um isótopo com meia-vida de 30 anos). Aqui eles estão em todos os lugares e os níveis superam os 2 microsieverts por hora (µSv/h): o objetivo do Governo é reduzir esse número até 0,27 para começar a realojar as famílias. No entanto, o senhor Kanakura, que hoje vive em uma vila nas proximidades, junto com outras pessoas deslocadas, ouviu rumores de que alguns moradores decidiram ficar e à noite são como espectros, fechados em suas casas.
Além do tempo que passarão no exílio, o resto dos habitantes ficará marcado para sempre. Durante décadas, ninguém comprará produtos com o nome de Fukushima e muitos japoneses desconfiarão daqueles que escaparam da radiação. As vítimas, como aconteceu com os hibakusha depois das bombas de Hiroshima e Nagasaki, foram inicialmente suspeitos de propagar o veneno nuclear e depois de tirar proveito da boa fé do resto dos cidadãos para receber grandes subsídios (mais de um milhão e meio de pessoas e já são cerca de 50 bilhões de euros, aproximadamente 197 bilhões de reais). O câncer aterroriza. Mas os problemas psicológicos das pessoas afetadas já são mais contundentes que os relacionados à radiação (cerca de 14,6% das vítimas sofreram de transtornos psicológicos, quando a média no Japão é de 4,2%, de acordo com estudos de Koichi Tanigawa, médico e especialista nesse caso) e em Fukushima houve uma disparada de suicídios relacionados com o acidente. O ato de sobreviver, como John Hersey escreveu em 1946 em sua legendária reportagem sobre a bomba atômica, será seu estigma para sempre.
Sete décadas se passaram, mas Hiromi Hasai se lembra de cada detalhe. Eram 8h15 da manhã (20h15 em Brasília) e ele tinha acabado de começar sua jornada de trabalho em uma fábrica militar de Hiroshima. Naquele dia ele estava aprendendo a fazer balas de metralhadora quando tudo foi coberto por “uma luz mais brilhante que o sol”. “Então as janelas começaram a tremer e saí correndo. Todo mundo dizia que uma bomba tinha caído sobre sua casa, mas eu não tinha visto nenhum avião. Era impossível”, lembra por e-mail. Ele estava a 15 quilômetros do marco zero, onde explodiu Little Boy, uma única bomba de 4,5 toneladas e 16 quilotons lançada por um avião norte-americano. Hoje ele tem 88 anos, é um físico nuclear aposentado e um renomado ativista contra a energia nuclear, especialmente “em uma terra de terremotos como o Japão”. “Foi dito que nunca aconteceria algo como Chernobyl ou Three Mile Island. Mas aconteceu. Fomos capazes de evitar a grande explosão, mas não sabemos o que vai acontecer com os vazamentos, e a segurança desses artefatos ainda está em questão”.
Até o acidente, o país tinha 54 reatores nucleares que produziam 29% da energia. Muitos estavam em áreas sísmicas, mas os cientistas japoneses não consideraram possível um terremoto dessa magnitude na costa de Tokohu. Num exercício de aceitação de culpa, a empresa Tepco, responsável pela usina, afirma: “Foi negligência nossa não ter implementado maiores medidas de segurança e ter pensado que era suficiente com as que tínhamos. (...) Se as tivéssemos adotado antes, o acidente poderia ter sido evitado”. Cerca de 800 toneladas de resíduos radioativos foram vertidas no mar e a usina continua a emitir radiação. Os trabalhos de desmontagem da central devem durar 40 anos, admite a empresa de energia. Três de seus diretores serão processados.
Fukushima mudou a percepção sobre a energia nuclear. Hoje a maioria da população, de acordo com todas as pesquisas, rejeita essa energia. Mas o Governo de Shinzo Abe mantém a ideia de reativar todos os reatores possíveis (no momento três estão funcionando) e lança ao mundo uma mensagem de normalidade. Até agora, o desastre custou ao país cerca de 170 bilhões de euros. E cinco anos depois continua na tarefa sem fim de descontaminar manualmente as regiões afetadas. Um exército de operários retira diariamente uma camada de cinco centímetros de terra de todo o solo em torno das casas nas áreas afetadas e enche milhares de sacos pretos de um metro cúbico, que amontoa na entrada de cada cidade. Mas a radiação acumulada nas florestas das áreas montanhosas se espalha uma e outra vez quando chove ou o vento sopra. Em alguns lugares, como a aldeia de Iitate –a 60 quilômetros do centro, onde os habitantes têm permissão para passar o dia, mas não para ficar para dormir–, ainda são registrados até 10 microsieverts por hora.
