segunda-feira, 17 de agosto de 2020

Segue a luta do povo Karajá no Tocantins ...

Matéria do Jornal do Tocantins



Em 24h, Covid-19 leva contador e ceramista Karajá, irmãos de gerente indígena da Seduc

Entre sexta e sábado, além da ceramista Kuaxiru Karajá e do líder Isarire Karajá, irmãos do gerente Waxiy (uaxiã), a doença também é suspeita de ter vitimado a sogra dele, Kualaru

Indígenas
Ceramista Kuaxiru Karajá, o líder Isarire Karajá e a matriarca Kualaru morreram entre sexta-feira e sábado, no Mato Grosso e em Palmas (Foto: Arquivo Pessoal) 

A Covid-19 fez a tristeza e o luto invadir a aldeia Santa Isabel do Morro, da etnia Karajá, na Ilha do Bananal no final de semana, ao causar três mortes de parentes de uma mesma família em menos de 24 horas, entre sexta e sábado. 

Além da incidência da doença causada pelo novo coronavírus, os três são da família do gerente de educação indígena da Secretaria Estadual da Educação (Seduc) Waxiy (a pronuncia é uaxiã) Maluá Karajá, 46. Entre sexta e sábado, ele perdeu uma irmã e um irmão, em São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, e a sogra em Palmas.

A irmã de Waxiy era uma das mais importantes ceramistas, Kuaxiru Karajá. Ela faleceu aos 70 anos, na sexta-feira, 14, depois de estar internada em São Félix do Araguaia (MT) para tratar complicações da doença. Assim como Komytira, que morreu no mês passado, Kuaxiru era uma hábil ceramista das bonecas de argila (rixòkò). Também era viúva do lendário professor bilíngue Idjuraru Karajá, referência na educação entre os povos da Ilha do Bananal.

Kuaxiru também era irmã do líder indígena, funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai) e contador profissional, formado pela UFMT, Isarire Lukukui Karajá, 60 anos. Isarire também contraiu Covid-19 e, segundo Waxiy foi poupado pela família sobre a morte da irmã, contudo, ele ficou sabendo e teve o quadro agravado.

“Isasire estava bem e foi poupado [da morte da irmã], a gente não contou para ele para não assustar ele, porque era diabético. Não sei como que ele soube e então começou a passar mal, com falta de ar, controlaram, mas no dia seguinte, no sábado, dia do aniversário dele, deu novamente crise e iam tirar [transferir para Cuiabá], onde conseguiram UTI para ele, mas não resistiu e veio a óbito”, conta Waxiy.

Sogra morreu em Palmas

Enquanto os irmãos de Waxiy lutavam em São Félix, em Palmas, a sogra dele Kualaru Karajá, também de aproximadamente 70 anos, passou mal com sintomas da doença e foi levada para UPA-SUL, na sexta-feira, mas acabou falecendo na tarde de sábado.

 “Ela foi para a UPA na sexta-feira, ela fez um teste rápido e relataram que deu negativo, a gente achava que era pneumonia, mas ela ficou lá isolada enquanto iam fazer outro teste, mas ficou tomando remédios, no sábado de manhã ela estava bem melhor, mas de tarde a gente hoje recebeu uma ligação dizendo que ela havia ido a óbito”, conta o gerente, que questiona o procedimento. 

Waxiy vai pedir o prontuário e pedirá ao Ministério Público que investigue a morte. “Essa morte, pelos fatos, precisa ser investigada e os órgãos devem uma explicação, sobre o que de fato ocorreu com minha sogra. Porque, a causa da morte que foi registrada pela UPA é morte por causa indeterminada e com três interrogações, infarto agudo miocárdio? Ou tromboembolismo pulmonar? Ou acidente vascular encefálico? Então é uma coisa que não é conclusiva, praticamente, a causa da morte”, questiona.

Ele também reclama que mesmo sem um outro teste definitivo, a UPA fez medicação para Covid-19, sem ter o resultado definitivo. 

Gerente cobra ações nas aldeias

O gerente de educação questiona a falta de ações de órgãos federais para combater o avanço da doença entre os povos indígenas e lamenta. “Não é fácil perder ente queridos, um atrás do outro para a doença, e ainda perdi minha sogra”, diz Waxiy, que pede ações federais nas aldeias.

“O que está acontecendo nas comunidades indígenas, o que eu vejo é falta de atendimento por parte do órgão responsável pela saúde indígena, falta de ação. Precisa de mais atenção para as comunidades, de um trabalho sobre a importância do isolamento, os cuidados sanitários que devem ter e de equipamentos. O que a gente vê, como o caso das barreiras sanitárias, são montadas pelos próprios indígenas, e sem proteção individual adequada. Então é preciso apoio também do órgão indigenista. A gente não vê essas ações junto à comunidade”.

