sábado, 26 de novembro de 2022

BBC Brasil - Como os nordestinos 'inventaram' o Sul do Brasil

 In 

https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63733197

Como os nordestinos 'inventaram' o Sul do Brasil

Cidade de Castro, Paraná. Aquarela de Jean-Baptiste Debret

Domínio Público

Cidade de Castro, no Paraná, em aquarela de Debret; entre os primeiros povoadores do Sul estavam sesmeiros, tropeiros, militares, comerciantes, artesãos, religiosos e sobretudo escravizados nascidos no que depois se chamaria de Nordeste

Manifestações de desprezo e até ódio contra nordestinos marcaram algumas concentrações promovidas por eleitores inconformados com a derrota do presidente Jair Bolsonaro no segundo turno do pleito presidencial, em 30 de outubro. Vídeos e áudios produzidos por estudantes de São Paulo e do Rio de Janeiro incluem, entre outros gestos, expressões degradantes contra brasileiros dos nove Estados do Nordeste.

Esse fenômeno expõe uma divisão política refletida em linhas mais ou menos geográficas: o Nordeste foi a única das cinco regiões brasileiras em que a votação de Luiz Inácio Lula da Silva superou a de Bolsonaro. Mas, na visão de historiadores ouvidos pela BBC News Brasil, essas manifestações expressam também, em uma perspectiva mais abrangente, os impasses e fraturas da formação do Estado nacional brasileiro.

Pesquisadores apontam a ironia de o ânimo antinordestino situar-se na contramão de uma evidência histórica: sem o protagonismo de indivíduos vindos do que é hoje a Região Nordeste, a existência das demais regiões não teria sido possível. 

Entre os primeiros povoadores dessas regiões, especialmente do Sul, estavam sesmeiros, tropeiros, militares, comerciantes, artesãos, religiosos e sobretudo escravizados nascidos na Bahia, em Pernambuco, na Paraíba, no Rio Grande do Norte, no Ceará e no Maranhão.

Essa realidade pode ser constatada não apenas pelo exame dos sobrenomes das famílias mais antigas, muitos dos quais são ramos de célebres clãs baianos e pernambucanos - Azevedo, Coelho, Silva, Freire, Furtado, Melo, Cunha, Borges, Costa, Vieira e outros - como pela observação de tipos físicos, economia, religiosidade e cultura.

Autor da trilogia A Fronteira (2002 e 2015), sobre a fixação dos limites entre Brasil, Uruguai e Argentina, o historiador Tau Golin recomenda cuidado àqueles que, no Rio Grande do Sul, fizerem referência a nordestinos como inferiores. "Ao fazer isso, grande parte dessas pessoas está possivelmente degradando os próprios antepassados. Muitos descendem desses nordestinos", adverte. 

Segundo o historiador, os atuais Estados do Sul e, principalmente, o Rio Grande do Sul foram inicialmente territórios conquistados e ocupados por uma grande variedade de brasileiros vindos do Norte, entre os quais se sobressaem os oriundos da região que hoje corresponde ao Nordeste.

Brasil Partido

João Fellet tenta entender como brasileiros chegaram ao grau atual de divisão.

Episódios

Aqueles que hoje se chamam nordestinos eram especialmente numerosos entre os engajados nas primeiras expedições marítimas à costa rio-grandense. 

"Nos períodos colonial e imperial, o Rio Grande do Sul foi povoado por políticas de Estado e por aventureiros. As políticas de Estado eram executadas por meio de projetos de povoamento territorial e, em época de guerra, pela concessão de lotes rurais e urbanos a soldados", descreve Golin, doutor em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

A história do Rio Grande do Sul é permeada de personagens nascidos e criados na atual região Nordeste que, radicados ou de passagem pelo Sul, ajudaram a mudar a integrar o espaço ao Brasil. 

Foi um militar nascido na Bahia, Domingos Alves Branco Muniz Barreto (1748-1831), o primeiro a incentivar a exploração do charque ("as carnes salgadas que devem ser exportadas a este reino em lugar das que vem da Irlanda") na região de Pelotas, destinada a Portugal pelo Tratado de Santo Ildefonso (1777).