O senhor Anzai tem 63 anos e perambula pela casa que abandonou há cinco anos nesta aldeia, com sacos de plástico nos pés e as mãos enfiadas nos bolsos do blusão azul. Hoje ele vive realojado em um prédio do Governo com outros moradores. Ele não gosta desse lugar. Dois anos atrás teve um ataque cardíaco e um acidente vascular cerebral; o estresse e a sensação de insegurança o afetaram. Suas sequelas começaram sendo psicológicas. Mas no hospital encontraram um buraco no lobo frontal do cérebro que produziu uma paralisia do lado esquerdo do corpo. O médico disse que pode ter sido causado pelo césio absorvido durante tanto tempo. “Fomos enganados com os níveis de radioatividade. E as ajudas que nos deram não servem para nada. Perdi tudo: minha vida, meu trabalho, minha terra, minhas recordações... Estou muito irritado e cada vez que venho aqui eu desmorono”.
Os relógios de parede de Toru Anzai, ainda pendurados ao lado de um empoeirado calendário de 2011 em sua casa desabitada, pararam logo depois do acidente. Ao meio-dia ele tinha começado a arar os campos de arroz da família e duas horas depois a terra começou a tremer. Anzai, um camponês com inquietudes científicas e tecnológicas, sempre desconfiou da usina. Então ele correu para casa e encheu várias garrafas de água. Algo lhe disse que não voltaria a beber água da torneira. Trancou-se com seus cinco irmãos e só dois dias depois, em 14 de março, ouviu o estrondo da explosão do reator número 2. O vento não demorou a trazer para Iitate um penetrante odor de ferro fundido misturado com algo parecido a enxofre que grudava nas narinas. Naquele momento, o monstro de Fukushima já liberava enormes quantidades de componentes radioativos, formando uma nuvem tóxica que voava em direção à casa de Anzai nas montanhas.
Mas o prefeito de Iitate insistiu que não havia risco algum para os habitantes. Desconfiado por natureza, o senhor Anzai comprou seu primeiro dosímetro em 18 de abril. “Made in China”, afirma com algum desdém. Custou 500 euros, mas forneceu informações valiosas. O lugar onde ele e seus irmãos dormiam fazia mais de um mês desde o acidente já acumulava 6 microsieverts por hora (20 vezes acima do mínimo fixado pelo Governo para realojar os residentes). A usina tinha liberado radiação para a atmosfera e as descargas para o mar chegavam a 700 toneladas. Anzai e o resto dos moradores de Iitate foram a população que teve a maior exposição à radiação.
O El País Semanal acompanhou o Greenpeace durante dois dias para fazer medições pela região de Fukushima. É fácil verificar, medindo a lama das sarjetas, como os níveis ainda estão bem acima do limite estabelecido pelo Governo para concluir a situação de emergência e interromper a ajuda de cerca de 700 euros por mês que os deslocados recebem. “Em condições normais, já é impossível se livrar dos resíduos. Mas se há um acidente, é uma utopia pensar em uma solução além de deixar passar o tempo. Os planos de descontaminação, que não estão funcionando, escondem uma estratégia para forçar as pessoas a voltar para suas casas quando ainda não estiverem livres da radiação. Tudo para voltar a fazer funcionar os reatores”, diz Raquel Montón, chefe da campanha nuclear do Greenpeace durante os testes de radiação.
A terra dos vivos está contaminada. Mas também a dos mortos. Os cemitérios de muitas cidades tiveram que passar pelo mesmo processo de limpeza que toda a área e os operários cavaram no lugar onde jazem os familiares das vítimas passivas da catástrofe. Não há trégua nem para aqueles que descansam e as lápides estão cobertas em alguns lugares com lonas pretas. Ao redor, onde havia plantações de arroz, agora se amontoam intermináveis fileiras de sacos pretos sobre a neve esperando sua vez para serem incinerados em fábricas construídas na região. Já foram queimados 9,5 milhões e faltam outros 13 para terminar a limpeza de um espaço duas vezes maior que a cidade de Madri. Enquanto isso, a vida daqueles que perderam tudo avança lentamente em casinhas pré-fabricadas ao longo da fronteira com a zona de exclusão.
O campo de alojamento Koike 1 encontra-se entre um cemitério e uma fábrica fumegante na periferia de Minamisoma, a 30 quilômetros da usina. As casinhas de 15 metros quadrados, onde vivem cerca de 200 pessoas, são separadas por paredes finas. Às onze horas da manhã, a senhora Inaride Yuko volta das compras e desce do ônibus cambaleando com um saco de bolinhos de arroz. Seus joelhos maltratados quase não conseguem sustentá-la e ela precisa se apoiar em uma muleta. No ponto desse acampamento desolado é possível ler: “Estação do amor”. Faz parte da maneira tão japonesa de infantilizar a realidade com desenhos e personagens coloridos. Mas ela tem 73 anos e só gosta do saquê de Okinawa, seco e picante, afirma sorrindo com malícia. Os outros lhe dão dor de cabeça. Um copinho de manhã e outro antes de deitar. É a sua maneira de economizar em pílulas para dormir e adoçar os dias solitários nesse tipo de campo de refugiados.
