quarta-feira, 18 de outubro de 2017

Direitos fundamentais fragilizados ...



O combate ao terrorismo trouxe evolução importante no que se refere ao combate a lavagem de capitais, o mesmo não se pode dizer quanto à proteção aos direitos fundamentais ligados a privacidade e intimidade.

http://www.lefigaro.fr/actualite-france/2017/10/18/01016-20171018ARTFIG00313-securite-les-cinq-points-a-retenir-du-discours-d-emmanuel-macron.php

Sécurité : les cinq points à retenir du discours d'Emmanuel Macron

Le président a indiqué qu'il souhaitait «durcir» la réponse aux menaces «lâches et intolérables» visant les policiers et les gendarmes: «Les violences dont les forces de l'ordre font l'objet sont inacceptables et doivent être sanctionnées sans relâche». Selon lui, «dix gendarmes et policiers ont trouvé la mort en accomplissant leur mission depuis le début de l'année». «Aux menaces et mises en cause physiques, sont venues récemment s'ajouter des mises en cause indirectes» de leurs proches. Des progrès ont été faits avec la reconnaissance par la loi d'un droit à l'anonymat pour les membres des forces de l'ordre», a-t-il déploré. Mais Macron «souhaite que nous puissions aller plus loin pour durcir nos outils de réponse face à ces comportements lâches et intolérables».
• Fin de l'état d'urgence confirmée

Face à la menace terroriste qui est la «priorité absolue», Emmanuel Macron a confirmé que l'état d'urgence prendrait fin le 1er novembre. Avec la loi antiterroriste qui va s'y substituer, «nous vous donnons durablement les moyens d'être plus efficaces», a-t-il assuré aux forces de l'ordre. Il a également souligné qu'il ne prendrait «pas la décision de déférer cette loi», définitivement adoptée mercredi, «devant le Conseil constitutionnel», comme l'a suggéré l'ex-premier ministre socialiste Bernard Cazeneuve.


• Reconduites aux frontières renforcées
Emmanuel Macron a prévenu que «le niveau d'exigence de nos concitoyens en matière de lutte contre le terrorisme ne permettait plus de tolérer le moindre dysfonctionnement». Il a ainsi de nouveau justifié, au nom du principe de responsabilité, le limogeage du préfet de la région Auvergne-Rhône-Alpes après l'attentat à Marseille. À la suite de cette affaire, le président a réaffirmé que l'État reconduirait «de manière intraitable» les étrangers n'ayant «pas de titre» de séjour. Cette annonce est en droite ligne de la fermeté promise pour la loi sur l'immigration et l'asile attendue début 2018. En contrepartie, la France doit accueillir «de manière exigeante et conforme à nos valeurs» les réfugiés et personnes en règle, a-t-il dit. «Nous accueillons mal, nous avons des procédures trop longues, nous intégrons approximativement et nous ne reconduisons plus. Tout en prenant notre part, nous ne pouvons pas accueillir toute la misère du monde», a-t-il ajouté.
• Un nouveau plan national contre la radicalisation
Le président a annoncé pour décembre la réunion d'un comité interministériel qui devra «arrêter un nouveau plan national» contre la radicalisation, en dressant une «liste des territoires» qui feront l'objet d'une surveillance spécifique. «Des plans d'action seront établis par les préfets dans leur département» impliquant «de nombreux autres services de l'État» pour «prévenir les menaces et mettre en place des organisations pour identifier les comportements les plus à risques», a indiqué le chef de l'État. Ces actions seront ainsi menées en «travail étroit avec les magistrats».
Emmanuel Macron a expliqué qu'à sa demande, un travail de surveillance de ce type avait été mené à Trappes, dans les Yvelines. «Nous avons à faire face aujourd'hui à un phénomène, où de plus en plus de nos concitoyens sont tentés par des thèses radicales et la violence extrême», a-t-il soutenu, manifestant son intention de «travailler en profondeur en particulier dans les quartiers les plus vulnérables pour lutter contre la ghettoïsation de certains quartiers».

Negação

Difícil acreditar ...


Matéria G1

Alemã de 88 anos é condenada por negar Holocausto


Apelidada de 'vovó nazista', idosa já foi sentenciada diversas vezes por refutar extermínio de judeus. Ela afirma que se trata da 'maior mentira da história' e que 'nada é verdadeiro' nas câmaras de gás de Auschwitz.

Ursula Haverbeck ao lado de seu advogado em tribunal de Berlim (Foto: Reuters/Paul Zinken/Pool)
A alemã Ursula Haverbeck, de 88 anos, foi condenada nesta segunda-feira (16) a seis meses de prisão por refutar o assassinato em massa de milhões de judeus na Alemanha nazista. A octogenária, que já recebeu uma série de condenações por negar o Holocausto, foi apelidada pela mídia alemã de "vovó nazista".
Desta vez, a acusação envolveu um evento em Berlim em janeiro de 2016, no qual Haverbeck afirmou que o Holocausto não existiu e que "nada é verdadeiro" nas câmaras de gás do antigo campo de concentração nazista de Auschwitz.
Ela nega a acusação e anunciou que irá recorrer da sentença. A idosa alega que suas palavras foram citações de um livro que ela apresentou na ocasião. O tribunal no entanto, afirmou, com base numa gravação em vídeo, que se tratava de seu próprio discurso.
Haverbeck voltará a será julgada em 23 de novembro em Detmold, no oeste da Alemanha. Ela apelou contra dois veredictos emitidos por um tribunal da cidade depois que ela enviou uma carta ao prefeito e a vários meios de comunicação refutando o genocídio de judeus entre 1941 e 1945. Certa vez, em entrevista à televisão, Haverbeck declarou que o Holocausto foi "a maior mentira da história".
No julgamento em Detmold no início deste ano, Haverbeck desafiadoramente distribuiu a jornalistas e ao juiz um panfleto intitulado "Somente a verdade te libertará". Por meio do texto no panfleto, ela novamente negou as atrocidades cometidas pelos nazistas.
Haverbeck e seu falecido marido, Werner Georg Haverbeck, que era um membro ativo do Partido Nacional-Socialista Alemão dos Trabalhadores (NSDAP), na época da Segunda Guerra, fundaram um centro educacional de direita chamado Collegium Humanum, que está banido desde 2008. Ela também escreveu para a revista alemã de direita Stimme des Reiches (Vozes do Império, em tradução livre) negando a existência do Holocausto.

"Mentira de Auschwitz"

Em agosto, ela foi condenada a dois anos de prisão devido aos textos publicados na revista. No julgamento, Haverbeck falou de uma "mentira de Auschwitz", alegando que não era um campo de extermínio, mas apenas um campo de trabalho.
Haverbeck também apresentou acusações contra o Conselho Central de Judeus da Alemanha por "perseguir pessoas inocentes".
De acordo com a legislação da Alemanha, a incitação ao ódio é uma infração penal muitas vezes aplicada a indivíduos que negam ou banalizam o Holocausto. O crime prevê entre três meses e cinco anos de detenção. Haverbeck ainda não cumpriu suas sentenças porque apelou de todos os veredictos, com audiências ainda em curso. 

segunda-feira, 11 de setembro de 2017

O acordo de não-persecução penal passível de ser celebrado pelo Ministério Público: breves reflexões - por Emerson Garcia


Excelente artigo publicado pelo professor Emerson Garcia ...


