domingo, 17 de dezembro de 2023

PGR pede ao Supremo que proíba uso de programas hackers em órgãos públicos

 

Muito interessante a ADO 84

PROCESSO ELETRÔNICO PÚBLICO

NÚMERO ÚNICO: 0091455-54.2023.1.00.0000

AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE POR OMISSÃO

Origem: DF - DISTRITO FEDERAL Relator: MIN. CRISTIANO ZANIN

REQTE.(S)PROCURADORA-GERAL DA REPÚBLICA INTDO.(A/S)CONGRESSO NACIONAL PROC.(A/S)(ES)ADVOGADO-GERAL DA UNIÃO



O Texto do Jota traz um resumo, mas é fundamental ler as 58 páginas da ação proposta pela PGR neste link



Fonte: https://www.jota.info/stf/do-supremo/pgr-pede-ao-supremo-que-proiba-uso-de-programas-hackers-em-orgaos-publicos-16122023


PGR pede ao Supremo que proíba uso de programas hackers em órgãos públicos


A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu, nesta quarta-feira (13), que Supremo Tribunal Federal (STF) reconheça a omissão do Congresso Nacional em regulamentar o uso de programas hackers por órgãos e agentes públicos. Foto: Unsplash

A Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu, nessa quarta-feira (13/12), que Supremo Tribunal Federal (STF) reconheça a omissão do Congresso Nacional em regulamentar o uso de programas hackers por órgãos e agentes públicos. Pede ainda que a Corte estipule um prazo para os parlamentares legislarem sobre a matéria e solicita que, enquanto não houver legislação definida, o STF também atue no sentido de afastar a possibilidade de arbitrariedades no uso desses softwares por órgãos públicos.

Para isso, a PGR solicita à Corte que determine a proibição do uso desses programas pelas Forças Armadas, agentes públicos de inteligência, forças policiais civis e militares de todas as esferas, órgãos de inteligência e investigação criminal sem autorizações judiciais. A ação afirma que a lacuna normativa impacta nos direitos fundamentais à intimidade, privacidade, e à inviolabilidade do sigilo das comunicações pessoais. O relator do pedido é o ministro Cristiano Zanin.

A Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO) 84 cita o First Mile exemplo de programas de monitoramento secreto que precisa de regulamentação. O software espião foi usado sem autorização judicial pela Agência Brasileira de Inteligência (Abin) na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro.


Segundo a PGR, embora a legislação defina os requisitos para medida judicial de interceptação de telefones, as novas ferramentas de hackeamento permitem o acesso a uma série informações complementares, como: monitoramento de conversas, escuta do som ambiente, captura de imagens, localização em tempo real etc.

“É que, a partir dos mais recentes avanços tecnológicos, houve uma proliferação global de ferramentas de intrusão virtual, utilizadas no âmbito de serviços de inteligência e de órgãos de repressão estatais, para a vigilância remota, secreta e invasiva de dispositivos móveis de comunicação digital, sob o pretexto do combate ao terrorismo e ao crime organizado”, afirma.

A ação destaca que Gabinete do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos tem observado o uso ilegítimo desses recursos para a violação do direito a intimidade. Além disso, o pedido relembra que a utilização de softwares hacker por regimes que pretendem “espionar jornalistas, defensores e ativistas de direitos humanos, adversários políticos e, até mesmo, chefes de Estado”.

Para a PGR, mesmo com a lei que regulamenta a interceptação de ligações telefônicas, o Marco Civil da Internet e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGDP), não há garantias jurídicas de proteção para abuso de softwares de invasão da privacidade por agentes públicos.

Em relação ao Congresso Nacional, ação afirma que o Poder Legislativo precisa regular o uso e controle das três principais ferramentas no mercado: “1) spywares, como o Pegasus do NSO Group, que intercepta dados ao infectar um dos dispositivos envolvidos na comunicação; 2) Imsi Catchers, como o Pixcell (NSO Group) e o GI2 (Cognyte/Verint), que simulam estações rádio-base capturando dispositivos próximos; 3) dispositivos que rastreiam a localização de um alvo específico através da rede celular, como o First Mile (Cognyte/Verint) e o Landmark (NSO Group)”.

Nino Guimarães – Repórter em Salvador. Atua na cobertura política e jurídica do site do JOTA. Estudante de Jornalismo na Universidade Federal da Bahia. Foi estagiário de jornalismo em A Tarde e no Ministério Público Estadual da Bahia. E-mail: nino.guimaraes@jota.info



sábado, 14 de outubro de 2023

Entenda a história de Gaza e como o Hamas passou a controlar o território ............... Região serviu de refúgio para palestinos expulsos de suas terras após conflitos com Israel

Matéria da Folha de São Paulo disponível em  


https://www1.folha.uol.com.br/mundo/2023/10/entenda-a-historia-de-gaza-e-como-o-hamas-passou-a-controlar-o-territorio.shtml





Entenda a história de Gaza e como o Hamas passou a controlar o território

Região serviu de refúgio para palestinos expulsos de suas terras após conflitos com Israel

Gaza é uma faixa costeira de terra situada em antigas rotas comerciais e marítimas ao longo da costa do mar Mediterrâneo. A região foi administrada pelo Império Otomano até 1917 e, desde então, passou do domínio militar britânico para o egípcio e para o israelense. Agora, é um enclave habitado por mais de 2 milhões de palestinos e administrado pelo Hamas, grupo muçulmano considerado terrorista pelas grandes potências ocidentais.