No século 19, outros militares deixaram sua marca na história local, como o marechal Deodoro da Fonseca (de Alagoas), o almirante Custódio José de Mello (da Bahia) e o capitão Tupy Caldas (do Maranhão), a quem muitas vezes é erroneamente atribuída origem gaúcha. 

Para Golin, porém, é um erro limitar a contribuição do atual Nordeste a esses personagens ilustres. 

"São nomes da elite colonial, do Império e da República, conhecidos na história oficial. O fenômeno é muito mais profundo, porque é preciso levar em conta o contingente populacional. Os nordestinos vão contribuir muito na formação gentílica, na mestiçagem", explica Golin.

A influência nordestina no charque

A indústria do charque (chamado de carne de sol no Nordeste), atividade econômica mais importante do Rio Grande do Sul no século 19, é um dos exemplos mais claros da influência nordestina. 

Domínio Público

Imagem de charqueada em Pelotas; pioneiro dessa atividade foi José Pinto Martins, vindo do Ceará

A implantação de charqueadas com vistas à comercialização é atribuída a José Pinto Martins, português que criou a primeira fábrica de charque às margens do Arroio Pelotas ou do Canal de São Gonçalo no último quartel do século. 

Pinto Martins chegou ao Rio Grande do Sul vindo do Ceará, onde já produzia carne de sol. A mudança foi motivada pela seca de 1777, conhecida como "Seca dos Três Sete", que se estendeu até 1880 e provocou a morte de mais da metade da população da região atingida no Nordeste.

"Uma das razões mencionadas para a transferência de Pinto Martins para o Rio Grande é que as secas tinham deixado o gado nordestino em estado reduzido e mal nutrido", afirma Ester Gutierrez, autora de Negros, Charqueadas e Olarias: Um Estudo sobre o Espaço Pelotense (2001). 

Em 1824, Pinto Martins sentiu-se mal e ditou seu testamento. Solteiro, reconheceu como herdeiro João Pinto Martins, filho que tivera com uma ex-escravizada, e deixou dinheiro para dois outros filhos de ex-cativas.

"Esses escravos, que trabalhavam nas embarcações que levavam o charque para o porto de Rio Grande, eram nordestinos. No testamento, Pinto Martins libertou-os", diz a doutora em História pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul.

A ideia de identidades regionais

Para Jocelito Zalla, autor de Simões Lopes Neto e a Fabricação do Rio Grande Gaúcho(2022), a ideia de influência do Nordeste na formação do Sul antes do século 20 deve ser vista com cautela. Foi só a partir dessa época que se firmaram as noções de identidade regional predominantes até hoje. 

"A ideia de Nordeste é recente. Segundo o historiador Durval Muniz de Albuquerque, até os anos 1920 usava-se o termo mais geral 'Norte' para a região. Os traços culturais e sociais, além da definição da paisagem representativa, só se estabelecem nesse período", lembra.

Nos períodos colonial e imperial, diz Zalla, a própria população do que hoje é conhecido como Nordeste definia-se a partir de outros recortes de identidade política, geralmente locais. 

Domínio Público

Charqueada do Brasil, em aquarela feita por Debret; a história do Rio Grande do Sul é permeada de personagens nascidos e criados na atual região Nordeste que ajudaram a mudar a integrar o espaço ao Brasil

"Nem o Nordeste nem o nordestino existiam no período de formação do Rio Grande do Sul. Do ponto de vista da História, as pessoas que emigraram para cá (Sul) ainda não eram nordestinas", assinala.

No século 20, por outro lado, Zalla identifica não apenas trocas simbólicas entre as regiões mas uma verdadeira colaboração na construção das duas identidades, a do Sul e a do Nordeste. 

"A visão de regionalismo de Gilberto Freyre confluiu com a dos modernistas do Rio Grande do Sul, como Moysés Vellinho, principalmente depois dos anos 1930. José Lins do Rego comentou literatura gaúcha em seus livros de crítica literária dos anos 1930 e articulou uma visita de Freyre ao Rio Grande do Sul", enumera o doutor em História pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

No terreno da cultura, essa proximidade evoluiu muitas vezes para a produção de obras. A primeira edição crítica da coletânea Contos Gauchescos e Lendas do Sul, de Simões Lopes Neto (1865-1916), em 1949, não foi organizada por nenhum pesquisador gaúcho, mas pelo alagoano Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1910-1989).

