terça-feira, 21 de julho de 2020

CIDH emite medidas cautelares em favor dos membros dos povos indígenas Yanomami e Ye'kwana








CIDH emite medidas cautelares em favor dos membros dos povos indígenas Yanomami e Ye'kwana

Washington, D.C. –  Em 17 de julho de 2020, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) emitiu a resolução 35/2020, mediante a qual outorgou medidas cautelares de proteção a favor dos membros dos povos indígenas Yanomami e Ye'kwana. A CIDH considerou que as pessoas beneficiárias estão em situação grave e urgente, pois seus direitos correm risco de danos irreparáveis.

O pedido apresentado pela Associação Hutukara Yanomami e pelo Conselho Nacional de Direitos Humanos refere-se aos membros da Terra Indígena Yanomami, composta por 321 aldeias, incluindo povos recentemente contatados e alguns em isolamento voluntário. As pessoas beneficiárias estariam em especial situação de risco face à pandemia de COVID-19, considerando sua particular suscetibilidade a doenças respiratórias e o rápido crescimento de contágios no seu território; as falhas no sistema de saúde para a população indígena, agudizadas pela pandemia; a presença ilegal de cerca de 20 mil garimpeiros no território, fomentando o fluxo do vírus das comunidades urbanas; a contaminação da população pelo mercúrio; e, finalmente, os atos de violência de garimpeiros contra a população indígena, principalmente suas lideranças.

A CIDH solicitou informações ao Estado, em conformidade com o artigo 25.5 de seu Regulamento. Foi informada sobre as medidas adotadas para buscar a reabertura das Bases Etnoambientais de Proteção, indicando que uma das três situadas na área já estaria reativada. Também foram fornecidas informações sobre o apoio à alimentação e à saúde que estava sendo prestado ou programado, bem como as diligências relacionadas à proteção territorial das terras indígenas no Brasil.

Na resolução, a Comissão levou em conta o risco diferenciado que os povos indígenas enfrentam diante da pandemia devido à sua particular vulnerabilidade imunológica, principalmente os povos de contato recente ou em isolamento voluntário; o estado crítico do sistema de saúde projetado para atender a população beneficiária; bem como a presença de terceiros não autorizados em seu território. Por sua vez, a CIDH avaliou a existência de uma resolução judicial ordenando a reabertura das três Bases de Proteção Etnoambiental da região, que teria sido apenas parcialmente cumprida, com a reabertura de uma. A CIDH considerou que as informações apresentadas pelo Estado são gerais e programáticas e não permitem ver as ações implementadas diretamente à população beneficiária.

Consequentemente, com base no artigo 25 de seu Regulamento, a CIDH solicitou ao Brasil que adote as medidas necessárias para proteger os direitos à saúde, à vida e à integridade pessoal dos membros dos Povos Indígenas Yanomami e Ye'kwana, implementando, de uma perspectiva culturalmente apropriada, medidas preventivas contra a disseminação da COVID-19, além de fornecer assistência médica adequada em condições de disponibilidade, acessibilidade, aceitabilidade e qualidade, de acordo com os parâmetros internacionais aplicáveis. Foi também solicitado que o Estado acorde com as pessoas beneficiárias e seus representantes as medidas a serem adotadas e que informe as ações adotadas para investigar os fatos alegados e, assim, evitar sua repetição.

A concessão da medida cautelar e sua adoção pelo Estado não prejudicam uma possível petição perante o sistema interamericano no qual são alegadas violações dos direitos protegidos nos instrumentos aplicáveis.
A CIDH é um órgão principal e autônomo da Organização dos Estados Americanos (OEA), cujo mandato surge a partir da Carta da OEA e da Convenção Americana sobre Direitos Humanos. A Comissão Interamericana tem como mandato promover a observância e defesa dos direitos humanos na região e atua como órgão consultivo da OEA na temática. A CIDH é composta por sete membros independentes, que são eleitos pela Assembleia Geral da OEA a título pessoal, sem representarem seus países de origem ou de residência.
No. 168/20



Link para a resolução 

sexta-feira, 17 de julho de 2020

A história da saúde indígena no Brasil e os desafios da pandemia de Covid-19 24/04/2020 Carolina Arouca G. de Brito*