Entenda, ponto a ponto, a história territorial do conflito entre Israel e Hamas

Início do século 20: judeus migram para a região da Palestina

Ao longo dos anos 1910 a 1930, milhares de judeus migraram para a região da Palestina. Esse território havia sido habitado pelos judeus na Antiguidade, mas abandonado por eles na diáspora judaica, como ficou conhecida a dispersão forçada dos judeus por várias regiões do mundo também na Antiguidade.

A migração dos judeus no início do século 20 foi motivada pelo sionismo, movimento que defendia a criação de um Estado judeu na Palestina como solução ao antissemitismo na Europa. Naquele momento, porém, a região era controlada pelo Império Otomano, que seguia oficialmente o islamismo. Além disso, os palestinos habitavam aquela área há séculos e não ficaram satisfeitos com a migração de judeus.

Após o fim da Primeira Guerra Mundial, a região passou a ser controlada pelo Império Britânico, que em busca de apoio prometeu aos judeus a criação de um Estado judeu ao final do conflito.

Segunda Guerra Mundial: criação do Estado de Israel e início de guerras regionais

Após a Segunda Huerra mundial, quando forças nazistas mataram ao menos seis milhões de judeus, o Reino Unido abriu mão de seu controle sob a Palestina. O vão de poder naquele momento aumentou as tensões entre árabes e judeus, e a situação foi entregue às Nações Unidas.

Em novembro de 1947, a ONU decidiu dividir o território da Palestina. De acordo com a resolução, pouco mais da metade do território ficaria com Israel, e o restante com os palestinos –em Gaza e na Cisjordânia. Meses depois, em maio de 1948, foi criado o Estado de Israel e, simultaneamente, começou a guerra entre árabes e israelenses.

A primeira guerra árabe-israelense, como o conflito ficou conhecido, encerrou em 1949, com a vitória de Israel. Naquele momento, dezenas de milhares de palestinos se refugiaram em Gaza. A expulsão desse povo ficou conhecida como "nakba", que significa catástrofe em árabe.

Logo em seguida, o Egito conquistou uma estreita faixa costeira de 40 quilômetros de comprimento, que ia do Sinai até o sul de Ashkelon, cidade israelense –essa faixa é hoje conhecida como Faixa de Gaza. O afluxo de refugiados fez com que a população de Gaza triplicasse para cerca de 200 mil pessoas.

Décadas de 1950 e 1960: o regime militar egípcio

O Egito manteve a Faixa de Gaza durante duas décadas sob um governo militar. A administração permitia aos palestinianos trabalhar e estudar no Egito.

Final da década de 1960: guerra e ocupação militar israelense

Israel capturou a Faixa de Gaza e parte da Cisjordânia na Guerra dos Seis Dias, em 1967. Um censo israelense naquele ano estimou a população de Gaza em 394 mil, dos quais pelo menos 60% eram refugiados.

Com a saída dos egípcios, muitos trabalhadores de Gaza conseguiram empregos nas indústrias agrícola, de construção e de serviços dentro de Israel, aos quais podiam ter acesso fácil. As tropas israelenses permaneceram para administrar o território e proteger os assentamentos que Israel construiu na região nas décadas seguintes.

Década de 1980: primeira revolta palestina e criação do Hamas

Vinte anos após a guerra de 1967, os palestinos organizaram sua primeira revolta. Tudo começou em dezembro de 1987, após um acidente de trânsito em que um caminhão israelense colidiu com um veículo que transportava trabalhadores palestinos no campo de refugiados de Jabalya, em Gaza, matando quatro pessoas. Após o acidente, os palestinos organizaram protestos violentos, greves e paralisações.

No mesmo período, a organização radical egípcia Irmandade Muçulmana criou um ramo armado palestino, o Hamas. Dedicado à destruição de Israel, o Hamas se tornou um rival político do partido Fatah, principal movimento político até hoje da Palestina.

Início da década de 1990: os acordos de Oslo e a semiautonomia palestina

Israel e os palestinos assinaram um acordo de paz histórico em 1993 que levou à criação da Autoridade Palestina, comandada justamente pelo Fatah. Os palestinos receberam inicialmente o controle limitado de Gaza e de Jericó, na Cisjordânia. Após os acordos, o líder da Organização para a Libertação da Palestina, Yasser Arafat e fundador do Fatah, voltou à Gaza –ele estava há décadas exilado.

O processo de Oslo deu à recém-criada Autoridade Palestiniana alguma autonomia e previu a criação de um Estado após cinco anos. Mas isso nunca aconteceu. Israel acusou os palestinos de negarem os acordos de segurança, e os palestinos ficaram irritados com a contínua construção de assentamentos israelenses em Gaza e na Cisjordânia.

O Hamas e a Jihad Islâmica realizaram bombardeamentos para tentar inviabilizar o processo de paz, levando Israel a impor mais restrições à circulação de palestinos para fora de Gaza.

