Matéria do Jornal do Tocantins
Em 24h, Covid-19 leva contador e ceramista Karajá, irmãos de gerente indígena da Seduc
Entre sexta e sábado, além da ceramista Kuaxiru Karajá e do líder Isarire Karajá, irmãos do gerente Waxiy (uaxiã), a doença também é suspeita de ter vitimado a sogra dele, Kualaru

A Covid-19 fez a tristeza e o luto invadir a aldeia Santa Isabel do Morro, da etnia Karajá, na Ilha do Bananal no final de semana, ao causar três mortes de parentes de uma mesma família em menos de 24 horas, entre sexta e sábado.
Além da incidência da doença causada pelo novo coronavírus, os três são da família do gerente de educação indígena da Secretaria Estadual da Educação (Seduc) Waxiy (a pronuncia é uaxiã) Maluá Karajá, 46. Entre sexta e sábado, ele perdeu uma irmã e um irmão, em São Félix do Araguaia, no Mato Grosso, e a sogra em Palmas.
A irmã de Waxiy era uma das mais importantes ceramistas, Kuaxiru Karajá. Ela faleceu aos 70 anos, na sexta-feira, 14, depois de estar internada em São Félix do Araguaia (MT) para tratar complicações da doença. Assim como Komytira, que morreu no mês passado, Kuaxiru era uma hábil ceramista das bonecas de argila (rixòkò). Também era viúva do lendário professor bilíngue Idjuraru Karajá, referência na educação entre os povos da Ilha do Bananal.
Kuaxiru também era irmã do líder indígena, funcionário da Fundação Nacional do Índio (Funai) e contador profissional, formado pela UFMT, Isarire Lukukui Karajá, 60 anos. Isarire também contraiu Covid-19 e, segundo Waxiy foi poupado pela família sobre a morte da irmã, contudo, ele ficou sabendo e teve o quadro agravado.
“Isasire estava bem e foi poupado [da morte da irmã], a gente não contou para ele para não assustar ele, porque era diabético. Não sei como que ele soube e então começou a passar mal, com falta de ar, controlaram, mas no dia seguinte, no sábado, dia do aniversário dele, deu novamente crise e iam tirar [transferir para Cuiabá], onde conseguiram UTI para ele, mas não resistiu e veio a óbito”, conta Waxiy.
Sogra morreu em Palmas
Enquanto os irmãos de Waxiy lutavam em São Félix, em Palmas, a sogra dele Kualaru Karajá, também de aproximadamente 70 anos, passou mal com sintomas da doença e foi levada para UPA-SUL, na sexta-feira, mas acabou falecendo na tarde de sábado.
“Ela foi para a UPA na sexta-feira, ela fez um teste rápido e relataram que deu negativo, a gente achava que era pneumonia, mas ela ficou lá isolada enquanto iam fazer outro teste, mas ficou tomando remédios, no sábado de manhã ela estava bem melhor, mas de tarde a gente hoje recebeu uma ligação dizendo que ela havia ido a óbito”, conta o gerente, que questiona o procedimento.
Waxiy vai pedir o prontuário e pedirá ao Ministério Público que investigue a morte. “Essa morte, pelos fatos, precisa ser investigada e os órgãos devem uma explicação, sobre o que de fato ocorreu com minha sogra. Porque, a causa da morte que foi registrada pela UPA é morte por causa indeterminada e com três interrogações, infarto agudo miocárdio? Ou tromboembolismo pulmonar? Ou acidente vascular encefálico? Então é uma coisa que não é conclusiva, praticamente, a causa da morte”, questiona.
Ele também reclama que mesmo sem um outro teste definitivo, a UPA fez medicação para Covid-19, sem ter o resultado definitivo.
Gerente cobra ações nas aldeias
O gerente de educação questiona a falta de ações de órgãos federais para combater o avanço da doença entre os povos indígenas e lamenta. “Não é fácil perder ente queridos, um atrás do outro para a doença, e ainda perdi minha sogra”, diz Waxiy, que pede ações federais nas aldeias.
“O que está acontecendo nas comunidades indígenas, o que eu vejo é falta de atendimento por parte do órgão responsável pela saúde indígena, falta de ação. Precisa de mais atenção para as comunidades, de um trabalho sobre a importância do isolamento, os cuidados sanitários que devem ter e de equipamentos. O que a gente vê, como o caso das barreiras sanitárias, são montadas pelos próprios indígenas, e sem proteção individual adequada. Então é preciso apoio também do órgão indigenista. A gente não vê essas ações junto à comunidade”.
Essa falta de ação é apontada por Waxiy como uma das causas das mortes dos indígenas. Para ele, ainda que os indígenas usem de medicação caseira, é dever dos órgãos agira para impedir mais mortes. “É a falta de ação é o que está levando os indígenas a morte, os indígenas estão fazendo muito remédio caseiro, mas é preciso dessas ações, faltou um hospital de campanha em polos indígenas para acolher, testar e encaminhar os casos graves”, defende.
“Os órgãos federais tinham de ter essa autonomia, tomar essa iniciativa. A gente vê óbito em cima de óbito e a gente vê os órgãos responsáveis sem ação, quando deviam estar mais próximos da comunidade indígena.”