Página da FioCruz

http://www.coc.fiocruz.br/index.php/pt/todas-as-noticias/1779-a-historia-da-saude-indigena-no-brasil-e-os-desafios-da-pandemia-de-covid-19.html#.XxHqIS2gTUo





A história da saúde indígena no Brasil e os desafios da pandemia de Covid-19

Carolina Arouca G. de Brito*
   
Ao longo dos últimos anos, a saúde indígena tem sido tema de importantes levantamentos e estudos sistemáticos no campo das Ciências Sociais (Brito, 2019, 2014; Cardoso et al, 2012; Coimbra, 2013; Costa, 1987; Garnelo et al, 2003; Garnelo, 2012, 2014; Pontes et al, 2019; Santos; Langdon, 2004; Verani, 1999; entre outros). Nesse conjunto de reflexões, figuram os temas das epidemias, das iniciativas de assistência sanitária, das especificidades socioculturais, das carências nutricionais, da demografia e da criação da política de saúde indígena brasileira.
Em tempos de pandemia de Covid-19, recorremos a essa literatura sob a metodologia de análise da História da Saúde, com foco nas populações indígenas, em busca de elementos processuais que contribuam para ampliar nosso conhecimento, nossa empatia e nosso compromisso social e acadêmico com os povos indígenas do Brasil.
Como equacionar as especificidades culturais de sociabilidade e moradia com a indicação de distanciamento social para a contenção da transmissibilidade de um vírus?
Há tempos, nossas populações indígenas enfrentam inúmeras tensões no âmbito da saúdedesde os primeiros contatos coos não indígenas, ainda no século 16, passando pelas epidemias de gripe e sarampo, no século 20, mais recentemente com a gripe H1N1, em 2009, até a pandemia de Covid-19, em 2020. Cada uma dessas epidemias e/ou crises sanitárias impactaram de diferentes formas os grupos indígenas atingidos, seja social, econômica ou demograficamente, sendo, portanto, importante um olhar para as especificidades de cada região e de cada povo na compreensão e no enfrentamento de questões de saúde pública entre os povos indígenas. 
Figuram, ainda, nesse debate, algumas das principais iniciativas do Estado brasileiro, da sociedade civil e da academia na sistematização de um discurso sobre a saúde indígena no país (Kabad et al2020) 
O Serviço de Proteção aos Índios (SPI) foi a primeira instituição brasileira, vinculada ao governo federal, voltada para a questão indígena no Brasil. Entre 1910 e 1967, o SPI desenvolveu ações pontuais de assistência sanitária aos indígenas, a partir de estruturas simplificadas de atenção à saúde, como a manutenção de alguns postos com enfermeiros e convênios itinerantes de prestação de assistência médica ou de levantamentos sanitários entre os grupos indígenas (Brito, 2011; Brito; Lima, 2014). 
Nesse cenário, porém, deve-se destacar uma importante investida institucional do órgão em torno da saúde indígena, como o esboço para a criação de um Serviço Médico Sanitário do SPI”, sugerido pelo médico Herbert Serpa, em 1947, chefe da Seção de Estudos (SE) do mesmo serviçoSeu projeto estabelecia como urgente a estruturação de uma normativa sobre a assistência aos indígenas, que contemplasse as especificidades culturais e as demandas sanitárias daqueles grupos. Como estratégia para minimizar os conflitos entre a chamada medicina ocidental/oficial e as práticas de cura indígenas, o projeto recomendava que os médicos e enfermeiros se especializassem em “antropologia cultural” ou no “trato dos problemas etnográficos” (Serviço Médico Sanitário do SPI, 1947).  
Foi também na SE que o cientista social Darcy Ribeiro – na época um jovem recém-formado pela Escola Livre de Sociologia de São Paulo – desenvolveu suas primeiras pesquisas de campo entre os indígenas brasileiros. Contratado como etnólogo pelo SPI, em 1947, Ribeiro percorreu, entre os anos de 1949 e 1951, a vasta região da floresta maranhense e realizou um estudo etnográfico entre os Urubu-Kaapor. Seus diários de campo e correspondências desse período são particularmente relevantes para refletirmos sobre a saúde dos povos indígenas. Em uma carta escrita para o seu professor na Escola Livre de Sociologia de São Paulo, o antropólogo alemão Herbert Baldus, por exemplo, Darcy Ribeiro relata que o seu principal trabalho no campo vinha sendo o trabalho de auxiliar de cuidados assistenciais em saúde, enfermeiro”, em suas palavras 