Anos 2000: Saída de Israel da Faixa de Gaza e poder do Hamas

No início dos anos 2000 aconteceram vários atentados suicidas e ataques a tiros por parte de palestinos. Israel respondeu com ataques aéreos, demolições e toques de recolher.

Um dos alvos foi o Aeroporto Internacional de Gaza, inaugurado em 1998 e símbolo das esperanças dos palestinos de independência econômica e única ligação direta da região ao mundo exterior que não era controlada por Israel ou pelo Egito. Israel considerou o aeroporto uma ameaça à segurança e destruiu a antena do radar e a pista alguns meses após os ataques de 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos.

Outro alvo foi a indústria pesqueira de Gaza, fonte de rendimento para dezenas de milhares de pessoas. A zona de pesca de Gaza foi reduzida por Israel, uma restrição que disse ser necessária para impedir o contrabando de armas.

Em agosto de 2005, Israel retirou todas as suas tropas e colonos de Gaza. Tel Aviv também removeu fábricas, estufas e oficinas dos colonatos que empregavam alguns habitantes de Gaza. Os palestinos, por sua vez, demoliram os edifícios abandonados e a infraestrutura israelense.

Em 2006, o Hamas obteve uma vitória surpreendente nas eleições parlamentares palestinas e depois assumiu o controle total de Gaza, derrubando forças leais ao sucessor de Arafat, o presidente palestino, Mahmoud Abbas. Grande parte da comunidade internacional cortou a ajuda aos palestinos nas áreas controladas pelo Hamas, inclusive o Egito. Desde então, a economia de Gaza tem sofrido repetidamente.

Últimos anos: mais conflitos

Antes do atual conflito, alguns dos piores combates ocorreram em 2014, quando o Hamas e grupos aliados lançaram foguetes contra cidades centrais de Israel. Em seguida, Tel Aviv realizou ataques aéreos e bombardeios de artilharia que devastaram bairros de Gaza. Mais de 2.100 palestinos foram mortos, a maioria civis. Nos últimos anos, o Hamas e o governo israelense trocaram mais disparos de foguetes e mísseis.

sexta-feira, 14 de julho de 2023

Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais do CNMP apresenta balanço de gestão do biênio; representante do MPTO participa

 Atualizado em 14/07/2023 15:42


Clique na imagem ou nas miniaturas para dar zoom

  • Registro dos participantes da reunião
  • Promotor de Justiça João Edson de Souza registrou homenagem ao presidente do CDDF

A Comissão de Defesa dos Direitos Fundamentais (CDDF) do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) apresentou, na quarta-feira, 12, balanço de gestão correspondente ao período de outubro de 2021 a julho de 2023. O evento marcou, também, a despedida de Otavio Rodrigues da presidência da CDDF e do CNMP, após dois mandatos de conselheiro. Ele recebeu diversas homenagens. Também sintetizou os feitos de sua gestão.


“Conseguimos aprovar, em termos normativos, sejam por meio de recomendações, sejam por meio de resoluções, talvez, neste biênio, o maior número de normas de caráter histórico relativamente a gênero, etnia e raça”, destacou.


Presença do MPTO

O promotor de Justiça João Edson de Souza, que é membro do Grupo de Trabalho de Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas e de Comunidades Tradicionais, participou da solenidade. Ele também registrou homenagem ao presidente do CDDF.


“O trabalho do conselheiro se deu em período extremamente difícil para os direitos fundamentais, com reflexos da pandemia. Mas mesmo com as dificuldades, a Comissão manteve suas atividades e continuou a contribuir com o trabalho do Ministério Público brasileiro, fato que ressalta, ainda mais, a competência e dedicação do conselheiro Otávio Rodrigues”, pontuou.


Balanço

Ao sintetizar a gestão da CDDF no biênio, Otavio Rodrigues destacou que a comissão teve interlocução intensa com a sociedade e com a parte político-representativa da sociedade, como a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, o Poder Executivo e as entidades representativas do Ministério Público.


Também foi apresentado que a comissão, durante o biênio, instituiu sete grupos de trabalho e dois comitês, apresentou quatro propostas de atos normativos, realizou 16 eventos, assinou quatro acordos de cooperação técnica e um termo de execução descentralizada, acompanhou mais de dois casos da Comissão e da Corte Interamericana de Direitos Humanos, participou de quatro audiências públicas, de três missões internacionais e de três reuniões do Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH) do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais, produziu quatro publicações, realizou duas visitas técnicas e 21 campanhas nas redes sociais do CNMP e instituiu o Prêmio CNMP Corte IDH.


Ainda foram mencionadas, como parte do balanço de gestão, as publicações lançadas e as campanhas publicitárias realizadas pela CDDF.


Mais detalhes podem ser conferidos no portal do CNMP.

sexta-feira, 26 de maio de 2023

Os jovens são os que mais sofrem com os altos índices de homicídios em Palmas

 Os jovens são os que mais sofrem com os altos índices de homicídios em Palmas

 

Na semana em que comemora seu 34º aniversário a capital mais jovem do país, Palmas, chega ao alarmante número de 67 homicídios registrados neste ano de 2023, superando em muito a marca alcançada no mesmo período de 2022 em que ocorreram 24 crimes dessa natureza.

