sexta-feira, 28 de março de 2014

Fala presidenta ...

E nossa presidente apresentou seu pensamento sobre o preconceito dos brasileiros quando o assunto é a violência sexual contra a mulher.

E de concreto? ...

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Dilma diz que país tem que 'avançar' no combate à violência contra mulher

A presidente Dilma Rousseff afirmou, nesta sexta-feira (28), que a sociedade brasileira tem "muito o que avançar no combate à violência contra a mulher". Por meio de sua conta no Twitter, Dilma comentou estudo divulgado nesta quinta pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).
Segundo o material do Ipea, 58,5% dos entrevistados concordam totalmente (35,3%) ou parcialmente (23,2%) com a frase "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros".
"Pesquisa do @ipeaonline mostrou q a sociedade brasileira ainda tem muito o q avançar no combate à violência contra a mulher #Respeito", escreveu Dilma. "Mostra também q governo e sociedade devem trabalhar juntos p atacar a violência contra a mulher, dentro e fora dos lares."

quinta-feira, 27 de março de 2014

O absurdo: estudo mostra que parte significativa dos brasileiros imputa a própria mulher (vítima) responsabilidade nos delitos sexuais

Está aí a prova do preconceito.

G1: 
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Para 58,5%, comportamento feminino influencia estupros, diz pesquisa

Pesquisa divulgada nesta quinta-feira (27) pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), órgão do governo, mostra que 58,5% dos entrevistados concordam totalmente (35,3%) ou parcialmente (23,2%) com a frase "Se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupros". Segundo o levantamento, 37,9% discordam totalmente (30,3%) ou parcialmente (7,6%) da afirmação – 3,6% se dizem neutros em relação à questão.
O estudo também demonstra que 65,1% concordam inteiramente (42,7%) ou parcialmente (22,4%) com a frase "Mulheres que usam roupas que mostram o corpo merecem ser atacadas", enquanto 24% discordam totalmente, 8,4% discordam parcialmente e 2,5% se dizem neutros.
A pesquisa ouviu 3.810 pessoas entre maio e junho do ano passado em 212 cidades. Do total de entrevistados, 66,5% são mulheres. A assessoria do Ipea não informou qual o percentual de homens e mulheres opinaram especificamente em relação à questão do comportamento feminino.
Por trás da afirmação [referente ao estupro], está a noção de que os homens não conseguem controlar seus apetites sexuais."
Trecho do estudo "Tolerância social à violência contra as mulheres', do Ipea
No documento sobre a pesquisa, intitulado "Tolerância social à violência contra as mulheres", que também avaliou opiniões sobre violência e homossexualismo, o órgão afirma que "por trás da afirmação [referente ao estupro], está a noção de que os homens não conseguem controlar seus apetites sexuais". Na avaliação do instituto, a violência "parece surgir" a partir dessa ideia.
Os entrevistados foram questionados com base em afirmações pré-formuladas pelo instituto, com as quais diziam se concordavam totalmente ou parcialmente, se discordavam totalmente ou parcialmente ou se consideravam neutros em relação ao assunto.
De acordo o levantamento, que também questionou os entrevistados quanto à punição para agressores, 78,1% concordam totalmente que o homem que bate na esposa "tem que ir para a cadeia"; 13,3% concordam parcialmente; 5% discordam totalmente e 2% discordam parcialmente.
Segundo a pesquisa, 54,4% discordam totalmente da afirmação de que "dá para entender que um homem que cresceu em uma família violenta agrida sua mulher", enquanto 18,1% concordam totalmente.
Para 56,9% dos entrevistados, discordam totalmente da afirmação de que a questão da violência contra as mulheres recebe "mais importância do que merece" – 10,5% disseram concordar totalmente com a afirmação.
Violência
O Ipea indagou os entrevistados sobre aspectos que envolvem a violência contra a mulher no país. Foram abordados temas como separação, filhos, xingamentos e onde os casos devem ser discutidos.

33,3% concordam totalmente com a afirmação de que casos de violência dentro de casa devem ser discutidos "somente" entre os membros da família; 25,2% discordam totalmente. Em outra questão, 61,7% disseram concordar totalmente que, quando há violência, o casal deve se separar.

De acordo com a pesquisa, 69,8% dos entrevistados discordam totalmente da ideia de que a mulher que apanha em casa deve ficar quieta para não prejudicar os filhos e 76,4% discordam totalmente da afirmação de que um homem pode "xingar e gritar com sua mulher".

"Constitui importante desafio reduzir os casos de violência contra as mulheres. (...) Uma das formas de se alcançar a diminuição deste fenômeno, além da garantia de punição para os agressores, é a educação. Transformar a cultura machista que permite que mulheres sejam mortas por romperem relacionamentos amorosos, ou que sejam espancadas por não satisfazerem seus maridos ou simplesmente por trabalharem fora de casa é o maior desafio atualmente", diz o Ipea.
 