Encontramos uma epidemia de sarampo com todas as misérias que ele arrasta consigo, dizimando os índios, um horror. No último mês, percorri cinco aldeias, uma ainda não estava afetada e todas as outras desertas, os índios na mata fugindo de uma peste e levando-a consigo. Em muitas não havia uma só pessoa capaz de trazer alimentos das enormes roças que deixaram para trás na fuga desesperada, de caçar e de pescar e morriam à fome. Nestas, virei cozinheiro. Volto amanhã para a mata, vamos tentar filmar e trabalhar numa aldeia que começa a se reestabelecer, porque seria difícil achar uma sadia e poderíamos levar-lhes a doença. Talvez não saia um filme lá muito ao gosto de certa gente, índios remelando de terçol, magros de tuberculose galopante ou tossindo de pneumonia, e que sei mais de horrores, mas será um bom retrato deste SPI. (Carta de DR-HB, 24/02/1950).  
A saúde indígena faz fronteiras perigosas com outras demandas de ordem política, social e econômica, e, por isso, ainda hoje enfrenta desafios estruturais, especialmente relacionados à posse e à gestão da terra
Darcy Ribeiro escreveria mais detidamente sobre a questão sanitária dos indígenas brasileiros, no texto Convívio e contaminação, publicado em 1955, pela primeira vez, por ocasião da 2ª Reunião da Associação Brasileira de Antropologia, seguida da versão publicada na Revista Sociologia, em 1956, e transformado em capítulo do livro Os índios e a Civilização, de 1970. Nesse texto, Darcy Ribeiro reflete sobre os danos do contato crescente e inevitável entre indígenas e não indígenas, especialmente no que tangia à transmissão de doenças. Na sua visão, a desestruturação social, as carências nutricionais, a orfandade e as dificuldades na manutenção das práticas culturais/familiares eram algumas das maiores consequências dos surtos epidêmicos entre os indígenas e que desafiava a sobrevivência dos grupos indígenas na sociedade brasileira.
As dificuldades sanitárias das populações indígenas são temas recorrentes encontrados nos arquivos dos Boletins Internos do SPI. Nesses documentos oficiais ficaram registradas as principais razões para o agravamento dos surtos epidêmicos e as demandas por assistência sanitária nas aldeias. Entre as situações relatadas nos boletins estão as longas distâncias entre as aldeias e os centros urbanos, a falta de material médico e de pessoal qualificado para o atendimento, os prejuízos do contato com a população não indígena e a não observância aos tratamentos propostos pela “medicina ocidental”. Somava-se a esses fatores a forte perspectiva integracionista do SPI, que compreendia as necessidades sanitárias indígenas como algo transitório, posto que ao ser integrada à “sociedade nacional”, essa população adotaria também novas práticas sanitárias, assemelhando-se aos não indígenas.
Com o fim do SPI e a criação da Fundação Nacional do Índio (Funai), em 1967, a questão indígena passou a ser responsabilidade desse novo órgão governamental, poréma pauta da saúde prosseguiu como um problema a ser enfrentado. A criação das Equipes Volantes de Saúde (EVS), na década de 1970, representou um avanço no alcance da assistência sanitária aos indígenas frente ao que existia àquela altura, porém, sem a estrutura e a regularidade necessárias para atender as demandas das inúmeras e múltiplas regiões do país.