O acordo de não-persecução penal passível de ser celebrado pelo Ministério Público: breves reflexões

Escrito por

           O Conselho Nacional do Ministério Público editou a Resolução nº 181, de agosto de 2017, publicada em 8 de setembro, dia imediatamente anterior à elaboração destas breves reflexões. Esse ato normativo de natureza infralegal dispôs sobre a instauração e a tramitação do procedimento investigatório criminal a cargo do Ministério Público, tendo introduzido, no sistema brasileiro, a figura do “acordo de não-persecução penal”. Trata-se de ajuste passível de ser celebrado entre o Ministério Público e o investigado, acompanhado por seu advogado, e que, uma vez cumprido, ensejará a promoção de arquivamento da investigação.
            O acordo, conforme o art. 18, pressupõe que o investigado confesse formalmente a prática da infração penal em que não haja violência ou grave ameaça à pessoa, indique provas de seu cometimento e ainda cumpra, de forma cumulativa, ou não, os seguintes requisitos: “I – reparar o dano ou restituir a coisa à vítima; II – renunciar voluntariamente a bens e direitos, de modo a gerar resultados práticos equivalentes aos efeitos genéricos da condenação, nos termos e condições estabelecidos pelos artigos 91 e 92 do Código Penal; III – comunicar ao Ministério Público eventual mudança de endereço, número de telefone ou e-mail; IV – prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito, diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo Ministério Público; V – pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Código Penal, a entidade pública ou de interesse social a ser indicada pelo Ministério Público, devendo a prestação ser destinada preferencialmente àquelas entidades que tenham como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; VI – cumprir outra condição estipulada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal aparentemente praticada”. A possibilidade de os requisitos serem cumpridos de forma cumulativa, ou não, denota que devem apresentar uma relação de proporcionalidade em relação à infração penal, não estando submetidos apenas ao arbítrio do membro do Ministério Público.
            O acordo, que pode ser celebrado por ocasião da audiência de custódia, não é admitido quando “I – for cabível a transação penal, nos termos da lei; II – o dano causado for superior a vinte salários-mínimos ou a parâmetro diverso definido pelo respectivo órgão de coordenação; III – o investigado incorra em alguma das hipóteses previstas no art. 76, § 2º, da Lei n. 9.099/95; IV – o aguardo para o cumprimento do acordo possa acarretar a prescrição da pretensão punitiva estatal”.
          Trata-se de nítida mitigação ao princípio da obrigatoriedade da ação penal. O sistema brasileiro tem encampado a consensualidade no direito penal, que pode redundar na redução das sanções ou, no extremo, na própria concessão do perdão. Essa consensualidade, em qualquer caso, sempre estará condicionada à apreciação judicial. Vide Lei nº 8.072/1990, que dispõe sobre os crimes hediondos, arts. 7º e 8º, parágrafo único; Lei nº 9.807/1999, que trata da proteção às testemunhas, arts. 13 e 14; Lei nº 9.034/1995, revogada pela Lei nº 12.850/2013, que dispunha sobre as organizações criminosas (art. 6º); Lei nº 9.080/1995, que incluiu um § 2º no art. 25 da Lei nº 7.492/1986, diploma este que versa sobre os crimes contra o sistema financeiro nacional, e um parágrafo único, de conteúdo idêntico, no art. 16 da Lei nº 8.137/1990, que trata dos crimes contra a ordem tributária; Lei nº 9.613/1998, que versa sobre o combate à lavagem de dinheiro (art. 1º, § 5º); Lei nº 11.343/2006, que dispõe sobre o tráfico ilícito de substâncias entorpecentes (art. 41). Na sistemática dessas leis não há celebração de verdadeiro acordo, mas, sim, posterior avaliação, pelo juízo competente, da colaboração do réu para a elucidação dos fatos. Trata-se, portanto, de uma "consensualidade escalonada", em que, primeiro, ocorre a colaboração, e, em um segundo momento, a sua avaliação. Foi a Lei nº 12.850/2013, ao dispor sobre as organizações criminosas, que traçou os contornos de um verdadeiro acordo, celebrado por ocasião da colaboração premiada. Ainda merece menção a Medida Provisória nº 2.055/2000, convertida na Lei nº 10.149/2000, que alterou a Lei nº 8.884/1994 e dispôs sobre o acordo de leniência a ser celebrado por autoridades administrativas, nos casos de infração contra a ordem econômica. Esse acordo, mantido pela Lei nº 12.529/2011, que revogou parcialmente a Lei nº 8.884/1994, produz reflexos no plano criminal, acarretando a extinção da punibilidade. Para contornar os possíveis vícios decorrentes da não participação do Ministério Público, dominus litis da ação penal, a Instituição tem sido chamada a firmá-lo em conjunto com o CADE. Nesse ajuste, que se aproxima do acordo de não-persecução penal a que se refere a Resolução CNMP nº 181/2017, a lei, repita-se, a lei, afastou a necessidade de homologação judicial para que o acordo produza efeitos na seara penal. Também não passa pela homologação judicial o acordo de leniência a que se refere o art. 16 da Lei nº 12.846/2013, passível de ser celebrado pelas pessoas jurídicas no plano administrativo e que reduz as sanções a serem aplicadas no plano judicial cível.
           Na disciplina da Resolução CNMP nº 181/2017, não são aplicadas verdadeiras penas, já que os requisitos a serem cumpridos são individualizados em momento anterior à persecução penal, excluindo-a. Acresça-se que o objeto do acordo não importa em qualquer ruptura com o sistema vigente, que admite a celebração de ajustes inclusive em relação ao quantum da pena privativa de liberdade a ser cumprida, afastando a tradicional tese da indisponibilidade do interesse. Além disso, os requisitos que mais se assemelham às sanções previstas na legislação penal, especificamente às penas restritivas de direitos, são a prestação de serviço à comunidade e o pagamento de prestação pecuniária, os quais sequer redundam em privação da liberdade.
           O maior complicador, no entanto, reside no fato de o acordo celebrado com base na Resolução CNMP nº 181/2017 não ser homologado pelo Judiciário. O que o juízo competente fará é analisar a promoção de arquivamento, a ser formulada após a celebração do acordo, e, caso entenda que o ajuste é ilegal ou que os requisitos nele estabelecidos não foram suficientes à prevenção penal, geral ou especial, remeterá os autos, conforme o caso, ao Procurador-Geral de Justiça ou à Câmara de Coordenação e Revisão, que pode insistir no arquivamento ou determinar o prosseguimento das investigações ou o oferecimento de denúncia. O juízo valorativo final, portanto, passa do Poder judiciário ao Ministério Público. Há, ainda, mais um complicador para o investigado, que pode vir a cumprir o acordo, exatamente nos termos em que celebrado, e, por fim, responder a um processo penal. Basta, para tanto, que o juízo rejeite o arquivamento e o Procurador-Geral determine o oferecimento de denúncia.
            Também é plenamente possível que a vítima, valendo-se do disposto no art. 5º, LIX, da Constituição da República, ajuíze a ação penal privada subsidiária da pública, em razão do não oferecimento da denúncia, pelo Ministério Público, no prazo legal. Afinal, se há prova da materialidade e o investigado confessou a prática da infração penal, indicando outros elementos probatórios que corroborem sua narrativa, muito provavelmente as investigações serão concluídas. De acordo com a lei processual, que ignora a existência desse tipo de ajuste, ou o expediente deveria ser arquivado ou o caso levado a juízo. Assim, como justificar a “suspensão” de qualquer juízo valorativo, pelo Ministério Público, até que o investigado cumpra o acordo? Dever-se-á interpretar o lapso temporal para o cumprimento do acordo como correlato a uma investigação já finalizada?
            Outro aspecto digno de nota é o de que as medidas acordadas pelas partes, a exemplo do que se verifica em relação à transação penal a que se refere o art. 76 da Lei nº 9.099/1995 e o art. 1º da Lei nº 10.259/2011, não terão a natureza de sanção penal e não produzirão os efeitos daí decorrentes (v.g.: reincidência), lembrando-se que a transação é homologada pelo Poder Judiciário.
           O § 8º do art. 18 ainda acresce que “cumprido integralmente o acordo, o Ministério Público promoverá o arquivamento da investigação, sendo que esse pronunciamento, desde que esteja em conformidade com as leis e com esta resolução, vinculará toda a Instituição”. Ora, ou a atribuição é exclusiva do órgão de execução que celebrou o acordo e o conteúdo desse parágrafo já estaria naturalmente inserido no princípio do Promotor Natural, ou tal exclusividade não ocorre, daí decorrendo a natural inferência lógica de que não pode a referida Resolução restringir a atuação de outros órgãos da Instituição sob pena de afronta ao mesmo princípio. Ou será que o objetivo é vincular o órgão de controle interno na hipótese do art. 28 Código de Processo Penal? Se a resposta a este questionamento for positiva, será evidente a sua injuridicidade, justamente por inviabilizar o exercício de uma atribuição prevista em lei.
            Por fim, vale lembrar que o caput do art. 18 da Resolução CNMP nº 181/2017 não deixa margem a dúvidas de que a celebração do acordo de não-persecução penal é uma faculdade do Ministério Público, não um direito subjetivo do réu. Como o juízo final a respeito de sua viabilidade jurídica foi situado no âmbito da própria Instituição, é bem provável que produza relevantes efeitos pragmáticos caso: (1) os membros da Instituição reconheçam a juridicidade do acordo e sua relevância, passando a propô-lo; (2) os órgãos de controle interno, caso provocados pelo Poder Judiciário, adiram a esse entendimento, não determinando, de modo generalizado, o ajuizamento da ação penal; e (3) os Tribunais, caso venham a ser provocados (v.g.: com o ajuizamento da ação penal pela vítima ou pelo próprio Ministério Público, neste caso após o cumprimento do acordo, por determinação do órgão de controle interno; ou por algum legitimado à deflagração do controle concentrado de constitucionalidade), reconheçam que o nosso caótico sistema penal justifica o surgimento desse acordo, cuja possibilidade de celebração estaria ínsita nas funções institucionais do Ministério Público, não constituindo propriamente uma inovação da lei processual penal, de competência legislativa privativa da União (CR/1988, art. 22, I), com o necessário concurso do Congresso Nacional (CR/1988, art. 48, caput).
            Os objetivos do acordo de não-persecução penal são mais que nobres e adequados à nossa realidade. Espera-se, sinceramente, que produzam bons frutos e, na eventualidade de se considerar inadequada a forma utilizada para a sua inserção na ordem jurídica, que ao menos a ideia frutifique e contribua para demonstrar que uma visão atávica do denominado princípio da obrigatoriedade caminha em norte contrário à nossa realidade social e à estrutura dos órgãos de persecução penal.
Emerson Garcia, consultor jurídico da CONAMP