No dia 11 de março, o mar arrancou sua casa, a apenas um quilômetro da costa. Ela e seu filho escaparam por milagre. Na noite anterior, quando ouviram um primeiro tremor, embalaram alguns pertences e prepararam o carro para fugir se chegasse uma réplica maior. Foi o que aconteceu. O cachorro ficou louco minutos antes. Saíram correndo e de uma colina viram o mar engoliu sua casa. Ela acha que em breve terá uma nova casa com seu filho. De madeira finlandesa, supõe. Mas já se passaram cinco anos aqui, lembra-se enquanto tira lentamente as luvas brancas e prepara um chá verde. Dobra como pode as pernas e se senta em um pequeno futom no quarto, onde mostra algumas lembranças, como um cartão postal da cidade de Ronda, em Málaga. O resto de sua vida está guardado em pequenas caixas transparentes.
A maioria dos japoneses que perdeu suas casas no tsunami ou teve que abandoná-las pela radiação, vive nesses campos. Mas houve também quem tentou resistir em sua casa. O professor Takashi Sasaki, de 76 anos, e sua esposa, na cama por causa do Alzheimer, ignoraram a ordem de desalojo. No início, ficaram com medo. À noite, toda a cidade ficava deserta e às escuras. Pouco depois, pensou que era pior o que estavam vivendo seus vizinhos. O Governo errou e foram levados para Iitate, para onde ia a nuvem tóxica, e teve que deslocá-los novamente. Durante esse trânsito doloroso, denuncia Sasaki, cerca de 200 pessoas morreram, a maioria idosos e doentes que sucumbiram ao esforço inútil. O professor, hispanista apaixonado por Miguel de Unamuno, parafraseia o filósofo espanhol para explicar sua situação: “Continuamos com nossa vida biológica, mas nos roubaram a biográfica”.
Sasaki, autor de Fukushima, vivir el desastre e um blog escrito em seus dias de reclusão, não tem medo de ser contaminado. Ele e sua mulher, deitada no quarto ao lado, morrerão antes que a radiação tenha algum efeito. Seu principal problema, que conta em um lento espanhol, é que ninguém assume a vergonha. “Dizem que foi um acidente. Mas é uma consequência de ter perdido a essência da nossa cultura, o contato com a natureza, o trabalho lento, nossas cerimônias... Fracassamos na educação e nas tradições. Os deuses japoneses são hoje o conforto e o progresso. A energia nuclear é um reflexo disso, e o acidente, uma consequência natural”. Sasaki gostaria de saber que alguém assumiu a vergonha.
Na manhã do acidente, o primeiro-ministro do Japão, Naoto Kan, respondia a perguntas da Comissão de Finanças do Parlamento. Fazia apenas um ano que estava no cargo e sua gestão econômica, com um iene disparado e as importações em queda livre, tinha data de expiração. Após o terremoto, que em Tóquio atingiu uma magnitude de 7,4, a reunião foi interrompida e ele desceu as escadas até a sala de emergência. “As primeiras notícias que recebi foi que outros reatores na região tinham sido desligados corretamente. Depois de uma hora, recebi a informação de Daiichi e me disseram que não havia luz”, lembra no convés do Rainbow Warrior, o barco do Greenpeace no qual navega pela costa de Fukushima. Ao chegar a um quilômetro e meio da central nuclear, situada em uma área que a Tepco rebaixou para aproveitar a força do mar, culpa a empresa. “Se não tivessem feito isso, o tsunami talvez não tivesse impactado tanto na usina”.
Kan, um ex-primeiro-ministro repudiado pela opinião pública, admite agora sua responsabilidade. Acredita que sonegaram-lhe informações para enfrentar o acidente e lembra como obrigou o diretor-geral da central a permanecer nela com os trabalhadores quando ameaçaram deixar o lugar ao ver que Daiichi poderia explodir. Antes disso, como todo o establishment japonês, era um defensor da energia nuclear e participou ativamente de seu aparato de propaganda internacional. Hoje quer se redimir nos braços dos ecologistas.
– Depois de cinco anos, sente-se culpado?
– Claro. E acima de tudo, responsável. Hoje penso que todas as usinas nucleares deveriam ser fechadas – firma contundente já em uma das cabines do navio.
Fukushima, cuja ferida continua aberta cinco anos depois, foi apenas um aviso. A pergunta, acredita o ex-primeiro-ministro, não é se um acidente como aquele poderia acontecer novamente. A questão é saber quando e onde isso vai acontecer.