"Ele incluiu na obra um estudo formalista consagratório e um vocabulário que permitiu a compreensão do texto no restante do Brasil, além de mobilizar sua rede de sociabilidade intelectual no Rio de Janeiro para difundir o livro", explica Zalla. 

Outro exemplo é o de Luiz Carlos Barbosa Lessa (1929-2002), um dos fundadores do movimento conhecido como tradicionalismo gaúcho, que, nos anos 1950, em São Paulo, produziu canções e programas regionalistas de TV em parceria com nordestinos e compôs um xote gravado por Luiz Gonzaga (1912-1989).

O preconceito

Isso não significa, de acordo com Zalla, que não existam estigmas relacionados à região que corresponde ao atual Nordeste. "No Rio Grande do Sul, por exemplo, no século 19 chamavam-se de forma pejorativa de 'baianos' todos os brasileiros dos atuais Norte e Nordeste. Isso pode ser mapeado no cancioneiro da Revolução Farroupilha", observa.

Para Golin, esse preconceito antibaiano e antinordestino, no Sul, está ligado a um aspecto central da formação nacional brasileira: a questão racial. 

"Esse problema se manifesta pela questão do fenótipo, do tipo físico, que, por sua vez, se relaciona ao lugar social dos nordestinos. Essa base, que vai se associar à ignorância histórica, tem um lastro muito acentuado entre os descendentes de migrantes", afirma.

Golin define esses contingentes como "grandes cotistas". "São pessoas que vêm para o Brasil com grandes vantagens, num processo de migração que tinha por paradigmas o estímulo à pequena propriedade e à produção para o mercado interno e, principalmente, o processo de apagamento da história da escravidão e o branqueamento da população", explica.

O pano de fundo dessa política foi, na opinião do historiador, o desejo do Império do Brasil de participar do Concerto das Nações. 

Os migrantes instalaram-se em espaços desprezados pelo latifúndio e pela grande empresa rural: os territórios indígenas. "Foi preciso convencer esses migrantes, com um discurso ideológico e racial, de que estavam vindo para o Brasil travar uma luta entre civilização e barbárie", argumenta.

O resultado foi que, nas regiões de predomínio de migrantes, a população assentada tende a situar tudo que não se assemelha a sua etnia "em um nível inferior", diz Golin. 

"Seu discurso se expressa em chacotas, mas também em formulações políticas, como uma forma de diminuição do que não pertence à comunidade de origem migrante. Os 'estranhos' são os brasileiros, os negros", conclui.

Este texto foi publicado originalmente em 


https://www.bbc.com/portuguese/brasil-63733197

sábado, 12 de novembro de 2022

De Richard Nixon a Margaret Thatcher, todos eram dirigentes que, sem recuar diante dos desafios, foram capazes de superá-los

Fonte: Estadão Internacional


https://www.estadao.com.br/internacional/os-estadistas-preferidos-de-henry-kissinger-leia-a-coluna-de-mario-vargas-llosa/ 

Os estadistas preferidos de Henry Kissinger; leia a coluna de Mario Vargas Llosa

De Richard Nixon a Margaret Thatcher, todos eram dirigentes que, sem recuar diante dos desafios, foram capazes de superá-los

Não é extraordinário que um livro escrito por alguém que acaba de completar 99 anos tenha a excelência vista em Leadership (Liderança, em tradução livre), tanto em suas opiniões quanto na descrição dos feitos que marcam aos seus seis preferidos na nomenclatura mundial? 

Neste livro publicado recentemente, Henry Kissinger destaca seis estadistas que, diz ele, são seus preferidos, a saber: Konrad Adenauer, Charles de Gaulle, Richard Nixon, Anuar Sadat, Lee Kuan Yew e Margaret Thatcher.