Pós-doutorando, Doutor e Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa. Especialista em Education Law and Policy pela European Association for Education Law and Policy (Antuérpia – Bélgica) e em Ciências Políticas e Internacionais pela Universidade de Lisboa. Membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, Consultor Jurídico da Procuradoria Geral de Justiça e Diretor da Revista de Direito. Consultor Jurídico da CONAMP. Membro da American Society of International Law e da International Association of Prosecutors (The Hague – Holanda).

segunda-feira, 4 de setembro de 2017

II CONGRESSO TOCANTINENSE DE CIÊNCIAS CRIMINAIS - PROGRAMAÇÃO

II CONGRESSO TOCANTINENSE DE CIÊNCIAS CRIMINAIS 

PROGRAMAÇÃO 

14 DE SETEMBRO (QUINTA): 

MANHà


07:30h-08:20h – Credenciamento. 08:20h-08:30h – Abertura do Congresso. Palavra do Coordenador Científico e do Centro Acadêmico de Direito da UFT.  08:30h-09:10h – Palestra Maria do Carmo Cota. 09:10h-09:30h – Perguntas e debates.  09:30-10:10h – Palestra Bernardino Cosobeck da Costa. 10:10h-10:30h - Perguntas e debates. 10:30h-11:10h – Palestra Cristiane Roque de Almeida. 11:10h-11:30h - Perguntas e debates. 


NOITE 


18:20h-19:00h – Credenciamento. 19:00h-19:40h – Palestra Tarsis Barreto Oliveira. 19:40h-20:00h - Perguntas e debates. 20:00h-20:40h – Palestra Marco Villas Boas. 20:40-21:00h – Perguntas e debates.  21:00h-21:40h – Palestra Carlos Eduardo Adriano Japiassú. 21:40h-22:00h – Perguntas e debates.   


15 DE SETEMBRO (SEXTA): 


MANHà


07:30h-08:30h – Credenciamento. 08:30h-09:10h – Palestra Cleorbete Santos. 09:10h-09:30h – Perguntas e debates.  09:30-10:10h – Palestra Jander Araújo Rodrigues. 10:10h-10:30h - Perguntas e debates. 10:30h-11:10h – Palestra Enio Walcácer de Oliveira Filho. 11:10h-11:30h - Perguntas e debates. 


NOITE 


18:20h-19:00h – Credenciamento. 19:00h-19:40h – Palestra João Edson Souza. 19:40h-20:00h - Perguntas e debates. 20:00h-20:40h – Palestra Ana Cláudia Santano. 20:40-21:00h – Perguntas e debates. 21:00h-21:40h – Palestra Marlon Reis. 21:40h-22:00h – Perguntas e debates. 

domingo, 2 de julho de 2017

papel dos editores ... Scielo ...

Artigo muito interessante ...


O papel dos editores na avaliação por pares: como identificar maus pareceristas

Lilian Nassi-Calò‎29‎/‎06‎/‎2017
Por Lilian N. Calò


Foto adaptada da original: Pasquale Paolo Cardo.