 

Dados preliminares do Censo de 2022 indicam que a capital do Tocantins possui 334.454 habitantes, estando entre as dez capitais com o melhor índice de desenvolvimento humano, sendo classificado como alto. Mesmo com essa boa colocação entre as 27 capitais com bom índice de desenvolvimento humano e também uma população pequena, em comparação com os grandes centros urbanos do sul e sudeste – e mesmo do nordeste -, o sistema de segurança pública não tem obtido sucesso no combate ao crescente número de crimes de homicídios e isso muito provavelmente decorre da inexistência de políticas públicas na área de segurança pública. 

 

Para buscar conhecer melhor o planejamento da Secretaria de Estado da Segurança Pública e da Polícia Militar, hoje com autonomia de secretaria de estado, realizamos a leitura do plano estadual de segurança pública e defesa do social do Estado do Tocantins, denominado também como PESSE, disponível de forma acessível no site da ambas as secretarias de estado, pois se trata de instrumento fundamental e norteador do planejamento estratégico do Governo do Estado. No caso do Tocantins o PESSE foi elaborado em 2018 e deverá orientar o planejamento e as políticas públicas do Estado para o período de 2019-2029.

 

A leitura do PESSE, que é também um instrumento indispensável para que o Governo Federal repasse recursos para a segurança pública do Estado, apresenta-se bastante lacônica, sem delimitar ações específicas ou mesmo concretas que devam ser executadas no período de dez anos em que deve reger as ações de segurança pública no Tocantins. Chama a atenção que, parte da equipe responsável pelo documento, com nomes listados na contracapa, foi afastada de suas funções em outubro de 2021, por ordem do Superior Tribunal de Justiça. Não sendo possível constatar no site se alguma alteração, ou atualização, foi feita após esse episódio e a transição para um novo governo em 2023.

 

Embora esses fatos não tenham relação direta com os altos índices de homicídios na cidade de Palmas, é fato que o PESSE apresenta um plano de ação para a estrutura de segurança pública no Estado nos termos do que propõe e exige a Lei 13.675, que trata do Sistema Único de Segurança Pública e da Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social, nos levando a crer que a atuação dos órgãos de segurança pública ocorre  de forma meramente reativa.

 

Com efeito, mesmo considerando que o funcionamento do sistema de segurança depende de um compartilhamento de responsabilidades com toda a sociedade, não se pode olvidar que a segurança pública é, antes de tudo, um dever do Estado. Para que se apresente legítima qualquer cobrança por parte dos órgãos de segurança pública em face da comunidade, primeiro, é necessário que o Estado formule políticas públicas e, segundo, sejam adotadas medidas concretas para atrair a comunidade para compor essas políticas na área de segurança pública. 

 

Entre as diretrizes da legislação nacional vigente sobre a segurança pública está a orientação para que os Estados incentivem programas e projetos que tenham como foco a difusão da cultura da paz, a segurança comunitária e o desenvolvimento de políticas públicas transversais, que envolvam os temas segurança pública e outras áreas, como saúde e educação. 

 

Porém, o mais grave nesse contexto é o perfil das vítimas, o qual podemos descobrir acessando a plataforma de dados da Secretaria de Segurança Pública. As informações produzidas pelo Núcleo de Coleta e Análise Estatística, mostram que os jovens foram os mais atingidos no período em análise, sendo que parte significativa das vítimas está na faixa de 20 anos e a maioria tem menos de 30 anos de idade. Isso tudo materializa uma tragédia para as dezenas de famílias que sofrem com a morte de entes queridos e ainda gera uma enorme insegurança para os jovens que saem diariamente de seus lares para estudar e trabalhar, vislumbrando um futuro promissor nesta cidade. 

 

 

* João Edson de Souza é associado do Fórum Brasileiro de Segurança Pública e pesquisado do Research Centre for Justice and Governance (JusGov/UMINHO)

quinta-feira, 13 de abril de 2023

A inteligência artificial generativa pode revolucionar a prestação jurisdicional no Brasil?

 Texto publicado no Estadão: 


https://www.estadao.com.br/politica/blog-do-fausto-macedo/a-inteligencia-artificial-generativa-pode-revolucionar-a-prestacao-jurisdicional-no-brasil/



A inteligência artificial generativa pode revolucionar a prestação jurisdicional no Brasil?

João Edson de Souza*

 

Uma breve pesquisa na internet nos mostra que o Poder Judiciário brasileiro já vem utilizando a inteligência artificial (IA) como ferramenta de trabalho. Um bom exemplo é a inteligência artificial Athos, que foi desenvolvida pelo Superior Tribunal de Justiça a partir de junho de 2019, como forma de intensificar a formação dos denominados precedentes qualificados e que vem apresentando resultados positivos. Também ciente da importância do tema, o Conselho Nacional de Justiça vem provendo estudos por meio de grupos de trabalho e fazendo um levantamento sobre o uso dessas tecnologias nos 92 tribunais brasileiros. 