Essa falta de ação é apontada por Waxiy como uma das causas das mortes dos indígenas. Para ele, ainda que os indígenas usem de medicação caseira, é dever dos órgãos agira para impedir mais mortes. “É a falta de ação é o que está levando os indígenas a morte, os indígenas estão fazendo muito remédio caseiro, mas é preciso dessas ações, faltou um hospital de campanha em polos indígenas para acolher, testar e encaminhar os casos graves”, defende. 

“Os órgãos federais tinham de ter essa autonomia, tomar essa iniciativa. A gente vê óbito em cima de óbito e a gente vê os órgãos responsáveis sem ação, quando deviam estar mais próximos da comunidade indígena.” 


quinta-feira, 6 de agosto de 2020

A luta dos povos indígenas do Tocantins: Segunda etnia mais numerosa do Tocantins, o povo Krahô montou suas próprias barreiras sanitárias, traduziu cartilhas sobre covid e organizou grupo de compras na cidade, mas enfrenta dificuldades para custear medidas e mantém campanha para arrecadar recursos

Excelente matéria no Jornal do Tocantins, do jornalista Lailton Costa.

Link:



Covid-19: estratégias e dificuldades do povo Krahô para conter o coronavírus nas aldeias

Segunda etnia mais numerosa do Tocantins, o povo Krahô montou suas próprias barreiras sanitárias, traduziu cartilhas sobre covid e organizou grupo de compras na cidade, mas enfrenta dificuldades para custear medidas e mantém campanha para arrecadar recursos

Barreira
Povo Krahô adotou várias estratégias para conter doença, mas enfrenta dificuldades para manter medidas (Foto: Salve Krahô/Divulgação) 

A chegada do novo coronavírus no Tocantins representou um desafio ainda maior para uma população de mais de 12,5 mil indígenas distribuídos em mais de 200 aldeias no Estado e instiga os povos indígenas e autoridades, após a infecção de 492 indígenas aldeados. 

O povo Krahô, a segunda etnia mais numerosa sob a jurisdição do Distrito Sanitário Especial Indígena do Tocantins (DSEI-TO), com 4 confirmações, é a segunda menor em infectados, graças às estratégias adotadas para isolamento das aldeias, avalia o técnico de enfermagem Magayve Xôxôô Krahô, da Aldeia Manoel Alves. 

Os 492 casos oficiais de Covid-19 em indígenas estão na região de Formoso do Araguaia (351 Javaés confirmados), Tocantínia (130 Xerentes), Santa Fé (5 Karajá),  Itacajá (4 Krahôs) e Tocantinópolis (2 Apinajés), segundo boletim do DSEI-TO de quarta-feira, 5.

O número pode não parecer elevado, mas se estivesse reunido em uma só aldeia, teria dizimado as 400 pessoas que vivem na aldeia Manoel Alves, onde mora o técnico Magayve. Ele é considerado um exemplo entre as comunidades, por estar na linha de frente do enfrentamento à doença entre a etnia, e ajudar não apenas a sua aldeia, que tem cerca 400 habitantes, mas todas as demais. 

Um dos papeis do agente é estudar sobre essa doença e levar as informações para 25 aldeias que concentram quase 3.7 mil habitantes que vivem em uma área de 302 mil hectares, entre Itacajá e Goiatins. “Essa pandemia chega muito rápido e depois dos 4 casos, a gente fica assustado e preocupado”, afirma, Magayve, em entrevista concedida por videoconferência junto com o antropólogo e professor Vitor de Aratanha Maia Araujo. 

Magayve afirma que seu povo enfrenta dificuldades para conseguir recursos e materiais necessários para barrar o avanço da Covid-19, agora que fase mais crítica da doença alcança o Tocantins.

As dificuldades são muitas, aliadas à situação atual da pandemia que afeta os próprios órgãos da União encarregados de atuar com os povos indígenas, como a Funai, Ministério Público Federal, Secretaria da Saúde Indígena (Sesai) ligadas ao Polo Base de Saúde Indígena de Itacajá. 

O polo possui apenas 2 médicos e 1 enfermeiro. A equipe visita as aldeias uma vez por mês, como rodízio em cada aldeia.  A condição das estradas entre as cidades e aldeias dificulta também o acesso ao polo que é responsável pelos suprimentos para saúde indígena.

Barreiras de controle: desejo antigo

Para enfrentar a doença, uma das medidas foi montar barreiras físicas que funcionam como controle sanitário e de acesso. “No primeiro mês da barreira sanitária, funcionou muito bem,

ninguém entrava, ninguém ia pra cidade, evitou a doença, e de gente que nem vai fazer para compra, vai só para tomar bebida alcóolica, mas depois de junho, houve muita pressão contra, a barreira diminuiu, o povo cansou” diz Magayve. 