A avaliação por pares é uma das etapas críticas da editoração científica, que tem por objetivo assegurar a confiabilidade e qualidade das publicações. Tem sido objeto de frequente discussão neste blog1-3 a atual saturação do processo de avaliação por pares pré-publicação, bem como os modelos alternativos que se apresentam para tentar evitar que o problema se agrave ainda mais. É fato conhecido na comunidade científica que o modelo atual de avaliação por pares atrasa demasiadamente a publicação de resultados de pesquisa, porém nem sempre confere qualidade às publicações.
Muitos editores concordarão com o fato de que é cada vez mais difícil obter pareceres de qualidade no tempo preconizado pelo processo editorial dos periódicos. As causas prováveis deste comportamento são várias, desde o número sempre crescente de artigos para avaliar, em franco descompasso com o número de pesquisadores disponíveis para fazer face à demanda; a falta de mecanismos de recompensa desta atividade no meio acadêmico, o baixo número de especialistas em determinados nichos da ciência, ou simplesmente a falta de disposição para empreender uma tarefa altamente especializada que demanda tempo e esforços, porém traz pouca ou nenhuma recompensa e na maior parte das vezes é simplesmente descartada após a aprovação do manuscrito.
Ademais dos desafios impostos ao processo de avaliação por pares, também a confiabilidade e transparência nem sempre estão asseguradas. Na maior parte das vezes protegidos pelo anonimato, pareceristas podem agir de forma antiética, comprometendo o processo que deveria, em primeiro lugar, avaliar os artigos por seu mérito científico. Pareceristas, ademais, são eles próprios pesquisadores, que se dedicam a estudos na mesma área dos trabalhos que avaliam. É compreensível que surjam conflitos de interesse que, a rigor, deveriam ser declarados pelo parecerista ao mesmo tempo em que declina realizar uma determinada avaliação. Entretanto, muitas vezes, não é o que ocorre.
Recentes estudos utilizando modelos teóricos de avaliação por pares mostraram que os resultados são sensíveis ao comportamento antiético dos pareceristas. De acordo com o modelo proposto por Thurner e Hanel4, os pareceristas que optam por agir em benefício próprio ao invés de em prol da ciência, tendem a rejeitar manuscritos que julgam de qualidade superior em relação ao seu próprio trabalho – e são denominados pareceristas egoístas. Na outra extremidade de seu modelo, estes autores propõem a existência – teórica – de pareceristas ditos imparciais, que estão constantemente aumentando o padrão de qualidade dos manuscritos que aceitam para publicação, enquanto que os pareceristas egoístas aceitam majoritariamente manuscritos de qualidade abaixo da média. Assim, teoricamente, um cenário em que houvesse apenas pareceristas imparciais resultaria em nenhum artigo sendo publicado, pois os padrões para publicação seriam demasiadamente elevados, ao passo que um cenário com apenas pareceristas egoístas resultaria na publicação de artigos de qualidade abaixo da média dos artigos submetidos. Evidentemente, a situação real se encontra entre estes dois extremos.
Um artigo recém-publicado em PeerJ Preprints5, da autoria de Rafael D’Andrea e James O’Dwyer, da Universidade de Illinois, EUA, retoma o modelo de Thurner e Hanel e o amplia, testando como os resultados são alterados quando os pareceristas adotam comportamentos menos extremos, bem como o papel os editores de periódicos em mitigar os impactos negativos da conduta antiética de certos pareceristas.
D’Andrea e Dwyer estenderam o modelo de Thurner e Hanel introduzindo duas categorias de pareceristas aos já existentes imparciais (com padrões fixos) e egoístas (indiferentes). Tratam-se dos pareceristas imparciais com padrões variáveis e os pareceristas egoístas conscienciosos. Os pareceristas imparciais com padrões fixos aceitam para publicação manuscritos com padrão mínimo de qualidade e rejeitam os demais. Os imparciais com padrões variáveis tem comportamento similar, apenas que seu padrão de qualidade é baseado na média de qualidade dos trabalhos aceitos para publicação no ciclo anterior de revisão, e este padrão, portanto, é constantemente atualizado, o que justifica sua denominação. Os pareceristas antiéticos egoístas indiferentes aceitam artigos cuja qualidade é menor do que a média dos artigos submetidos, ao passo que os egoístas conscienciosos seguem esta regra, porém também obedecem a padrões mínimos de qualidade.
Os resultados levaram a concluir que pareceristas egoístas, tanto indiferentes como conscienciosos, tem um pronunciado efeito em reduzir a qualidade da literatura publicada. A principal causa deste impacto é sua complacência em aceitar artigos de baixa qualidade, e não por sua tendência em rejeitar artigos de qualidade que eles possam perceber como uma ameaça ou competição à sua própria produção científica. A única maneira de assegurar a manutenção da qualidade das publicações é se os pareceristas se comprometerem a rejeitar artigos que não cumpram com critérios mínimos de qualidade preconizados pelos periódicos, independente da inclinação que possam ter em sabotar trabalhos de melhor qualidade que os seus próprios. Ademais, a atuação de pareceristas egoístas tem um forte impacto nas taxas de rejeição de artigos em geral e em particular de manuscritos acima de qualidade acima da média.
O que podem fazer os editores de periódicos para mitigar, já que não é possível neutralizar o impacto da ação de pareceristas antiéticos? D’Andrea e Dwyer chegaram à conclusão de que na eventualidade de um dos pareceristas recomendar a publicação do manuscrito e o outro sua rejeição, consultar outros pareceristas para desempatar a decisão ajuda a preservar a qualidade do processo de avaliação. Por outro lado, os autores observaram que esta estratégia tende a aumentar a proporção de manuscritos rejeitados com qualidade acima da média, o que não é positivo para a ciência.
A prática de elaborar listas de pareceristas egoístas (blacklisting) consiste em manter registros daqueles avaliadores que tem elevados índices de desacordo entre pareceristas. Este raciocínio é baseado no fato que dois pareceristas imparciais nunca discordam entre si, porém um imparcial e um egoísta podem discordar. Assim, um elevado nível de discordância pode indicar um parecerista egoísta. No modelo teórico reportado no artigo, o blacklisting tem seu efeito superestimado, pois na realidade, cada periódico pode manter sua própria lista de pareceristas antiéticos, porém não é provável que as compartilhem. A despeito disso, remover pareceristas de comportamento suspeito da amostra aumenta a qualidade dos artigos publicados e reduz a taxa e rejeição de bons artigos.
Cabe ressaltar que os autores enfatizam que esta estratégia editorial acaba tendo um efeito indesejável, uma vez que sobrecarrega bons pareceristas com mais artigos para revisar e libera da tarefa aqueles de comportamento antiético, conferindo-lhes mais tempo para sua própria pesquisa.
Uma observação interessante no modelo de avaliação estudado, que parece contra-intuitiva com o que se observa na realidade, é que enviar artigos rejeitados de volta aos autores para revisão não teve qualquer efeito em melhorar a qualidade dos mesmos, apesar da estratégia diminuir a proporção de manuscritos rejeitados de qualidade acima da média. Por outro lado, aprovação ou rejeição imediata, sem avaliação por pares, de manuscritos excepcionalmente bons ou excepcionalmente ruins tem quase nenhum impacto na qualidade do que é publicado ou na taxa de rejeição, exceto, como era esperado, o de garantir que ótimos artigos serão publicados e aqueles muito ruins não o serão.
Este estudo adotou algumas aproximações extremas, como considerar que o único viés dos pareceristas fosse o interesse egoísta em sabotar artigos de qualidade superior à sua própria produção científica; assumir que os editores não têm qualquer viés; considerar que os padrões de qualidade dos periódicos são uniformes, e por último, julgar que os manuscritos são avaliados com base apenas em mérito científico e valor intrínseco para publicação. No entanto, os autores acreditam que modelos mais sofisticados que levem em conta estas omissões deveriam chegar às mesmas conclusões qualitativas quanto ao impacto da indiferença dos pareceristas e a potencial capacidade dos editores em mitigá-las.
Os autores concluíram que o formato atual da avaliação por pares pré-publicação oferece pouco ou nenhum incentivo para o comportamento altruísta dos pareceristas e fornece poucas garantias de eficiência e transparência no processo. Esta observação vai ao encontro de inúmeros outros estudos que compartilham a noção de que se faz necessária uma profunda revisão do formato atual da avaliação por pares, para restituir-lhe a credibilidade, eficiência, e transparência, e ao mesmo tempo prover à comunicação científica a celeridade desejada.

Notas

1. VELTEROP, J. A crise de reprodutibilidade pode estar sendo agravada pela avaliação por pares pré-publicação? [online]. SciELO em Perspectiva, 2016 [viewed 19 June 2017]. Available from: http://blog.scielo.org/blog/2016/10/20/a-crise-de-reprodutibilidade-pode-estar-sendo-agravada-pela-avaliacao-por-pares-pre-publicacao/
2. NASSI-CALÒ, L. Aumenta a adoção de avaliação por pares aberta [online]. SciELO em Perspectiva, 2017 [viewed 19 June 2017]. Available from: http://blog.scielo.org/blog/2017/01/10/aumenta-a-adocao-de-avaliacao-por-pares-aberta/
3. PACKER, A.L., SANTOS, S. and MENEGHINI, R. SciELO Preprints a caminho [online]. SciELO em Perspectiva, 2017 [viewed 19 June 2017]. Available from: http://blog.scielo.org/blog/2017/02/22/scielo-preprints-a-caminho/
4. THURNER, S. and HANEL, R. Peer-review in a world with rational scientists: Toward selection of the average. Eur. Phys. J. B. [online]. 2011, vol. 84, pp. 707-711 [viewed 19 June 2017]. DOI: 10.1140/epjb/e2011-20545-7. Available from: http://epjb.epj.org/articles/epjb/abs/2011/23/b110545/b110545.html
5. D’ANDREA​, R. and O’DWYER J.P. Can editors protect peer review from bad reviewers? [online] PeerJ Preprints. 2017, 5:e3005v3 [viewed 19 June 2017]. DOI: 10.7287/peerj.preprints.3005v3. Available from: http://peerj.com/preprints/3005v3/

Referências

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Sobre Lilian Nassi-Calò

Lilian Nassi-Calò é química pelo Instituto de Química da USP e doutora em Bioquímica pela mesma instituição, a seguir foi bolsista da Fundação Alexander von Humboldt em Wuerzburg, Alemanha. Após concluir seus estudos, foi docente e pesquisadora no IQ-USP. Trabalhou na iniciativa privada como química industrial e atualmente é Coordenadora de Comunicação Científica na BIREME/OPAS/OMS e colaboradora do SciELO.

domingo, 25 de junho de 2017

Ainda sobre a delação premiada

Entrevista muito interessante, que aborda vários temas importantes do direito penal contemporâneo ... 