Durante as décadas de 1970 e 1980, além da Funai, outros atores – como sociedade civil, entre movimentos sociais organizados, pesquisadores e intelectuais de diferentes áreas – passaram a discutir de forma mais sistemática a formulação de uma política de assistência aos povos indígenas do Brasil, pautados na ampliação da assistência sanitária e no acesso à terra como pilares da saúde indígenaFoi o caso de instituições como o Conselho Indigenista Missionário (CIMI), vinculado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) – que contava com a participação de antropólogos, médicos sanitaristas e cientistas sociais em seus quadros – dUnião das Nações Indígenas (UNI), primeira entidade indígena criada para reunir as lideranças das comunidades indígenas e defender seus interesses no âmbito nacional (Pontes et al, 2019). 
Cabem, ainda hoje, importantes reflexões acerca das peculiaridades sociais, culturais e econômicas dos diversos grupos indígenas do país, que contribuem diretamente para a situação de vulnerabilidade frente ao combate do vírus Sars-CoV-2.
Os debates capitaneados por esses atores sociais em torno da estruturação de um projeto de saúde indígena reverberaram na realização das Conferências Nacionais de Saúde dos Povos Indígenas (em consonância com as demandas nacionais e mais amplas da Reforma Sanitária) e também na Constituinte de 1988, sobretudo em relação à autodeterminação dos povos indígenas em oposição à relação tutelar, anteriormente estabelecida com o Estado. Como resultado dos debates iniciados na década de 1970, passando pelas Conferências Nacionais de Saúde dos Povos Indígenas e pela criação de um Sistema Único de Saúde (SUS, lei nº 8.080) para o país, em 1990, foi desenhada a Lei Arouca (nº 9.839/99, que acrescenta o capítulo V, Título II à lei nº 8.080), que instituiu no Brasil o Subsistema de Saúde Indígena como parte do SUS e rege, até hoje, os rumos da saúde dos povos indígenas brasileiros.
Em perspectiva histórica podemos dizer que Lei Arouca, aprovada em 1999, atendeu finalmente às demandas requeridas pelo médico Herbert Serpa do SPI, em 1947, no seu plano para a criação de um serviço médico sanitáriocuja premissa estivesse pautada ninclusão de especificidades no cuidado aos indígenas, alinhado ao planejamento nacional de saúde do país. É certo que a Lei Arouca apresenta avanços importantes e incontestáveis no debate em torno das demandas por acesso a saúde pública por parte dos indígenas brasileiros, principalmente no que tange às suas especificidades culturais. 
Diferente do Plano de 1947, a Lei Arouca valoriza as práticas sociais e culturais das populações indígenas como elemento central para a estruturação da atenção à saúde indígena, e não somente como uma forma de evitar conflitos entre a medicina ocidental e as práticas indígenas de cura. Além disso, traz em seu artigo 19-H a premissa de que as populações indígenas terão direito de participar ativamente da formulação e do acompanhamento das políticas de saúde. 
É certo que o Estado brasileiro avançou com a criação de um subsistema de saúde indígena e na concepção de uma Política Nacional de Atenção à Saúde aos povos indígenas (PNASPI, 2002), porém, a saúde indígena faz fronteiras perigosas com outras demandas de ordem política, social e econômica, e, por isso, ainda hoje enfrenta desafios estruturais, especialmente relacionados à posse e à gestão da terra, elemento central na manutenção da vida social de grupos inteiros.
Como equacionar as especificidades culturais de sociabilidade e moradia com a indicação de distanciamento social para a contenção da transmissibilidade de um vírus?
Nesse cenário, é possível compreender o significado amplo e estrutural do conceito de saúde para os povos indígenas ao longo do tempo. Desde as primeiras tentativas de sistematização de um Serviço Sanitário, há mais de 70 anoscaminhamos em direção à sistematização da assistência, até a criação de uma lei e de uma política de atenção à saúde dos povos indígenas brasileiros. Porém, cabem, ainda hoje, importantes reflexões acerca das peculiaridades sociais, culturais e econômicas dos diversos grupos indígenas do paísque contribuem diretamente para a situação de vulnerabilidade frente ao combate de um vírus que provoca uma severa síndrome respiratória aguda, altamente transmissível, como o Sars-CoV-2.