Corrupção ...

A corrupção, em especial sua origem é tema debatido em todas as áreas ... reportagem do El País:

Monja Coen: “A corrupção está dentro de nós”

Monja budista mais pop do Brasil fala sobre o impeachment de Dilma e a intolerância política




Vestida de branco dos pés à cabeça, Cláudia Dias Baptista de Souza, 69 anos, se misturou à multidão que ocupava a avenida Paulista no dia 18 de março para se manifestar contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. Apenas a carequinha denunciava que estava ali a líder budista mais pop do Brasil, a Monja Coen, que há 33 anos deixou a vida regada a sexo, drogas e rock n' roll para se dedicar ao zen budismo. Sorridente, com um semblante tranquilo de observadora, ela decidira participar como "pessoa física", sem o habitual samue (o manto dos monges), de sua primeira manifestação desde o início da conturbada crise política que o Brasil atravessa desde 2015. Alguns a reconheceram e pediram para tirar fotos. Mas, nas redes sociais, nem todos ficaram felizes ao saber que a religiosa tinha escolhido um lado.

A política não é tema das conversas dentro do templo soto zen budista que lidera no Pacaembu, bairro nobre da região central de São Paulo. Mas, fora dele, ela sentia que era hora de se manifestar. "Eu sou contra o impeachment. No momento em que eleições legitimamente realizadas estão sendo questionadas, estamos dando um retrocesso político", respondeu, semanas depois, ao receber o EL PAÍS em sua casa para uma entrevista .
Cláudia se tornou Coen (Co quer dizer e En significa círculo, ou seja, um só círculo) em 1983, quando fez votos monásticos e entrou para o Mosteiro Feminino de Nagoia, no Japão, onde viveu por mais de uma década. Ex-jornalista, prima dos Mutantes Sérgio Dias e Arnaldo Dias Baptista, ela descobriu aos 36 anos, em Los Angeles, "essa coisa maravilhosa que é a meditação", quando fazia uma reportagem sobre sociedades alternativas nos Estados Unidos. Deixou para trás um passado agitado, que inclui um casamento aos 14 anos (e uma gravidez e divórcio aos 17), uma fase de groupie da banda de rock Alice Cooper, uma prisão na Suécia por tráfico de LSD e uma tentativa de suicídio. 
A partir dali abraçou um estilo de vida que lhe trouxe serenidade e uma vocação. Nunca escondeu seu passado por ver em sua trajetória o exemplo prático de como é possível virar qualquer vida do avesso e recomeçar. Se tornou a primeira mulher a ocupar a presidência das Seitas Budistas no Brasil, se casou com um monge (de quem se separou anos depois), escreveu livros sobre a vida zen e hoje se define como uma "monja e dona-de-casa", que roda o Brasil dando palestras sobre felicidade e vê alegria em coisas triviais, como caminhar no parque com seus três cachorros e votar. "Me alegra poder dar meu voto. Eu vivi muito tempo numa época em que não podíamos votar". Na definição da filha Fábia, 52 anos, é "uma figura", "iluminada e de bem com a vida".