Com a exceção de Nixon, que não tem razão de estar neste grupo depois das fraudes que proporcionou (mas não podemos esquecer que foi este presidente quem tirou Kissinger de Harvard, onde ensinava história, e o nomeou assessor da presidência dos EUA, ao que Kissinger deve sua enorme popularidade).

O livro é muito bem escrito e os motivos evocados por Kissinger na escolha de seus seis estadistas são de peso. E também os motivos de ter escolhido esses seis estadistas e não outros líderes ocidentais. Um dos mistérios entre as aparições neste livro está Lee Kuan Yew, o verdadeiro criador da ilha de Cingapura, que apresenta o padrão de vida mais alto do mundo e foi “demitida” pela Malásia, que a considerava uma âncora para o seu desenvolvimento.

Seu caso é verdadeiramente trágico para os pobres malaios. Esta história é extraordinária, sobretudo considerando que seu desenvolvimento e modernidade se devem, exclusivamente, ao esforço de seus habitantes, o que permitiu aos moradores daquela ilha encarnar um dos países mais avançados do mundo (segundo algumas estatísticas, é o mais avançado do mundo).

Continua após a publicidade

O critério que segue Kissinger para escolher seus “estadistas” favoritos – que ele explica muito bem no seu livro- é a importância atribuída a eles pelo mundo inteiro e seus feitos em termos de alimentação, trabalho e padrão de vida, algo que torna Cingapura um caso muito especial: deixou de ser um dos países mais pobres para se tornar uma ilha onde todos têm empregos e altos salários, e, além disso, constitui um paradigma que os países pobres do mundo quiseram imitar, justificando totalmente a escolha de Lee Kuan Yew entre este conjunto de excelências que constitui a grossa parte dos estudos de Leadership. 

No livro está a descrição de como ocorreu esse milagre e, entre outras coisas, da extraordinária visão do seu líder, aproveitando a situação da ilha e convertendo-a, pouco a pouco, em um paraíso de segurança onde poderiam ser abrigados os bens dos melhores empresários do mundo. A palavra-chave é “honradez”. A severidade de suas leis tem a ver com o prestígio dessa ilha, que soube – era o mais difícil – apostar sua aceitação enquanto uma das realizações mais efetivas da nossa época, como um dos países que levou aos seus extremos o desenvolvimento e a preeminência no padrão de vida da sua população.

O general De Gaulle aparece como foi: um ser fora de série (e de época) que, em que pese a hostilidade que sempre demonstrou contra a Inglaterra – opôs-se tanto tempo à integração deste país na Europa até consegui-lo –, converteu a França durante seu mandato em um país privilegiado, ao que todos os outros faziam concessões e davam prerrogativas. De Gaulle só defendia os interesses da França, algo que era insólito, pois tudo aquilo ocorria quando o que contava era o desaparecimento das “nacionalidades” e os países renunciavam a este velho simbolismo em nome da constituição de conjuntos, como a Otan e a União Europeia, que tendem a substituir as nações históricas por conjuntos supranacionais.

O primeiro-ministro inglês Winston Churchill e o presidente francêsCharles DeGaulle desfilam em Paris após a vitória na 2ª Guerra
O primeiro-ministro inglês Winston Churchill e o presidente francêsCharles DeGaulle desfilam em Paris após a vitória na 2ª Guerra 

O líder egípcio Anuar Sadat, que aqui figura com sua paciente e dolorosa biografia, tem como grande mérito ter transformado radicalmente as relações do Egito com Israel, com quem desenvolveu uma colaboração eficaz, sendo o primeiro país árabe a fazê-lo, algo que, por mais que até agora tenha mostrado mais fórmula do que conteúdo, se presta, no futuro, a servir de exemplo a outros países árabes, mostrando que ter uma boa relação com Israel é possível.