As ferramentas de análise processual da história não nos permitem dar as respostas definitivas para o enfrentamento da Covid-19 nas inúmeras aldeias indígenas do país hoje, mas nos ajudam a fazer as perguntas necessárias e urgentes, como, por exemplo: Quais são as justificativas sanitárias e/ou sociais para o agravamento das doenças infecciosas, sobretudo as respiratórias, entre os indígenas? Quais alternativas resolveriam o problema das longas distâncias entre as aldeias e os hospitais de referência, a fim de ampliar o acesso dos grupos indígenas ao sistema de saúde? Qual o papel do Estado diante do perigo iminente dos garimpos ilegais e/ou das invasões às terras indígenas? Como equacionar as especificidades culturais de sociabilidade e moradia com a indicação de distanciamento social para a contenção da transmissibilidade de um vírus? Quais impactos as carências nutricionais têm na saúde indígena de forma mais ampla e como essa questão pode ser solucionada num período de pandemia?
Tais perguntas atravessaram o tempo histórico, as investidas institucionais e permanecem desafiando o poder público na área da saúde indígena e, hoje, na estruturação de um plano de manejo eficiente na contenção do contágio de Covid-19, nas mais de 305 etnias espalhadas pelo território nacional, com especial atenção para a Região Amazônica que concentra, atualmente, 64% da população indígena do país. É nesse sentido que recuperarmos, na história da saúde indígena, análises sobre os impactos das epidemias e das ações do Estado no seu enfrentamento, pois têm o potencial de nos ajudar a definir os próximos passos a seguir como sociedade, academia e Estado.
Carolina Arouca G. de Brito é bolsista de pós-doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde (PPGHCS) da Casa de Oswaldo Ceuz (COC/Fiocruz), com bolsa da Faperj (Pós-doutorado Nota 10)
Referências
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CARDOSO, A. M. et al. Políticas públicas de Saúde para os povos indígenas. In: GIOVANELLA, L. et al (org.). Políticas e sistema de saúde no Brasil. 2. ed. rev. ampl. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2012. p. 911-932. 
COIMBRA JR., C. E. A.; SANTOS, R. V.; CARDOSO, A. M. Processo saúde-doença. In: BARROS, D. C.; SILVA, D. O.; GUGELMIN, S. Â. (org.)Vigilância alimentar e nutricional para a saúde indígena Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 2007. v. 1. p. 47-74. 
COSTA, D.C. Política Indigenista e assistência à saúde Noel Nutels e o Serviço de Unidades Sanitárias Aéreas. Cadernos de Saúde Pública, v. 4, n. 3, p. 338-401out./dez. 1987. 
GARNELO, L.; PONTES, A. L. (org.). Saúde indígena: uma introdução ao tema. Brasília: MEC-Secadi, 2012.  
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KABAD, J. F. et alRelações entre produção científica e políticas públicas: o caso da área da saúde dos povos indígenas no campo da saúde coletiva. Ciência & Saúde Coletivav. 25, n. 5, p. 1641-1653, 2020. No prelo. 
LANGDON, E. J. Uma avaliação crítica da atenção diferenciada e a colaboração entre antropologia e profissionais de saúde. In: LANGDON, E. J.; GARNELO, L. (org.). Saúde dos povos indígenas: reflexões sobre antropologia participativa. Rio de Janeiro: Contra Capa, 2004. p. 33-51.
PONTES, A. L. et al. Diálogos entre indigenismo e reforma sanitária: bases discursivas da criação do subsistema de saúde indígenaRevista Saúde em Debate. Rio de Janeiro, v. 43, n. especial 8, p. 146-159, dez 2019.
RIBEIRO, D. Convívio e contaminação: efeitos dissociativos da depopulação provocada por epidemias em grupos indígenas. Sociologian. 18, p. 3-50, 1956.
RIBEIRO, D. Diários índios: os Urubu-Kaapor. São Paulo: Companhia das Letras, 1996.
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VERANI, C. B. L. A Política de saúde do índio e a organização de serviços no Brasil. Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Belém, v. 1, n. b, p. 143-164, 1999.