 

Na advocacia privada, com a chegada da IA, também se espera uma guinada radical na forma de trabalho dos escritórios. Embora ainda restrito a grandes escritórios de advocacia, nos Estados Unidos em especial, a IA já ganhou espaço auxiliando na escolha da melhor jurisdição para apresentação de ações coletivas e, também, na previsão de decisões judiciais que envolvam quantias vultuosas de recursos a serem investidos e na estimativa de lucros com a demanda. 

 

Isso tudo é realmente interessante do ponto de vista tecnológico e importante do ponto de vista operacional de instituições públicas e privadas, mas o que de fato importa questionar é até que ponto a IA poderá contribuir com o cidadão que demanda maior agilidade e capacidade de decisão do sistema de justiça, pois muitos aguardam uma decisão definitiva para seus processos. São ações de cobrança, indenizatórias, possessórias, inventários e muitas demandas criminais que aguardam uma solução por anos e até décadas, por vezes. 

 

A dita revolução que a inovadora IA generativa imporá ao mundo, muito anunciada nestes primeiros meses de 2023, pode realmente influenciar e mudar a forma como funciona o sistema judicial, de modo a trazer benefícios aos cidadãos? Sem dúvida, esta não é uma pergunta que possa ser respondida de forma simples e precisa, mas as perspectivas são positivas. 

 

O quanto a IA generativa – inovadora em relação a tudo que tínhamos em utilização até este momento – vai influenciar o mundo jurídico vai depender, principalmente, dos limites impostos pelo Conselho Nacional de Justiça e, também, pelo Congresso Nacional, por razões óbvias. São muitas as formas com que essa ferramenta poderá contribuir para melhorar a prestação jurisdicional. No entanto, a questão mais inquietante, provavelmente, seja a capacidade da IA generativa proferir decisões judiciais, mesmo que essas precisem vir a ser chanceladas por um magistrado, pois somente este está investido de jurisdição para essa função nos termos constitucionais. 

 

Um debate similar será apresentado em relação ao Ministério Público. Diante de milhares de inquéritos policiais, a IA generativa estará, em um futuro (muito) próximo, capacitada a redigir uma peça acusatória, a desencadear a persecução penal? Ou, quem sabe, para verificar se existem condições para um acordo de não persecução penal e redigi-lo? Claro que aqui, também, tudo deve se dar sob supervisão de um promotor de justiça. Mas como essa matéria deverá ser regulada pelo Conselho Nacional do Ministério Público e pelo legislador? São muitas as dúvidas, mas também há certezas relacionadas à capacidade da IA generativa, que vem apresentando ao mundo a sua incrível capacidade e gerando inclusive algum temor por parte de personalidades ligadas a novas tecnologias, as quais divulgaram carta pedindo aos desenvolvedores da IA generativa que suspendam o desenvolvimento do software por algum tempo. 

 

Evidentemente, existirá um debate filosófico profundo sobre as consequências que o uso da IA generativa irá acarretar aos rumos da humanidade. De toda forma, já podemos testar a capacidade da IA generativa, pois sua versão de teste está disponível na internet. Com isso, uma avaliação de suas habilidades é facilmente feita quando se apresenta à IA generativa uma hipótese fática onde um indivíduo agride outro, causando-lhe lesões corporais. Agregam-se a esse cenário elementos que possam construir uma legítima defesa e a pergunta: há legítima defesa na hipótese e o agressor deve ser absolvido? Pronto, a resposta vem de imediato. No caso, a hipótese foi apresentada à IA conhecida como ChatGPT (a sigla GPT refere-se a transformador generativo pré-treinado), e a resposta foi extremamente satisfatória. A IA generativa teceu comentários ajustados sobre a doutrina da legítima defesa em uma situação que comumente podemos reconhecer como tal e foi ainda mais minuciosa quanto se pediu uma resposta alinhada ao ordenamento jurídico brasileiro. 

 

Embora não seja o objeto deste breve ensaio, é preciso explicar que o ChatGPT desenvolve essas respostas em forma de texto com base em uma quantidade enorme de dados digitais colhidos na rede mundial de computadores e outras introduzidas por seus criadores diretamente no software. Então, obviamente, a base de dados do software precisaria vir a ser outra – doutrina, jurisprudência, regulamentos e as leis - para que essa IA generativa venha a servir de ferramenta para os tribunais pátrios; mas está evidenciado que ela pode contribuir de forma excepcional e totalmente inovadora para o sistema de justiça.

 

Como já foi dito, os limites de atuação da IA generativa dentro da atividade-fim do Poder Judiciário irão depender de regulamentação. Agora, temos que estar atentos ao fato de que o uso disseminado das habilidades da IA generativa nas searas privada e pública, na prestação de outros serviços públicos corriqueiros, por exemplo, poderá impor aos órgãos que compõem o sistema de justiça a necessidade de antecipar o uso da IA, não sendo possível observar eventuais limitações que os regulamentos e a legislação eventualmente fixem para o uso dessa tecnologia no âmbito do Poder Judiciário, principalmente. Isso porque a tendência do uso com sucesso da IA generativa, com capacidade de resposta imediata a demandas de outras áreas estatais, naturalmente levará o cidadão a exigir implementação dessa tecnologia também no sistema judicial, em especial pelo represamento de significativo número de ações em trâmite, fato que sempre foi ponto de crítica nesse setor.  