Continua após a publicidade

Embora todos os ensaios apresentem um alto nível de escrita – e a aparição de Henry Kissinger lhes confere um interesse adicional, às vezes recebendo esses líderes e opinando junto a eles –, o melhor ensaio, e certamente aquele com o qual ele mais se identifica, é o dedicado a Margaret Thatcher. Esse texto é uma verdadeira delícia e, sem dúvida, é o melhor da série. Aí está, em detalhes, toda a vida profissional da sra. Thatcher, que, em seus primórdios, era apenas uma destacada estudante de química na Universidade Oxford e conseguiu ascender para se tornar a primeira mulher a ocupar a liderança na Inglaterra, chegando a acumular um poder fora de série. Ela também conseguiu – pela primeira vez – que os conservadores ganhassem as eleições inglesas três vezes seguidas. 

Estou certo de que aqueles de nós que ali viveram naqueles anos jamais esquecerão a extraordinária verve que Margaret Thatcher espalhou para a Inglaterra, um país que havia se acostumado ao seu declínio, e do qual a sra. Thatcher transmitiu uma ousada e notável reflexão para a Europa, algo que, com o famoso Brexit, foi frustrado (até que um líder semelhante volte a liderar os destinos ingleses). 

Foi a primeira vez que uma líder conservadora como a sra. Thatcher foi derrotada, nos anos em que brilhou, por uma conspiração dentro do próprio partido, que foi destruído graças àquele palhaço popular, Boris Johnson. Seria uma imensa tristeza se ele voltasse a liderar o Partido Conservador.

Os perfis dos personagens estão muito bem traçados e no livro encontram-se todos os dados necessários para conhecê-los. Mas, e nisto há um grande mérito no ensaio, os apontamentos biográficos são igualmente substanciais, e o leitor pode seguir, passo a passo, a evolução de suas vidas ao lado de suas obras, ou seja, os desígnios que trataram de alcançar, trabalhando como fizeram para mudar seus países para melhor. 

Todos eles tiveram esse mérito: seus países mudaram de aspecto e perfil com a passagem deles pelo poder, mas, claro, o significado de cada um foi distinto, por mais que todos tenham influenciado e transformado a percepção de seus países diante do mundo.

A sra. Thatcher, por exemplo, mudou a percepção que se tinha da Inglaterra no restante da Europa. Mas, após a recuperação das Malvinas, teve-se uma visão distinta da Inglaterra e da sua primeira-ministra, a sra. Thatcher.

Continua após a publicidade

Juntamente com os escolhidos, Leadership tem algumas páginas em que Henry Kissinger explica as razões pelas quais, acredita, esses “escolhidos” mudaram a percepção de seus países no âmbito em que transitavam. 


E seu ensaio insiste que essas lideranças significaram uma mudança profunda na função presidencial. De maneira que todos eles – com exceção, talvez, do general De Gaulle – transformaram profundamente suas sociedades, deixando uma brasa que ainda não se apagou.

E todos eles foram dirigentes que trabalharam com sortes diferentes, como líderes que, sem recuar diante dos desafios que encontraram, foram capazes de superá-los. E a maior prova disso é a marca que deixaram. / TRADUÇÃO DE AUGUSTO CALIL

Almost two years to the day since the first shots were fired, a pact to end Ethiopia’s civil war was signed on November 2nd. Hundreds of thousands of people may have died from bombs, bullets or war-induced hunger and disease

 Fonte: Economist


https://www.economist.com/middle-east-and-africa/2022/11/04/a-peace-deal-highlights-the-pointlessness-of-ethiopias-war


A peace deal highlights the pointlessness of Ethiopia’s war

Abiy Ahmed and Tigray’s leaders have little to show for two years of fighting

Tigré: au pays de la faim.Hunger in Tigray.Sur la route entre Mekele et Bomba, district de Gidget.Stigmates de la dernière offensive des forces tigréennes (juin 2021).

Almost two years to the day since the first shots were fired, a pact to end Ethiopia’s civil war was signed on November 2nd. Hundreds of thousands of people may have died from bombs, bullets or war-induced hunger and disease. The pact underlines how needless the suffering was. 

Listen to this story.
Enjoy more audio and podcasts on iOS or Android.


The two main parties—Ethiopia’s government and the Tigrayan People’s Liberation Front (TPLF)—seem to have gained almost nothing. Meanwhile, millions of inhabitants of Tigray, a region in the north, and many in the adjoining regions of Afar and Amhara (see map) have had their homes razed and their crops burned. Wide areas have been ethnically cleansed. Countless women have been raped. 