quinta-feira, 16 de julho de 2020

Ivermectina: sem evidências científicas contra Covid-19, cidade no Tocantins distribui medicamento às populações urbana e indígena MP investiga suspeita de irregularidade na distribuição; especialistas alertam que uso pode dar falsa sensação de proteção e causar danos à saúde pública

O Globo:




Ivermectina: sem evidências científicas contra Covid-19, cidade no Tocantins distribui medicamento às populações urbana e indígena

MP investiga suspeita de irregularidade na distribuição; especialistas alertam que uso pode dar falsa sensação de proteção e causar danos à saúde pública

Nas últimas semanas, ivermectina se tornou uma das medicações mais citadas por aqueles que defendem tratamento precoce ou profilaxia contra a Covid-19 Foto: Getty Images
Nas últimas semanas, ivermectina se tornou uma das medicações mais citadas por aqueles que defendem tratamento precoce ou profilaxia contra a Covid-19 Foto: Getty Images
RIO E BRASÍLIA — A Prefeitura de Tocantinópolis, no Tocantins, iniciou nessa quarta-feira (15) a distribuição em massa do vermífugo ivermectina para a população da cidade como forma de combater a Covid-19 . De acordo com a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), não há evidências científicas de que a substância seja eficiente contra a doença. Segundo o secretário de saúde do município, Jair Aguiar, o medicamento também será distribuído para aldeias indígenas da etnia Apinajé que vivem na região. O Ministério Público estadual e o Ministério Público Federal apuram o caso.

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A distribuição do medicamento foi anunciada pela prefeitura, comandada por Paulo Gomes de Souza (PSD), por meio de um panfleto distribuído no início desta semana. A distribuição será feita nos postos de saúde do município e, na primeira fase, vai atender apenas a pessoas acima de 50 anos. A ideia, segundo Jair Aguiar, é que as demais faixas etárias sejam atingidas nas próximas semanas.

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Segundo o secretário, para ter acesso ao medicamento, basta ir a um posto de saúde, solicitar o remédio e assinar um termo de responsabilidade no qual o paciente alega ter conhecimento sobre os efeitos colaterais do uso da ivermectina.

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Jair disse saber que a Anvisa não recomenda o uso da ivermectina no tratamento da Covid-19, mas afirmou que a cidade tomou a decisão de distribuir o medicamento com base em supostos bons resultados obtidos em outros locais como a Nova Zelândia. Segundo ele, a ideia é “imunizar” a população contra a doença.

— Tomamos essa decisão com base em dados clínicos observados em alguns municípios do país e outros países como a Nova Zelândia. O medicamento tem se mostrado eficaz na prevenção e combate à doença. Ninguém tem certeza quanto a nada em relação a essa doença e a distribuição é preventiva e na tentativa de imunizar a população — disse.

As alegações de Jair, no entanto, vão na contramão do que diz a Anvisa sobre o medicamento. Em nota divulgada na semana passada, a agência reforçou que não há evidências científicas sobre a eficácia da ivermectina no combate, cura ou imunização contra a Covid-19.

“Inicialmente, é preciso deixar claro que não existem estudos conclusivos que comprovem o uso desse medicamento para o tratamento da Covid-19, bem como não existem estudos que refutem esse uso. Até o momento, não existem medicamentos aprovados para prevenção ou tratamento da Covid-19 no Brasil. Nesse sentido, as indicações aprovadas para a ivermectina são aquelas constantes da bula do medicamento”, diz a nota da Anvisa.

Medicamento está sendo distribuído para indígenas

Jair Aguiar admitiu que o medicamento também será distribuído a índios da etnia Apinajé que vivem na área do município. Segundo ele, o remédio vem sendo usado para combater o “bicho de pé”, que causaria crises renais entre os indígenas. Jair diz que, agora, os medicamentos serão distribuídos tanto para combater o parasita quanto como medida de “profilaxia” contra a Covid-19.

— A ivermectina, como antiparasitário, foi muito bem utilizada no ano passado para combater o bicho de pé.Começamos a ter os primeiros casos das crises renais entre os indígenas neste ano. Com isso (a distribuição) você combate o parasita que causa essa doença e também usa como profilaxia para a Covid-19 — disse.

Jair afirmou que comunicou o fato à Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), vinculada ao Ministério da Saúde e responsável pela saúde indígena em todo o Brasil.

— Informalmente, nós comunicamos por meio da divulgação, à Sesai — afirmou.

Segundo ele, a distribuição do medicamento aos indígenas deverá ocorrer a partir da semana que vem.

MP abre investigação sobre caso

O Ministério Público do Tocantins abriu um procedimento para investigar a distribuição de ivermectina na cidade. Segundo o promotor Saulo Vinhal, o órgão vai investigar suspeitas de irregularidade na distribuição do medicamento sem contato do paciente com o corpo médico.