 

Dito isso, é de se concluir que as iniciativas promovidas por setores do Poder Judiciário e demais órgãos integrantes do sistema de justiça são muito bem-vindas e necessárias, mas certamente tímidas ainda, diante da capacidade apresentada pela IA generativa, que hoje impressiona o mundo. Impõe-se um movimento radical em investimentos tecnológicos e na preparação de magistrados, promotores de justiça e demais instituições envolvidas para a revolução que invariavelmente se aproxima também no sistema judicial. 

 

 

 

*João Edson de Souza é doutorando em Direito pela Escola de Direito da Universidade do Minho. Mestre em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa. Membro do Ministério Público do Tocantins desde 2007. 

 

 

 

 

quarta-feira, 1 de março de 2023

Debate: “Visível e Invisível” traz dados inéditos sobre diferentes formas de violência física, sexual e psicológica sofridas pelas brasileiras no ano passado.

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Nesta quinta-feira (2), o Fórum Brasileiro de Segurança Pública vai realizar uma live de divulgação da quarta edição da pesquisa “Visível e Invisível: a Vitimização de Mulheres no Brasil”, feita pelo FBSP. A live terá a participação de Samira Bueno, diretora-executiva do FBSP, e da convidada @Cida Gonçalves, ministra das Mulheres.

➡ A pesquisa “Visível e Invisível” traz dados inéditos sobre diferentes formas de violência física, sexual e psicológica sofridas pelas brasileiras no ano passado.

Encomendado ao Instituto Datafolha, com apoio da Uber, o levantamento ouviu 2017 pessoas com mais de 16 anos, entre homens e mulheres, em 126 municípios brasileiros, no período de 09 a 13 de janeiro de 2023.

Acompanhe! Será a partir das 10h ⏰

sexta-feira, 17 de fevereiro de 2023

Por que a extrema direita está em guerra com a educação superior nos EUA?

 Realidade similar no Brasil. 


Fonte: https://www.nytimes.com/2023/02/16/opinion/education-desantis.html

NYT - 

OPINION

PAUL KRUGMAN








The Right Don’t Need No Education

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Ron DeSantis, who is currently governor of Florida and wants to become president, has been trying to position himself as America’s leading crusader against wokeness. And lately higher education has become his most visible target. He picked a very public fight with the College Board over its new advanced placement course in African American studies, and in the past few days has broadened that attack into a suggestion that Florida might stop offering A.P. classes in any field.

What’s going on here? It’s easy to get drawn into debating accusations about particular courses or institutions, but that’s missing the fundamental context: the extraordinary rise in right-wing hostility to higher education in general.

Is every accusation about left-leaning professors trying to indoctrinate students false? Probably not: America is a big country, and it surely must be happening somewhere — although the specific charges made by right-wing critics are often ludicrous. In a meeting with the College Board, Florida officials asked whether the new A.P. course was “trying to advance Black Panther thinking.” Guys, the Black Panthers closed up shop when Ron DeSantis was a little kid; say the words now and most people think you’re talking about Wakanda.

It is true that college faculty members are much more likely to identify themselves as liberal and vote Democratic than the public at large. But this needn’t be evidence of anti-conservative bias. Much of it surely reflects self-selection: What kind of person decides to pursue academics as a career? To make a comparison: The police skew Republican, but I presume that everyone accepts that this mainly involves who wants to be a police officer.

So what’s really driving the attacks on higher education?

Not that long ago most Americans in both parties believed that colleges had a positive effect on the United States. Since the rise of Trumpism, however, Republicans have turned very negative. Recent polling shows an overwhelming majority of Republicans agreeing that both college professors and high schools are trying to “teach liberal propaganda.”

But what actually happened here? Did America’s colleges — which a large majority of Republicans considered to have a positive influence as recently as 2015 — suddenly become centers of left-wing indoctrination? Did the same thing happen to high schools, run by local boards, across the nation?

Of course not. What happened was that MAGA politicians began peddling scare stories about education — notably, denouncing high schools for teaching critical race theory, even though they don’t. And right-wingers also greatly expanded their definition of what counts as “liberal propaganda.”

Thus, when one points out that schools don’t actually teach critical race theory, the response tends to be that while they may not use the term, they do teach students that racism was long a major force in America, and its effects linger to this day. I don’t know how you teach our nation’s history honestly without mentioning these facts — but in the eyes of a substantial number of voters, teaching uncomfortable facts is indeed a form of liberal propaganda.

And once that’s your mind-set, you see left-wing indoctrination happening everywhere, not just in history and the social sciences. If a biology class explains the theory of evolution, and why almost all scientists accept it — or, for that matter, the theory of how vaccines work — well, that’s liberal propaganda. If a physics class explains how greenhouse gas emissions can change the climate — well, that’s more liberal propaganda.

And so a large segment of the population — the segment DeSantis is courting — has become hostile to higher education as a whole.

As an aside, it’s a familiar fact that U.S. politics is increasingly polarized along educational lines, with the highly educated supporting Democrats and the less-educated supporting Republicans. This polarization is often portrayed as a symptom of Democratic failure — why can’t the party win over working-class white voters? But it’s equally valid to ask how Republicans have managed to alienate educated voters who might benefit from tax cuts. And the party’s growing hostility to education is surely part of the answer.