Revista Conjur:

sileiro, delação premiada é como uma cuíca numa orquestra sinfônica"
25 de junho de 2017, 6h50
Por 
O instrumento da colaboração premiada foi importado do Direito norte-americano sem que fosse devidamente adaptado ao Brasil. Assim, no sistema penal nacional, a delação “é como uma cuíca numa orquestra sinfônica ou um violoncelo numa bateria de escola de samba”, afirma o criminalista Diogo Malan, sócio do escritório Mirza & Malan Advogados.
Segundo ele, o mecanismo ficou desbalanceado em favor da acusação no país. Para equilibrar o jogo, avalia, seria preciso aumentar as garantias do acusado. Nesse sentido, a norma que regula a cooperação premiada, a Lei das Organizações Criminosas (Lei 12.850/2013) deveria ser reformada para exigir que o Ministério Público mostre ao suspeito todos os elementos incriminadores que tem contra ele e estabelecer critérios que assegurem a voluntariedade da decisão do investigado de colaborar com as autoridades.
Alguns ministros do Supremo Tribunal Federal mostraram, nesta quinta-feira (22/6), que têm visão semelhante à de Malan. Ao analisarem se, em órgão colegiado, acordo de colaboração premiada deveria ser homologado por todos os magistrados ou apenas pelo relator do caso — opinião que vem prevalecendo —, Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes opinaram que o Plenário deve poder revisar as cláusulas do compromisso quando for julgar a ação penal.   
A banalização da prisão provisória na operação “lava jato”, avalizada pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS), também é criticada por Malan. A seu ver, é “abusiva e ilegal” a detenção feita para coagir um acusado a firmar acordo de delação premiada.
Mas a elevação da prisão preventiva ao posto de primeira e, em muitos casos, única opção de medida cautelar não afeta apenas políticos e empresários. Pelo contrário: a medida tem um efeito dramático no superlotado sistema carcerário brasileiro. Para reverter esse cenário, o advogado – que é integrante do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária – defende medidas de desencarceramento. Entre elas, a fixação de um prazo máximo de duração dessa forma de prisão provisória.
Professor de Direito Processual Penal da UFRJ e da Uerj, Malan lamenta que esta instituição tenha chegado ao seu atual estado, com aulas e salários atrasados. Ele torce para que a universidade seja preservada, ressaltando que a Faculdade de Direito da Uerj já formou grandes nomes da área, como os ministros do Supremo Tribunal Federal Luiz Fux e Luís Roberto Barroso.
O advogado é filho de Pedro Malan, ministro da Fazenda no governo Fernando Henrique Cardoso. O economista que participou da elaboração do Plano Real não teve grande influência na escolha de Diogo pela área criminal. “Desconfio que ele preferia que eu trilhasse por outra especialidade na advocacia”, conta. Mesmo assim, o pai eventualmente o ajuda a entender as estruturas e modos de funcionamento de crimes econômicos e financeiros.
Em entrevista à ConJur, concedida em seu escritório, no Centro do Rio de Janeiro, Malan ainda atacou o desvirtuamento da condução coercitiva, sugeriu medidas para evitar a espetacularização de processos penais e declarou ser favorável a uma dramática redução do rol de autoridades com foro por prerrogativa de função.
Leia a entrevista:

ConJur — Que outras medidas o senhor acha que podiam estar no plano de desencarceramento?

Diogo Malan — Algumas medidas imprescindíveis são a fixação de um prazo máximo de duração da prisão preventiva, que hoje não existe, e a necessidade de o juiz criminal reavaliar periodicamente a necessidade de manutenção da prisão preventiva, entre outras.


ConJur — As grandes operações da Polícia Federal e do Ministério Público Federal, como a “lava jato”, estão rebaixando o direito de defesa e criminalizando a advocacia?

Diogo Malan — Existem hoje algumas ameaças às prerrogativas profissionais dos advogados. A principal dessas ameaças é uma certa tendência contemporânea à tentativa de criminalização do próprio exercício dessa atividade profissional. Essa tentativa se dá por três vias diferentes. A primeira delas é a imputação do crime de lavagem de dinheiro ao advogado que recebe honorários de origem supostamente maculada. A principal crítica que pode ser feita a essa tentativa é que o ato de auferir honorários advocatícios se situa no horizonte daquilo que o professor Luís Greco chama de "ações neutras ou cotidianas".Ou seja, são ações praticadas no exercício de atividades profissionais cotidianas e lícitas, com uma finalidade própria e independente da vontade do autor do ilícito principal. Desde que o advogado cumpra as obrigações tributárias principais e acessórias, que decorrem da percepção de honorários, como emissão de nota fiscal e recolhimento dos tributos incidentes sobre a operação, não me parece razoável querer criminalizar a sua atividade dessa maneira.

Uma segunda via é a imputação do crime de embaraço à investigação sobre organizações criminosas em razão de um concerto de versões entre dois investigados pelos mesmos fatos, ou um concerto de versões entre os seus respectivos advogados. Recentemente, o ministro Gilmar Mendes, ao conceder liminar no Habeas Corpus 141.478, ressalvou que o Supremo Tribunal Federal até hoje não deu uma resposta definitiva sobre a natureza lícita ou não desse tipo de acordo de versões. A crítica que pode ser feita é que o direito ao silêncio, consagrado na Constituição, sugere que esse tipo de concerto de versões integraria a estrutura normativa dessa garantia fundamental. Se o investigado pode mentir, silenciar ou omitir fatos que o incriminem, me parece plausível o argumento de que ele também poderia, no contexto do exercício da autodefesa, ajustar sua versão dos fatos com outro investigado. O fato de o Supremo Tribunal Federal até hoje não ter dado uma resposta definitiva sobre esse problema é negativo, porque gera insegurança jurídica e expõe o advogado criminalista a uma situação de risco.
E a terceira e última via é a violação do sigilo das comunicações telefônicas entre o advogado e seu cliente a pretexto de que se o alvo da interceptação telefônica é o cliente, as conversas com o advogado seriam interceptadas de maneira fortuita e, portanto, essa prova não seria ilícita. Esse é o entendimento adotado atualmente pelo Superior Tribunal de Justiça a partir do julgamento do Habeas Corpus 66.368.A principal crítica que pode ser feita a essa orientação jurisprudencial é que se o fundamento da inviolabilidade dessas comunicações telefônicas é o dever de sigilo do profissional da advocacia, pouco importa se o alvo original da interceptação é o advogado ou seu cliente— a prova será sempre ilícita. A única exceção a essa regra geral é quando o advogado atuar como co-autor ou partícipe de crimes praticados pelo seu cliente.

ConJur — As conduções coercitivas viraram uma prática comum nessas grandes operações. No entanto, há ações no STF questionando a constitucionalidade dessa prática. A seu ver, as condições coercitivas estão sendo desvirtuadas?