Agora, segundo o agente, falta recurso para não só reativar a barreira, mas mantê-la após o fim da pandemia, porque é controle sobre quem entra e quem sai da aldeia para a cidade. “É um sonho antigo de lideranças”, avalia o indígena. ” 

Os gastos incluem alimentação para os guerreiros Krahô que fiscalizam dia e noite a entrada e saída da barreira, com anotação de dados de quem entra e deixa as aldeias, inclusive serve para mapear os indígenas que vão à cidade o que favorecerá mapear casos suspeitos. 

O antropólogo Vitor Aratanha Araújo concorda. “Controlar a entrada e a saída sem dúvida é um grande legado, a gente quer que a barreira, com uma guarita continuem. Evitou o contágio e impediu a retirada de madeira e diminuíram as invasões. ”

Compra coletiva organizada por aplicativo

Outra medida adotada foi a criação de grupos de whatsapp nas aldeias, que permitiu encomendar produtos da cidade que são entregues pelos comerciantes, desde o maior supermercado, principal fornecedor das aldeias, aos mercados menores.

Em uma das aldeias, que possui internet, cada família nomeou um “procurador”, pessoa encarregada de passar a lista de compras e conferir e receber a entrega na barreira sanitária e repassar para as famílias. “Toda segunda-feira a lista dos pedidos é enviada no whats, depois os comerciantes deixam as compras na guarita e cada procurador faz a entrega”. 

Em outra aldeia, com internet fixada na escola, são quatro grupos e contam com apoio da associação dos professores. Há grupo para o maior supermercado, outro para comércio menores, um terceiro para conversas e demandas pessoais e um grupo de trabalho da associação indígena que controla o serviço da barreira, entre outros. Toda informação é compartilhada no grupo. Antes das compras entrarem na aldeia, guerreiros fazem um trabalho de desinfecção dos pacotes nas barreiras.

Campanha Salve Krahô mobiliza doações para o enfrentamento

A montagem das barreiras foi possível por uma fonte de apoio, a campanha “Salve Krahô’ baseada na internet e redes sociais como facebook e instagram, explica o antropólogo Vitor de Aratanha Araújo. A ação surgiu no início da pandemia e conta com incentivo dos “ibantu”, expressão usada para quem é batizado com um nome krahô por sua ligação com o povo. 

A atriz e diretora Letícia Sabatella, que filmou “Hotxuá” e a cineasta Renee Nader, que codirigiu o premiado “Chuva é Cantoria na aldeia dos Mortos”, longa gravado com o povo Krahô estão entre os aliados da campanha.

 “A Salve Krahô conseguiu reunir alguns doadores, pessoas, pesquisadores, e conseguiu fazer algum tipo de mobilização para um enfrentamento e o plano, com as barreiras da terra indígena, organização para alimentação, limpeza e desinfecção antes de entrar, foi razoavelmente bem executado, mas é um grupo que tá preocupado para tentar conter o avanço da doença”, afirma a cineasta Renee Nader.

O professor Vitor Aratanha Araújo afirma que a campanha ainda precisa de doações para captar recursos para custear a barreira, compra de alimentação, combustível e material de construção. Também busca custear a produção de material mais específico sobre a doença na língua dos Krahôs. 

No início da pandemia, explica Araújo, houve a produção de vídeo, mas é preciso mais informação em língua nativa e para ampliar o isolamento.  Ele também diz que é preciso articular a questão da transparência de dados, para que seja divulgado melhor donde estão os casos suspeitos.

Faz parte da Salve Krahô a venda do e-book bilingue “Hartãt jarẽn xà - A história do Hartãt”. O livro conta a história desse “herói mitológico que guia o povo Krahô até a machadinha Kàjre, enquanto os ensina a ouvir os sons da mata e dos bichos”.

Para obter a obra, basta contribuir com pelo menos R$ 10,00 depositado na conta bancária da Associação Hotxwa e enviar o comprovante para o e-mail krahosalve@gmail.com  para receber o livro digital. 

Toda a articulação pode ser acompanhada no Instagram e Facebook da campanha.

Outras doações podem ser feitas na mesma conta da associação. 

Associação Hôtxwa Cia HIKEN

CNPJ: 16.849.941/0001 -34

BANCO BRADESCO

* Agência: 1725-6

*Conta Corrente: 0086375-0

código IBAN: BR71 6074 6948 0172 5000 0863 750C

O técnico em enfermagem Magayver em sua aldeia: exemplo de dedicação no enfrentamento da pandemia (Foto: Salve Krahô/Divulgação)