In any case, one sad thing is that this turn against education is taking place precisely at a time when highly educated workers are becoming ever more crucial to the economy. This is especially obvious when you look at regional data within the United States: The college-educated percentage of a city’s population is a powerful predictor of both its current prosperity and its future growth.

That’s not to say that U.S. higher education is perfect. In general, we surely fetishize the standard four-year degree, which isn’t appropriate for everyone, and grossly neglect forms of education, such as apprenticeships, that might be more useful to many people. But that’s a whole other story.

For now, the important thing to understand is that people like DeSantis are attacking education, not because it teaches liberal propaganda, but because it fails to sustain the ignorance they want to preserve.

domingo, 29 de janeiro de 2023

Condenação por genocídio não é algo novo na terra Yanomami.

 

Fonte: 

Matéria do Estadão link: https://www.estadao.com.br/sustentabilidade/massacre-em-area-yanomami-em-1993-ja-rendeu-condenacao-por-genocidio-na-justica-entenda/


Massacre em área Yanomami já rendeu condenação por genocídio na Justiça; entenda

Grupo de garimpeiros assassinou ao menos 16 indígenas em 1993. Circunstâncias do ataque repetem condições atuais de exploração na região

Nos últimos trinta anos, a trajetória de Pedro Emiliano Garcia, 61 anos, se confunde com o caminho que levou à catástrofe humanitária que atinge hoje os Yanomami. Em julho de 1993, ele liderou um grupo de 20 garimpeiros ilegais que mataram ao menos 16 indígenas -, três adolescentes, dois idosos, quatro crianças e um bebê, esfaqueado, entre eles -, no que ficou conhecido como o Massacre de Haximu. Três anos depois, ele e quatro comparsas foram condenados por genocídio. Ao lado de outra chacina, a da Boca do Capacete, no Amazonas, contra os Tikunas, em 1988, são os dois primeiros casos julgados por esse tipo de crime no Brasil.

Hoje, com uma tornozeleira eletrônica, Pedro Prancheta (como é chamado), aguarda em liberdade uma decisão da Justiça que pode levá-lo novamente para a cadeia, desta vez por até oito anos. Ele é acusado de chefiar um garimpo ilegal em terras Yanomami e de fornecer o auxílio logístico às operações. Em julho de 2020, 27 anos após o massacre, foi preso com dois quilos de ouro em sua casa, em Boa Vista.

Assim como na década de 1990, em 2020, quando Prancheta foi preso, o Território Indígena Yanomami sofria as consequências agudas da presença de mais de 20 mil garimpeiros ilegais em suas terras. Uma situação de total descontrole que culminou com centenas de mortes e no resgate de outras centenas por equipes do Ministério da Saúde em condições críticas de saúde e fome.

Desde o dia 20 deste mês, foi decretado estado de emergência e a Polícia Federalpassou a investigar as causas desse desastre humanitário que, segundo juristas ouvidos pelo Estadão, pode ser classificada como genocídio e levar à responsabilização de autoridades da Funai, Ministério da Saúde e, em última instância, do próprio ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Nas redes sociais, Bolsonaro disse que a emergência na saúde Yanomami é uma “farsa da esquerda” e que a saúde indígena foi uma das prioridades da sua gestão.

“Já alertamos há muitos anos sobre essa crise humanitária e de saúde”, afirmou a liderança Yanomami Dário Kopenawa, segundo quem o governo federal na gestão Bolsonaro abandonou a população indígena.

Na última semana, o advogado Ricardo Weibe Tapeba, que assumiu a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), ligada ao Ministério da Saúde, confirmou que mais de mil Yanomami estão precisando de atendimento emergencial nas aldeias.

Para o subprocurador-geral da República Carlos Frederico Santos, que conduziu o caso da Boca do Capacete e participou das investigações de Haximu, a crise humanitária atual mostra que em trinta anos pouco foi feito para evitar que a população indígena ficasse refém dos garimpeiros da ausência do Estado. “Não é uma questão de ontem, vem dos anos 90, 2000, 2010. Pouco aconteceu para que as mesmas situações se repitam”, afirma.

As mortes de agora parecem chamar mais atenção do que o Massacre de Haximu recebeu em 1993, quando a notícia correu o mundo mais do que dentro do próprio País, apesar de sobre ambas pesarem a figura jurídica do genocídio.

Contato entre indígenas e garimpeiros

A chacina de quase trinta anos atrás teve origem no contato entre indígenas e garimpeiros que ao chegar no território passaram a levar presentes como comida e roupas. O descumprimento de uma promessa de que levariam roupas e uma rede a um Yanomami fez com o que o indígena se irritasse e disparasse na direção de um garimpeiro identificado apenas como Goiano Doido. Prancheta estava lá.

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Não tardou para que a resposta viesse. Vinte dias após o disparo, em 15 de julho, seis Yanomami foram ao acampamento dos garimpeiros. Ali, se dirigiram à cabana de Prancheta que os tratou bem e pediu que procurassem por um colega, Eliézio Monteiro Neri, que lhes daria comida e presentes. Ainda pediu aos indígenas que levassem um bilhete ao outro garimpeiro, nele estava escrito: “Divirta-se com esses otários”. Nesse dia quatro dos seis Yanomami foram mortos.