Diogo Malan — O Código de Processo Penal, no seu artigo 260, permite a condição coercitiva, por determinação da autoridade judiciária, do acusado que não atender a intimação para interrogatório, reconhecimento pessoal ou qualquer outro ato que sem ele não pode ser realizado. O fundamento dessa previsão normativa é que o Código de Processo Penal tem um DNA extremamente autoritário. Ele foi enjambrado no Estado Novo varguista, inspirado no código fascista italiano, tratando o acusado como um mero objeto do poder punitivo e o interrogatório como meio de prova. E hoje se constata um uso massificado do instituto da condução coercitiva. Mas diversas críticas podem ser feitas a essa prática.

Em primeiro lugar, a própria lei estabelece como requisito da condução coercitiva a prévia tentativa de intimação formal do investigado, que não atende a essa intimação de maneira não justificada. O outro aspecto relevante é que o interrogatório hoje é visto não como um meio de prova, mas essencialmente como um meio de autodefesa do interrogando. Por isso, seu comparecimento ao interrogatório não deve ser visto como um dever, passível de sanção. Pelo contrário: é um direito renunciável pelo seu titular. A esperança que eu tenho é que o Supremo Tribunal Federal faça, ao julgar as Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental 395 e 444, uma interpretação conforme a Constituição desse artigo, excluindo a possibilidade de condução coercitiva do acusado para fins de interrogatório e mantendo as demais hipóteses previstas em lei.

ConJur — A operação "lava jato" vem ajudando a espetacularizar a Justiça Criminal?

Diogo Malan — A Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984) deixa claro que o preso condenado e o preso provisório tem direito à proteção contra qualquer forma de sensacionalismo. Isso se aplica especialmente àquele preso que sequer foi julgado e, portanto, é titular do direito a ser tratado como se fosse inocente. No geral, me parece correta a ideia de que a publicidade do julgamento criminal é algo benéfico por permitir um controle popular e democrático sobre o sistema de administração da Justiça Criminal. O problema ocorre quando essa publicidade do julgamento passa a ser tão sistemática, maciça e prejudicial ao acusado que ela compromete e a serenidade e o respeito à garantia do julgamento justo, ou fair trial.

Existe um documentário, que eu sempre recomendo aos meus alunos, chamado Espetáculo: O Julgamento de Pamela Smart, que mostra claramente o efeito desse tipo de publicidade opressiva no julgamento. Há uma tese importante da professora Simone Schreiber que defende que, nessas situações de publicidade opressiva, o juiz criminal possa adotar algumas medidas para garantir o julgamento justo, como a suspensão do processo criminal e da fluência da prescrição criminal até que diminua o interesse da imprensa pelo caso; a inadmissibilidade de elementos produzidos pela mídia como prova e a abertura de direito de resposta ao acusado com relação à cobertura do seu próprio julgamento. Mas essa é uma questão de difícil solução, porque, em última análise, envolve um conflito entre dois valores democráticos extremamente relevantes:a liberdade de imprensa e o direito do acusado de ter um julgamento justo.

ConJur — Tivemos alguns episódios na “lava jato”, primeiro com o ex-presidente da Transpetro Sérgio Machado e políticos do PMDB, depois com o sócio da JBS Joesley Batista e Michel Temer e Aécio Neves, nos quais um interessado em fazer acordo de delação premiada grava conversa sobre possíveis crimes. Essa é uma medida legítima?

Diogo Malan —Falando em tese, o Supremo Tribunal Federal hoje considera que é lícita a prova que consiste na gravação ambiental de sinais acústicos feita por um dos interlocutores, ainda que sem conhecimento do outro. O ponto relevante é que o Estado e os seus agentes não podem instigar ou induzir o suspeito a cometer crime usando para tanto de um agente provocador. Isso configura o que a doutrina chama de meio enganoso de obtenção de prova, e viola o direito do investigado ao devido processo legal. Esse, inclusive, foi o entendimento adotado pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos quando julgou o caso Teixeira Castro contra Portugal em 1998.

No Brasil, o STF editou a Súmula 145, que considera que o flagrante provocado, ou seja, aquele no qual o Estado induz o suspeito a cometer crime, é ilegal por haver crime impossível. Pelo que se noticia na imprensa, há situações práticas em que o Estado está adotando três métodos ocultos de investigação simultaneamente: colaboração premiada, ação controlada e captação ambiental de sinais acústicos. Isso desafia uma série de questionamentos: É legítimo o uso cumulado de métodos ocultos de investigação? Há previsão normativa para tanto? Há violação à proibição de excesso? Deve haver autorização judicial prévia e discriminada para cada método oculto de investigação empregado no caso concreto? A decisão judicial que autoriza o emprego desses métodos ocultos de investigação deve estar baseada em elementos mínimos de autoria e materialidade? O Estado pode, de maneira legítima, utilizar-se de um terceiro, que já celebrou um acordo de colaboração premiada ou almeja fazê-lo, como agente provocador? São questões ainda em aberto sobre as quais a doutrina e as cortes brasileiras terão que se debruçar muito em breve.

ConJur — A seu ver, quais que são os limites entre uma ação controlada e o flagrante provocado?

Diogo Malan — A ação controlada é um meio de investigação de organizações criminosas que consiste na obtenção de uma autorização judicial para que a Polícia Judiciária possa adotar medidas de monitoramento da atividade criminosa e adiamento da sua intervenção ostensiva. Por exemplo, adia-se uma prisão em flagrante até um momento considerado mais vantajoso na perspectiva da coleta de informações e provas.

O grande problema hoje é que o procedimento probatório regulado pela Lei 12.850/2013 tem lacunas, o que gera uma grande insegurança jurídica. É muito pertinente a sugestão feita pela professora Fernanda Villares de que esse procedimento deve ser aperfeiçoado, em primeiro lugar, pela exigência de um plano estratégico, que deve ser apresentado pela Polícia Judiciária ao Poder Judiciário, esclarecendo quais são os elementos informativos de autoria e materialidade do crime que já possui; quais são os fatos criminosos que estão sendo investigados; quais são os métodos ocultos de investigação que serão empregados durante a ação controlada e quais são os resultados práticos que se pretende obter com essa medida.
O segundo aperfeiçoamento seria fixar um limite temporal qualitativo, no sentido de que a ação controlada, embora não ficasse sujeita a um prazo temporal rígido, deveria cessar tão logo o Estado conseguisse obter elementos informativos mínimos para o oferecimento de denúncia contra o investigado. E, por fim, a ação controlada deveria sofrer um controle judicial mais intenso através da previsão de um dever de que a autoridade policial envie ao juiz relatórios periódicos sobre o andamento do processo.

ConJur — Afinal, o foro por prerrogativa de função é responsável por essa tão alardeada impunidade de políticos no Brasil?

Diogo Malan — O foro especial buscou inspiração na cultura jurídica do constitucionalismo ibérico, e é uma tradição do constitucionalismo brasileiro desde a Carta Imperial de 1824. O que se observa é que o catálogo de servidores públicos titulares do foro especial sofreu um processo contínuo e ininterrupto de expansão ao longo dos sucessivos regimes constitucionais brasileiros, hoje somando dezenas de milhares de servidores. E a principal crítica que hoje é feita é que os tribunais já se encontram sobrecarregados de recursos, e não tem condição de fazer instrução probatória e valoração de provas, como evidenciou o julgamento da Ação Penal 470, que trancou a pauta do Supremo Tribunal Federal durante várias semanas. Então, a solução possível é limitar o catálogo constitucional dos titulares do foro especial somente aos agentes políticos mais relevantes da República, como os chefes dos três Poderes e o Procurador-Geral da República, e mesmo assim apenas com relação a fatos praticados durante o exercício da função pública e em razão dela.


ConJur — Em ação que julga possíveis crimes de um político fluminense no STF, o ministro Roberto Barroso votou por restringir o foro privilegiado aos crimes cometidos no exercício da função. O STF tem poder para fazer essa mudança ou está invadindo a esfera do Congresso e legislando indevidamente?