— A princípio, não cabe ao Ministério Público estabelecer uma linha de atuação contrária ou favorável a qualquer tratamento medicamentoso, salvo em caso de erro grosseiro, quando não observadas evidências científicas, e isso será objeto de apuração. Não considero adequada a distribuição indiscriminada, sem contato direto entre médico e paciente. A finalidade do medicamento será objeto de investigação — disse o promotor.

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O procurador da República Thalles Coelho, por sua vez, disse que vai solicitar informações à Prefeitura de Tocantinópolis para checar os planos da prefeitura de distribuir ivermectina aos povos indígenas da região como forma de combate à Covid-19.

Em nota, o Ministério da Saúde disse que o Polo Base de Saúde Indígena de Tocantinópolis foi informado pela secretaria municipal de saúde que "há intenção de utilizar a ivermectina para a Covid-19 para a comunidade em geral" e que ela iria "formalizar" a conduta ao Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) que atende a região, o que ainda não teria ocorrido.

O Ministério disse ainda que não distribui ivermectina como "meio profilático à população indígena".

Especialista alerta para a falsa sensação de proteção

O uso indiscriminado da ivermectina no tratamento ou prevenção da Covid-19, sem qualquer comprovação científica, pode não provocar efeitos colaterais em que usa, mas os danos à saúde pública podem ser graves: o alerta é da bióloga Natalia Pasternak, doutora em Microbiologia pelo Instituto de Ciências Biomédicas da USP. Ao usar o remédio, a pessoa pode acreditar que está protegida da doença e relaxar com as medidas que necessária para evitar o contágio, como o uso de máscara.

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— Não há comprovação científica ainda que indique ivermectina nos casos de Covid-19. O remédio, usado na dosagem recomendada na bula, não provoca sequelas. Todos que usarem ficarão sem piolho ou sarna, mas sem nenhuma proteção contra o coronavírus. O dano maior é na saúde pública. As pessoas podem tomar o medicamento e acreditar que não terão Covid-19 — alerta a bióloga.

O uso da ivermectina começou a ser alardeado após experimentos realizados em laboratório com culturas de células mostrarem que o remédio iera capaz de eliminar o novo coronavírus em apenas dois dias. Foi o que revelou, por exemplo, o estudo feito por pesquisadores do Laboratório de Referência de Doenças Infecciosas Vitorianas (VIDRL) e da Universidade Monash, ambos em Melbourne, na Austrália. 

— O experimento foi feito in vitro, com células de laboratório. É um passo inicial dos estudos. É bom acrescentar que menos de 10% dos remédios que dão certo em laboratórios têm a mesma resposta em humanos — explica Natália Pasternak.

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Mauro Schechter, professor titular de Infectologia da UFRJ, esclarece que a dosagem usada em laboratório é muito mais alta que a normalmente usada para combater vermes e parasitas:

— No tubo de ensaio se demonstrou que a ivermectina é capaz de inibir a replicação viral e essa é a justificativa usada para o seu emprego para o tratamento ou prevenção de Covid-19. No entanto, a quantidade de ivermectina necessária para inibir in vitro a replicação viral é 17 vezes a dose máxima permitida para seres humanos, a qual, por sua vez, é 10 vezes a dose usada para o tratamento de piolho, pulgas e carrapatos. Vale lembrar que o estudo largamente citado como razão para usar a ivermectina usou dados da empresa Surgisphere. Todos os estudos que usaram dados dessa empresa, incluindo um sobre cloroquina publicado na Lancet e esse sobre ivermectina, foram retratados (isto é, retirados) por serem considerados fraudulentos.

O infectologista ressalta ainda que a alta dosagem mataria a pessoa muito antes de ter ação contra o vírus.

— Além do artigo que é citado para embasar o uso de ivermectina ter sido retirado por ser fraudulento, a dose necessária para que a droga seja capaz de impedir o vírus de se multiplicar nos pulmões de uma pessoa é equivalente a 170 vezes a dose máxima permitida. Ou seja, mataria a pessoa muito antes de ter ação contra o vírus. E, na dose que é usada, não tem ação contra o vírus, por não atingir nas células das vias respiratórias a concentração necessária para agir — avalia Mauro Schechter.