A Monja Coen. Ricardo Matsukawa
E é justamente (como diz o nome que ganhou do professor japonês) que assume sua posição política. Antes de continuar a entrevista, faz questão de esclarecer: essa é a sua opinião pessoal e não representa a comunidade que lidera, que tem liberdade para pensar como quiser. Também esclarece que não é filiada a nenhum partido político, não vota sempre no mesmo grupo, nem possui uma ideologia partidária. E que "entende muito pouco desses assuntos". Razões pelas quais não vê como quem pensa diferente dela deveria se sentir incomodado com sua opinião, já que conviver com pessoas que pensam diferente é, para ela, algo que deveria ser "enriquecedor" e, mais: necessário.
"Nós não falamos de política aqui. Mas eu tenho notado que as pessoas ficam muito virulentas quando vão discutir o seu ponto de vista... Há muitas pessoas intolerantes hoje. Teve uma senhora que frequentava o templo e veio aqui chorando me dizer que não poderia mais ser guiada por mim porque soube que eu me manifestei publicamente sobre o tema. Olha isso que interessante... Aí tem gente que diz: 'Ah, mas a monja não pode ter uma opinião política'... Isso não é verdade. Todos temos. Nós estamos numa democracia e existem várias formas de pensar", diz.
Para ela, há certos momentos em que é preciso se posicionar no mundo. “Cada um de nós tem que assumir aquilo que faz, aquilo que é e aquilo que pensa. E assumir, com isso, as consequências", ponderou, sem rodeios. Por isso lembrou que não falava em nome de mais ninguém a não ser dela mesma

Circo político versus Estado laico

Para a missionária budista, o Estado ser laico é fundamental para a democracia brasileira, o que a faz achar "um completo absurdo" o fato de deputados federais citarem mais a palavra Deus que as acusações contra Dilma ao votarem por sua destituição. "É um absurdo falarem 'estou aqui votando em nome de Deus', porque o nosso Estado é laico. É importante que seja laico. Nem todos os evangélicos, os católicos, os budistas, enfim, são a favor do impeachment... Então você não pode falar em nome de todas essas pessoas sem consultá-las antes", disse, em referência à aprovação, pela Câmara Federal, da continuidade do processo contra Dilma no dia 17 de abril. 
"O que eu vi naquela votação na Câmara foi um circo. E pensei depois: que bom que eu estou do lado daqueles que perderam essa votação. Porque eu não gostaria de estar do lado daqueles que ganharam. Porque eu teria muita vergonha. Pois aquilo não foi honesto."

Cisão da sangha

Coen se diz especialmente preocupada com a divisão do Brasil e o clima de intolerância. Uma das poucas referências políticas que faz quando se dirige à comunidade budista é sobre a importância de não deixar com que esse momento de crise —que é passageira, frisa ela— divida "famílias, separe amigos, destrua comunidades". "Buda, ele dizia que um dos crimes maiores que podia ser cometido era a cisão da sangha, divisão da comunidade. Que é o que a gente está vivendo no Brasil. Que lamentável. Seja qual lado que ganhe ou que perca todos nós perdemos e ganhamos juntos."
Para a missionária, neste sentido, "todos os lados" da história estão errados, sejam governistas ou opositores. "Nós não precisamos destruir o outro para provar que temos capacidade. E nisso, todos eles estão na mesma panela", observou, reprovando o discurso do "nós contra eles", tão presente em falas políticas. "Eu não gosto da palavra luta, por exemplo, e muitos partidos políticos usam isso. Eu não acho que a gente deve lutar por coisa alguma. Eu acho que a gente deve trabalhar para construir algo", completa, retomando o tom zen do papo.