Diogo Malan — A modificação dos cargos públicos titulares do foro especial é matéria reservada ao Poder Constituinte derivado. Portanto, trata-se de matéria que teria que ser objeto de emenda constitucional. Por outro lado, cabe ao Supremo Tribunal Federal interpretar a estrutura normativa e o alcance das normas que regem o foro especial. Então, existem argumentos jurídicos plausíveis a sustentar o argumento de que o STF pode, sim, fazer essa mudança.


ConJur — O ministro Gilmar Mendes indicou recentemente que o STF pode voltar a mudar a interpretação sobre a antecipação da execução da pena, de forma a só autorizá-la após condenação no STJ. A possível atual do STF e a ideia de Gilmar não contrariam expressamente a regra constitucional de que “ninguém será considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença condenatória”?

Diogo Malan — A ruptura paradigmática que envolveu uma guinada de 180 graus na jurisprudência consolidada do próprio STF, a partir do julgamento do Habeas Corpus 126.292 e depois veio a ser confirmada durante o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade 43 e 44, no ano passado, é passível de críticas. A primeira delas é que o texto constitucional, ao afirmar que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória, impõe um importante limite semântico ao intérprete. Isso porque o Direito tem categorias conceituais consolidadas, e trânsito em julgado implica exaurimento de todas as instâncias recursais possíveis, inclusive as extraordinárias. Não se pode estabelecer o marco zero de sentido da expressão "trânsito em julgado", contrária à tradição do Direito.

Outra crítica que pode ser feita é que a presunção de inocência tem uma carga genética e política importante, que envolve o repúdio a práticas autoritárias e abusivas das monarquias absolutistas francesas, que não só presumiam o acusado culpado como permitiam a aplicação de uma pena extraordinária se ao final do julgamento os juízes tivessem dúvida sobre a culpa ou inocência dele, e a suspensão do processo criminal até que o Estado conseguisse reunir provas suficientes para a condenação. A Revolução Francesa, de 1789, representa um movimento político de repúdio a esse tipo de abuso no exercício do poder punitivo do Estado, algo que não pode ser desprezado na interpretação da garantia da presunção de inocência.
Outro ponto importante é que quando o legislador constituinte de 1988 optou pela primazia do direito fundamental individual à presunção de inocência em detrimento de questões relativas à efetividade do poder punitivo do Estado, ele já fez um juízo de ponderação. Portanto, não cabe ao intérprete fazer um juízo de ponderação em sentido diverso. Outro ponto é que essa ruptura paradigmática acabou gerando uma grande insegurança jurídica. Até hoje há uma série de questões relevantes em aberto. Por exemplo, a prisão em segunda instância é automática? Se ela não é automática, quais são os seus pressupostos legais? São os mesmos pressupostos da prisão processual decretada em qualquer fase do procedimento? Se sim, essa alteração é irrelevante, porque o juiz sempre pôde, presentes razões cautelares para tanto, decretar a prisão do acusado em qualquer fase do procedimento e, logo, essa afirmação do STF seria redundante. Se os fundamentos da prisão decorrentes do acórdão condenatório de segunda instância são diversos e, portanto, não têm natureza cautelar, caberia ao STF esclarecer quais são os pressupostos dessa prisão. O fato é que a situação atual gera uma grande insegurança jurídica causada por decisões que, muitas vezes, têm natureza casuística e são pautadas por golpes de decisionismo judicial.
O caminho escolhido pela Suprema Corte no julgamento do HC 126.292 não foi o melhor, e torço para que a composição renovada da corte reveja o atual entendimento.

ConJur— Qual é o impacto dessa virada no entendimento do STF sobre execução da pena para o sistema penitenciário?

Diogo Malan — A situação atual do sistema penitenciário brasileiro, com base em levantamento feito pelo Ministério da Justiça em 2014, é a existência de mais de 620 mil presos, o que coloca o Brasil na 4ª posição mundial no ranking de encarceramento após EUA, China e Rússia. Se considerarmos os mandados de prisão pendentes de cumprimento, que são mais de 370 mil, a nossa população carcerária saltaria para cerca de 1 milhão de pessoas, ao mesmo tempo há um déficit de 354 mil vagas no sistema carcerário. No sistema penitenciário federal, segundo estimativa do Departamento Penitenciário Nacional, cada preso custa quase R$ 3 mil por mês. Ao mesmo tempo, hoje há um consenso que o sistema é brutalmente desumano. Tanto que o Supremo Tribunal Federal declarou um estado de coisas inconstitucional no âmbito do nosso sistema penitenciário ao julgar a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 347, em decorrência de um quadro de violações sistêmicas, maciças e reiteradas aos mais básicos e comezinhos direitos fundamentais dos presos.

Hoje, há praticamente um consenso entre os estudiosos do tema que o sistema penitenciário brasileiro não permite a capacitação e a ressocialização dos presos, e provavelmente é um fator que aumenta os índices de criminalidade, ao permitir que presos sejam aliciados pelas facções criminosas que dominam o sistema. O sistema penitenciário brasileiro é caríssimo, desumano, disfuncional e criminógeno. E essa conjuntura de crise sistêmica do sistema penitenciário representa um problema social altamente complexo, com diversas dimensões, administrativa, cultural, legislativa, orçamentária, agravada por discursos autofágicos de terceirização de responsabilidade, principalmente entre os poderes Executivo e Judiciário.
O enfrentamento desse problema da superpopulação carcerária não comporta soluções simplistas. É preciso ousar, implementando uma agenda pública de políticas de desencarceramento, sob pena de um agravamento ainda maior do quadro atual, que já é caótico, e novas condenações do Estado brasileiro por parte da Corte Interamericana de Direitos Humanos. Um caminho imprescindível é o debate sobre a adoção de uma pauta de políticas públicas de desencarceramento. Evidentemente que não se está a falar de um desencarceramento feito de maneira apressada, não criteriosa, mas um desencarceramento que seja feito de maneira prudente e seletiva.

ConJur — 28% dos presos no Brasil são acusados de terem praticado tráfico de drogas. É possível combater a crise carcerária e a superlotação do sistema sem pensar em alguma forma de descriminalização das drogas?

Diogo Malan — Um problema grave da legislação penal brasileira é que ela confere um grau de discricionariedade excessivo aos atores do sistema de administração da Justiça Criminal para definir o enquadramento típico do caso em posse ou tráfico de drogas. Problema que é agravado pelo fato de que os respectivos tipos penais possuem verbos sobrepostos. Um caminho seria adotar uma melhor diferenciação dos respectivos tipos penais de tráfico e de uso. E talvez até mesmo a criação de um tipo penal intermediário, que abarcaria a conduta dos pequenos traficantes de drogas.


ConJur — Que outras medidas o senhor acha que podiam estar nesse plano de desencarceramento?

Diogo Malan — Algumas medidas imprescindíveis são a fixação de um prazo máximo de duração da prisão preventiva, que hoje não existe e a necessidade de o juiz criminal reavaliar periodicamente a necessidade de manutenção da prisão preventiva, entre outras medidas.


ConJur — Como a regulamentação da delação premiada no Brasil, com a Lei 12.850/2013, mudou as investigações de organizações criminosas?

Diogo Malan — A adoção desse paradigma de Justiça Criminal negociada pela Lei 12.850/2013 é um reflexo direto da influência da cultura jurídica norte-americana no resto do mundo. O grande problema é que não houve uma preocupação de se verificar previamente a questão da compatibilidade entre o instituto da colaboração premiada e algumas características estruturais do processo penal brasileiro, como, por exemplo, o princípio da indisponibilidade da ação penal condenatória. Tratando-se de um instituto que é originário da família jurídica da common law — portanto, de uma família jurídica diversa da nossa romano-germânica — esse cuidado na importação da colaboração premiada deveria ter sido redobrado.