Menos de uma semana depois, os indígenas mataram um dos garimpeiros. Já não havia mais volta. Na manhã de 23 de julho, o grupo de garimpeiros liderado por Prancheta invadiu a aldeia e matou a tiros e golpes de facão ao menos 16 Yanomami.

Apesar de o número de mortos nunca ter ficado claro, estimativas da época indicavam que até 70 indígenas podem ter sido mortos, a maioria mulheres e crianças.

O ataque só se tornou público quase um mês depois. Nesse período, os Yanomami, seguindo suas tradições, desenterraram os corpos, que haviam sido escondidos pelos garimpeiros, e os queimaram. Suas cinzas foram colocadas em cabaças e depois novamente enterradas. No caso das crianças pequenas, nem as cinzas restaram, ingeridas pelos membros da aldeia em um ritual de passagem.

‘Genocídio, como pode uma coisa dessas?’

Procurador federal na Paraíba nos anos 1990, o jurista e ex-vice procurador-geral da República Luciano Mariz Maia, foi chamado na época a fazer parte da equipe do Ministério Público Federal responsável pela apuração e por apresentar a acusação contra os então suspeitos, por conhecer a região e o território indígena. A Procuradoria acabara de ser instalada no Estado e sua participação, relembra, partiu de requerimento do xamã e líder dos Yanomami Davi Kopenawa, pai de Dário.

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As investigações levaram aos procuradores a concluir que não se tratava apenas de uma chacina, mas de genocídio, um crime que tem por objetivo não apenas matar um ou mais indivíduos, mas acabar com a existência física de um grupo específico, geralmente, uma população minoritária.

“Se hoje, após a decisão do STF (que ratificou a condenação), as pessoas se tornaram mais conscientes das circunstâncias (de um crime de genocídio), quando fizemos a denúncia em 1993 colegas nossos do Ministério Público nos perguntavam: ‘genocídio, como pode uma coisa dessas?’”, afirma. “Por isso tivemos o cuidado de fazer um processo descritivo, porque não é como num processo criminal que você apenas apresenta a denúncia. Nesse caso foi preciso fazer um trabalho delicado de apresentação das informações.”

A apuração constatou não apenas como os indígenas foram mortos, mas também como os garimpeiros agiam para se aproximar dos Yanomami e quando esse processo teve início - em agosto de 1987. No início, quando ainda eram poucos, ofereciam presentes e comida. À medida que mais iam chegando, os indígenas passavam a se transformar em um problema a ser removido, como explica o antropólogo francês Bruce Albert em texto anexado à acusação.

O documento Ministério Público Federal detalha minuciosamente esse processo. O relato de um delegado federal também revela que naquele final da década de 1980, cerca de 25 mil garimpeiros chegaram à região da Serra do Surucucu, dentro do Território Indígena, usando, muitas vezes, as pistas de pouso da FAB, a Força Aérea Brasileira. Buscavam por ouro e cassiterita e em pouquíssimo tempo já haviam contaminado os rios Macujaí, Uraricoera, Catrimani e Couto Magalhães com mercúrio e óleo. Nada muito diferente da situação atual.

A diferença hoje é que a possibilidade de a crise humanitária dos Yanomami ser considerada um genocídio tem como agente do crime não os garimpeiros (que incorrem em outros crimes), mas o próprio Estado brasileiro e seus representantes.

“A linha de investigação da Polícia Federal tem lastro nos fatos e portanto merece ser aprofundada. O genocídio é um crime doloso, cometido com vontade, e o que estamos identificando é que a presença dos garimpeiros pode estar revelando a omissão do Estado. Assim como, sabendo que os índios estão doentes (o Estado precisa) adotar uma política de saúde preventiva e curativa. Se não houve uma decisão de agir de quem tem a obrigação é preciso saber de quem foi essa decisão”, afirma Mariz Maia.

Segundo o jurista, a situação atual só está sendo discutida abertamente pela sociedade brasileira porque a saída de Bolsonaro da Presidência deu espaço para que as informações surgissem sem distorções. “Até 31 de dezembro nossa preocupação era não perdemos a nossa democracia pelos atos autoritários e pelos incentivos ditatoriais do ex-presidente”, afirma.

Prancheta sempre esteve muito distante dessa e de qualquer estrutura de poder, mas sua trajetória se deu também sempre na ausência do Estado. Alain Delon Corrêa, seu advogado, garante que a acusação é infundada e que ele não mantém qualquer relação com a presença irregular em território Yanomami, além de já ter quitado sua dívida com a Justiça pelo Massacre de Haximu. “Ele já cumpriu e há cerca de dez anos essa pena está extinta”, afirma. “Dessa vez, ele foi preso na casa dele, sem relação alguma com os Yanomami.”

Vinte e nove anos após ser condenado por genocídio, Eliézio Monteiro Neri, que recebeu o bilhete de Prancheta, o estopim do genocídio, foi preso em um supermercado de Boa Vista pela Polícia Militar. O garimpeiro estava foragido.