A monja segurando um leque japonês. Ricardo Matsukawa

A corrupção dentro de nós

Monja Coen fala frases duras, gesticula bastante, mas não eleva o tom da voz. Mantém o olhar suave  mesmo nas vezes em que usa palavras como "hipocrisia" ao falar dos que usam a bandeira "contra a corrupção" para destituir o Governo. "Então somos todos contra a corrupção e os corruptos. E os juízes quem são? São esses senhores que têm as perninhas presas em escândalos", diz. Também não altera o timbre ao dizer que a "mídia brasileira não é democrática" e "manipula a população ocultando um dos lados da história".
Foi um livro de Léon Trotsky (não se lembra qual), que fazia menção ao combate à corrupção, que a motivou a se tornar monge nos anos 80. O livro apontava justamente  que qualquer mudança social positiva só seria possível se a transformação fosse interna."Se a mudança não for do coração, interna de cada um de nós, não vão ser partidos políticos, sistemas econômicos que vão fazer a diferença. Porque nós somos corrompíveis. Todos nós. Em níveis diferentes. E como é que você pode acessar um nível de incorruptibilidade? Como fazer isso através de uma visão clara da realidade de que estamos todos e tudo interligados? Como é que eu mexo nisso sem ódio, sem criar atrito? Isso, pra mim, é uma arte. É uma arte de fazer política. E nós ainda não chegamos lá."
Desapego
Questionada, porém, sobre as acusações de corrupção que pesam contra o PT e contra o Governo Dilma, a monja relativiza o poder que "um presidente tem dentro de um jogo político que inclui muitos interesses" e o quão reais são as acusações. Não se aprofunda no assunto, mas diz não "botar a mão no fogo por ninguém". Apesar disso, nega ter medo de admitir estar errada, mais uma vez recorrendo ao budismo ao avaliar essa hipótese.
"Eu acredito na Dilma. Acho que é uma senhora honesta. Acho que ela queria fazer coisas pelo bem do Brasil e está sendo impedida porque não soube fazer as barganhas políticas. Mas posso estar errada? Posso. E se ficar provado que não era isso, vou dizer: eu me enganei. Porque eu descobri uma coisa maravilhosa que é o zen budismo, que me tira o apego de tudo, inclusive de um ponto de vista. Eu posso errar. Eu não sou uma ativista política. Eu apenas tenho uma opinião política."
— E, diante de todo esse cenário de caos político, como a senhora tem conseguido se manter zen?
Ela recebe a pergunta com uma gargalhada. Pensa alguns segundos e responde:

Monja Coen, em seu templo em São Paulo. Ricardo Matsukawa
— A vida continua, apesar de tudo e apesar de todos os aspectos e revezes. Eu continuo meditando, continuo fazendo o meu trabalho. Esse é um dos princípios básicos do budismo: não há nada fixo, nada permanente. Então neste momento que estamos atravessando essa turbulência, vamos apertar nossos cintos, vamos controlar nossas finanças, manter a calma… Porque sabemos que a turbulência passa. Não vamos fazer disso essa coisa tão negativa, como se o mundo fosse acabar, porque não vai. Eu ainda acredito que nós podemos construir uma cultura de paz. Uma cultura de respeito. Isso tudo vai passar...

Solidariedade é tema abordado pelos sindicatos no 1º de maio na Alemanha ...

Artigo publicado no DW:



Opinião: Mais solidariedade no Dia do Trabalho!

Sindicatos da Alemanha aproveitam o 1º de Maio para conclamar a sociedade a ser mais solidária: os nacionais com os refugiados, os fortes com os fracos. Apelo merece ser levado a sério, reivindica jornalista Rolf Wenkel.