Duas principais críticas acadêmicas podem ser feitas ao instituto da colaboração premiada. Em primeiro lugar, o fato de que a liberdade do ser humano é um bem considerado fora do comércio, sobre o qual o Poder Judiciário, o Ministério Público e o defensor técnico do acusado não dispõem. Como o sistema de administração da Justiça Criminal não é um mercado persa, e a liberdade do acusado não é uma espécie de tapete, aberto a negociação, é no mínimo questionável a compatibilidade entre esse instituto e valores axiológicos que devem pautar o Estado, como, por exemplo, os princípios da legalidade e da moralidade.
Outro ponto que eu gostaria de salientar é que a natureza supostamente voluntária da adesão a um acordo dessa natureza, por parte do investigado, é comprometida pela coação resultante de uma ameaça, explícita ou velada, de aplicação de uma pena mais grave caso não seja celebrado o acordo. Por outro lado, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, ao julgar o Caso Togonidze contra Geórgia, em 2014, entendeu que nem o teor literal nem o espírito da convenção europeia de Direitos Humanos são incompatíveis com a renúncia às garantias processuais por parte do acusado, de acordo com o seu livre-arbítrio. Porém, a Corte de Estrasburgo coloca alguns requisitos. Em primeiro lugar, essa renúncia tem que ser genuinamente voluntária, o acusado tem que ser plenamente informado sobre quais fatos lhe estão sendo imputados e quais são suas consequências legais, e o acordo tem que ser submetido a um controle judicial eficiente.
Dito isso, o instituto da colaboração premiada mudou radicalmente a estratégia de investigação da criminalidade econômico-financeira complexa, e esse instituto veio para ficar. Ele deve ser objeto de constante aperfeiçoamento, adotando algumas garantias adicionais que foram omitidas pela Lei 12.850/2013. Em primeiro lugar, deve haver exigência de que o acusador possua uma base empírica idônea, uma justa causa sobre a autoria e materialidade do ilícito para poder iniciar a negociação. Além disso, o acusador deve ter o dever de divulgar previamente ao acusado todos os elementos informativos incriminadores que ele tem em sua posse. Deve haver uma previsão legal detalhada de todas as condições que podem ser oferecidas pelo acusador ao investigado durante a negociação do acordo, sendo proibidas aquelas penas ilegais ou imorais.
Devem existir medidas que assegurem a natureza voluntária da aceitação do acordo pela dispensa de uma assistência jurídica efetiva ao investigado durante todo o processo, e a proibição do uso de quaisquer meios de coação ou enganosos para induzi-lo a aceitar o acordo, como, por exemplo, falsas promessas. Por fim, deve haver um controle judicial sobre o acordo que não seja meramente formal, mas um controle de natureza efetiva. Por exemplo, nos acordos sobre a pena do sistema jurídico norte americano, o magistrado, ao homologar o plea bargain, deve avaliar se o acusador, ao formular a proposta de barganha, tinha o que a doutrina norte-americana chama de factual basis [base fática], a base empírica idônea.

ConJur — Da forma como está regulamentada no Brasil, a delação premiada é coerente com o sistema penal e processual penal brasileiro?

Diogo Malan — Não. No âmbito do sistema penal brasileiro, a delação premiada é como uma cuíca numa orquestra sinfônica ou um violoncelo numa bateria de escola de samba. Isso porque no sistema norte americano, em primeiro lugar, existe um controle popular sobre as atividades do acusador, que em regra é eleito e reeleito pelo voto dos membros da comunidade. Em segundo lugar, a ação penal condenatória é regida pelos princípios da oportunidade e da disponibilidade, que são justamente os princípios opostos àqueles adotados pelo legislador brasileiro. No julgamento pelo júri norte americano, o acusador se depara com ônus probatório e argumentativo altíssimo, porque ele deve convencer 12 jurados sobre a culpa do acusado. Ou seja, exige-se um veredicto unânime para a condenação, o que significa que o defensor técnico do acusado chega à mesa de negociação do acordo com cartas de naipe muito mais alto na manga do que o seu colega brasileiro, que se depara com um julgamento feito por um único juiz togado.


ConJur — A seu ver, o chefe de uma organização criminosa pode firmar acordo para delatar seus subordinados? Ou só é possível delatar quem está acima na hierarquia do grupo?

Diogo Malan — Não há essa vedação expressa no texto legal. O que se observa na prática é que a estratégia persecutória tende a favorecer as colaborações premiadas que são ascendentes do ponto de vista vertical. Busca-se com mais frequência a negociação de acordos com pessoas de escalões intermediários ou inferiores, que visam à incriminação de figuras mais proeminentes, seja no organograma de uma empresa privada, seja na própria estrutura da máquina estatal.


ConJur — Acordo de delação premiada que estipula o cumprimento da pena a partir da assinatura do compromisso, sem sentença, viola a presunção de inocência e o devido processo legal?

Diogo Malan — O colaborador premiado, em regra, deve ser denunciado formalmente, conjuntamente com as pessoas que ele incrimina em sua delação. Portanto, a última palavra sobre a pena a ser aplicada é do Poder Judiciário, não do Ministério Público. O Poder Judiciário não fica vinculado aos termos do acordo de colaboração celebrado com o Ministério Público. O cumprimento da pena só pode ocorrer após o trânsito em julgado da sentença condenatória.


ConJur — Há quem afirme que a coação para que um acusado firme acordo de delação premiada é uma espécie de tortura. O senhor concorda com essa crítica?

Diogo Malan — Conceitualmente, todo acordo de colaboração premiada envolverá algum grau de coação exercido sobre o investigado. Até porque se o investigado não sofresse nenhum tipo de coação, dificilmente ele teria um incentivo para celebrar um acordo dessa natureza. A grande dificuldade é separar aquele grau de coação que é proporcional e não viola o requisito da voluntariedade para o acordo ser homologado pelo Poder Judiciário daquele grau de coação que é excessivo, e deve levar o Judiciário a rejeitar a homologação do acordo.


ConJur — Há realmente, na operação “lava jato”, uma estratégia de prender preventivamente para forçar o suspeito a firmar acordo de delação premiada?

Diogo Malan — As prisões decretadas no âmbito da “lava jato” preocupam bastante os estudiosos do tema, pois o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (PR, SC e RS) estabeleceu um novo paradigma da prisão processual, criado ao que tudo indica especificamente para a operação. Por ser uma medida cautelar extremamente gravosa, a prisão preventiva está sujeita a um regime de legalidade estrita. Não cabe ao juiz decretá-la fora daquelas circunstâncias previstas de maneira expressa e taxativa na lei. Então, vejo com grande preocupação o fato de um tribunal brasileiro fazer referência a um novo paradigma da prisão processual. No horizonte do Estado Democrático de Direito, o único paradigma legítimo da prisão processual é o condicional e convencional. Se determinada prisão é decretada com o objetivo de coagir o preso a celebrar um acordo dessa natureza, ela é uma prisão que está em desvio de finalidade. Portanto, é abusiva e ilegal.


ConJur— No ano passado, o senador Renan Calheiros defendeu que houvesse uma reforma na Lei das Organizações Criminosas para proibir a celebração de acordo de delação premiada com réu preso. O que o senhor pensa dessa proposta?

Diogo Malan — Não tenho opinião formada. Por um lado, é uma proposta que, em tese, poderia evitar esse risco de prisões decretadas com a finalidade velada de induzir o preso a celebrar um acordo dessa natureza. Por outro, é uma inovação prejudicial aos próprios acusados, na medida em que se retiraria daqueles que respondem presos a possibilidade de celebrar um acordo dessa natureza que, muitas vezes, pode integrar uma estratégia de defesa.
Sérgio Rodas é correspondente da revista Consultor Jurídico no Rio de Janeiro.

Revista Consultor Jurídico, 25 de junho de 2017, 6h50