The peace deal called for an immediate halt to fighting between forces loyal to Abiy Ahmed, Ethiopia’s prime minister, and those supporting the TPLF. The parties also promised an unhindered flow of aid. That will offer relief to the 5m-6m civilians in Tigray who have been under blockade by government forces for most of the war. Hundreds of thousands are starving. António Guterres, the UN secretary-general, called the deal a “welcome first step” which ought to “bring some solace to…millions of Ethiopian civilians”. 

The agreement goes much further than a simple ceasefire. It sets a blueprint for future relations between Tigray and the federal government, whose “constitutional authority” over the region is to be restored. Federal troops are to enter Mekelle, the region’s capital, and Tigrayan forces are to be demobilised within 30 days. 

The government will lift its designation of the tplf as a terrorist group. An “inclusive interim” administration will govern the region until elections are held. In effect that will mean the dissolution of the TPLF-led regional government, elected in September 2020 in defiance of a federal government edict. It was this election that set the country on its path to war three months later when Abiy, furious at Tigray’s defiance of federal authority, massed troops on the region’s borders. This prompted a pre-emptive strike by the TPLF.

Many Tigrayans think the deal amounts to a surrender. They witnessed months of murders, rapes and forced starvation in their homeland the previous time federal troops occupied it. Disbelief is palpable among those who left. “Shock, indignation, denial, condemnation, the whole package,” says one living elsewhere in Ethiopia. “There’s a huge demand for the TPLF to publicly explain the deal.” Its leaders have tersely claimed they defended Ethiopia’s constitutional order.

Their reluctance to say more may be because they expect a backlash. For months the TPLF’s top brass had insisted that their forces held the upper hand in the fighting. TPLFleaders had also promised not to concede any of their “non-negotiable” demands, which included the withdrawal of Eritrean troops and the return of territories annexed by the neighbouring Amhara region. In the end Eritrea, whose troops fought alongside Ethiopian government forces, did not warrant a single mention in the agreement. The status of the “contested areas”, meanwhile, is to be resolved “in accordance with the constitution” (some think that could mean a referendum) at an indeterminate point in the future. 

That it gave up so much is probably a reflection of the TPLF’s weakness on the battlefield and the suffering of Tigrayan civilians under the blockade. But some still think it caved too soon. One former Ethiopian diplomat reckons it made “too many concessions”, possibly because it was under pressure from America. 

Speaking at a rally in southern Ethiopia on November 3rd, Abiy proclaimed “victory”, and crowed that “100%” of his side’s proposals had made it into the final agreement. One of his close advisers, an Orthodox Christian preacher who last year called the TPLFa “weed” to be wiped off the face of the earth, drew comparisons to the battle of Adwa, when Ethiopians from all corners defeated Italian invaders in 1896. 

Officials in the finance ministry hope that the deal will lead to the swift resumption of a much-needed IMF programme to save Ethiopia’s war-wrecked economy and unlock further donor funds for reconstruction. Yet that will depend on the ceasefire holding and the successful implementation of the peace agreement. In theory, the African Union, which convened the talks, is to act as guarantor. But it lacks teeth. “We have to see what happens on the ground,” says Mikiale Teklu, a Tigrayan now living abroad. “But I don’t believe Abiy Ahmed.” 

Once more unto the next breach

Even if this deal marks an end to the war with Tigray, other conflicts still fester in Ethiopia. Abiy faces opposition from many in Amhara, for instance, who say they were not represented in the talks and worry that the government will eventually hand the disputed territories they occupy back to Tigray. Militias from Amhara are also at war with parts of Oromia, Abiy’s home region. And Oromia itself is racked by armed insurgency. There is little reason to think Abiy’s government is seriously considering talks with the rebels there.

Ethiopia’s recent history is another reason to be cautious. The war it fought against Eritrea, which erupted in 1998 and within two years had resulted in perhaps 100,000 deaths, was supposed to have ended with a “cessation of hostilities” in June 2000. A peace agreement was signed within six months. It has yet to be properly implemented more than two decades later.