Neste domingo (01/05), uma tradição celebrada em numerosos países completa 126 anos: o primeiro dia de maio pertence aos trabalhadores e a todos aqueles com vínculo empregatício.
Em 14 de julho de 1889, um congresso trabalhista internacional em Paris determinou que os trabalhadores deveriam ir às ruas num determinado dia para reivindicar a jornada diária de oito horas. Como a Associação dos Trabalhadores dos Estados Unidos já marcara uma manifestação do gênero para 1º de maio de 1890, a data foi adotada.
Desde então, esse é o dia do movimento trabalhista. Que bem rápido perdeu sua inocência: na Alemanha, ninguém menos do que os nacional-socialistas o declararam feriado oficial, instrumentalizando-o para grandes passeatas e para a própria propaganda ideológica, enquanto os sindicalistas desapareciam nas prisões e nos campos de concentração.
Também nos países do extinto bloco oriental, o Dia do Trabalho foi pervertido: ele servia para desfiles em "passo de ganso", com carros blindados e mísseis, enquanto os sindicatos se degeneravam em meros apêndices do Estado e do Partido Comunista.
E hoje? Por ocasião do 1º de maio de 2016, a Confederação Alemã de Sindicatos (DGB) lançou a palavra de ordem: "Hora de mais solidariedade!" Um slogan oportuno, pois o país se encontra diante de grandes tarefas: centenas de milhares buscaram na Europa o refúgio diante da guerra e do terrorismo, e a maioria quer vir para a Alemanha – onde, porém, deparam-se com ódio e hostilidade.
Os sindicatos alemães querem combater esse estado de coisas. Eles conclamam o povo a ir às ruas em nome da integração no trabalho e na sociedade, a se manifestar por uma sociedade livre, aberta, solidária e democrática.
"Não se pode jogar os refugiados e os cidadãos do país uns contra os outros", diz o manifesto da DGB para este 1º de maio. Também por isso a organização exige: nenhuma exceção relativa ao salário mínimo, nada de rebaixamento dos padrões de proteção trabalhista.
No entanto, tais exigências são sustentadas por uma base cada vez menor de afiliados. Nos sindicatos é como nas Igrejas e nos clubes esportivos: os sócios estão indo embora, não há renovação dos quadros e as mulheres estão sub-representadas.
Em 1990, quando a Confederação Sindical Alemã Livre (FDGB), da antiga Alemanha Oriental, dissolveu-se, fundindo-se com a DGB, a associação que reúne os sindicatos do país possuía 11 milhões de associados. Em 2001 a cifra não chegava a 7,8 milhões, em 2015 eram apenas 6,1 milhões.
Pergunta: qual é o nome do presidente da DGB? Um cidadão alemão possivelmente não sabe ou não se lembra de sopetão. Antes era diferente, e na verdade é trágico os sindicatos perderem cada vez mais seu significado na consciência pública. Pois, na última década e meia, eles fizeram muito para que, de doente crônico da Europa, a Alemanha se transformasse em locomotiva de todo um continente.
Os sindicalistas contribuíram decisivamente para conter o alastramento do desemprego durante os anos de crise econômica. Eles lutaram pela jornada reduzida e por programas conjunturais; durante anos sacrificaram as próprias exigências salariais em favor da segurança empregatícia; fecharam acordos tarifários por essa segurança e alianças para o trabalho. Mas quase ninguém honrou devidamente esse engajamento dos sindicatos.
E hoje? A solidariedade sindicalista das últimas décadas também contribuiu para que a Alemanha se transformasse num polo de atração para os que procuram refúgio, gente escapando de guerras, de guerras civis, de perseguição política ou racista. Por isso o país tem responsabilidade de acolher e de dar um processo decisivo justo e ágil para as solicitações de asilo; e responsabilidade também pela integração dos refugiados.
Por isso "Hora de mais solidariedade!" é um slogan adequado para o 1º de Maio. Os sindicalistas querem encarar os desafios da política de refugiados, eles exigem ofertas abrangentes de cursos de idioma e de integração, treinamento e aperfeiçoamento profissional, apoio às comunidades que se empenham pela integração.
E valorizam a constatação de que a política para refugiados não pode ser explorada para confrontações de política partidária. Só resta torcer que esse engajamento seja levado mais a sério e seja mais reconhecido do que nos últimos anos. Que os sindicatos o merecem, não há dúvida.