Constitui importante desafio reduzir os casos de violência contra as mulheres. (...) Uma das formas de se alcançar a diminuição deste fenômeno, além da garantia de punição para os agressores, é a educação. Transformar a cultura machista que permite que mulheres sejam mortas por romperem relacionamentos amorosos, ou que sejam espancadas por não satisfazerem seus maridos ou simplesmente por trabalharem fora de casa é o maior desafio atualmente."
Trecho do estudo "Tolerância social à violência contra as mulheres', do Ipea
Relação sexual
A pesquisa questionou os entrevistados quanto às relações sexuais. Segundo o levantamento, 54% discordam totalmente da ideia de que "a mulher casada deve satisfazer o marido na cama, mesmo quando não tem vontade" enquanto 14% concordaram totalmente com a afirmação.

O Ipea também indagou os entrevistados sobre se é possível afirmar que "tem mulher que é para casar, tem que mulher que é para cama". No total, 34,6% disseram concordar totalmente com a afirmação; 26,4% disseram discordar totalmente.

Homossexualismo
De acordo com o Ipea, 32,6% dos entrevistados discordam totalmente da noção de que casais com pessoas do mesmo sexo devem ter os mesmos direitos dos outros casais; 31,6% concordam totalmente e dizem que a ideia está correta.

O estudo mostra que 38,8% dos entrevistados concordam totalmente que casamentos homossexuais deveriam ser proibidos e 32,1% discordam totalmente - 44,9% disseram concordar totalmente com a afirmação de que incomoda ver dois homens ou duas mulheres se beijando na boca em público; 28,2% dizem discordar totalmente.

"Jovens (16 a 29 anos) apresentam tolerância maior à homossexualidade, e os idosos (60 anos ou mais) mostram-se mais intolerantes. (...) A religião também foi significativa em todos os modelos [de perguntas], no entanto, os católicos só se mostraram intolerantes além da média no que toda à ideia de proibir o casamento entre pessoas do mesmo sexo. Os evangélicos se sobressaem como grupo mais intolerante à homossexualidade", avalia o Ipea.
Radiografia’ dos estupros
O Ipea divulgou também nesta quinta-feira (27) um levantamento com base em dados de 2011 do Ministério da Saúde sobre os casos de estupros no país.

Intitulado “Estupros no Brasil: uma radiografia segundo os dados da Saúde”, o documento afirma que naquele ano 88,5% das vítimas eram do sexo feminino, mais da metade tinha menos de 13 anos, 46% não possuía ensino fundamental completo e em 70% dos casos as vítimas eram crianças e adolescentes.
A pesquisa aponta ainda que os principais responsáveis por estupros de crianças foram amigos ou conhecidos (32,2%) e pais ou padrastos (24,1%). De acordo com o levantamento, os adolescentes foram vítimas de estupro, principalmente, de desconhecidos (37,8%) e amigos ou conhecidos (28%). No caso de adultos que sofreram estupro em 2011, 60,5% foram vítimas de desconhecidos.
“Estimamos que, a cada ano, no mínimo 527 mil pessoas são estupradas no Brasil. Desses casos, apenas 10% chegam ao conhecimento da polícia. (...) Obviamente, sabemos que tal análise é condicional ao fato da vítima de estupro ter procurado os estabelecimentos públicos de saúde”, publicou o Ipea no estudo.

O princípio da insignicância e a os débito inferiores a 20 mil reias ...

Não consigo entender o que a impossibilidade da União cobrar todo e qualquer débito, leva a um valor de 20 mil reais ser tido como insignificante.

Não se trata da União não ter interesse nesses valores, mas sim na capacidade operacional de executar tais valores. Ou até mesmo na viabilidade.

Essa jurisprudência, que agora vai se consolidar, merece reflexão mais aprofundada.

Fonte notícias do STF:
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Declaração de insignificância vale para débitos até R$ 20 mil

O valor de referência para a aplicação do princípio da insignificância é R$ 20 mil —mínimo fixado pelo Ministério da Fazenda para o ajuizamento das execuções fiscais. Com base ness entendimento, a 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal concedeu Habeas Corpus a um morador de Foz do Iguaçu (PR) acusado do crime de descaminho por trazer mercadorias para o país de forma irregular.

No Habeas Corpus, a defesa do acusado questionava decisão do Superior Tribunal de Justiça que afastou o princípio da insignificância em razão de o tributo supostamente devido superar o limite de R$ 10 mil previsto na Lei 10.522/2002. Sustentava que valor a ser observado deveria ser o fixado pelas Portarias 75/2012 e 130/2012 do Ministério da Fazenda, que alteraram para R$ 20 mil o limite mínimo para ajuizamento da execução fiscal.

Ao votar pela concessão do HC, o relator, ministro Luiz Fux, observou que se firmou nas duas Turmas do STF o entendimento de que o princípio da insignificância é aplicado quando o valor do tributo não recolhido for inferior a R$ 20 mil, como fixado pelas portarias ministeriais. “Me curvo, num colegiado, à vontade da maioria”, afirmou.

Em razão da inadequação da via processual, a Turma julgou extinta a ordem, mas deferiu o HC de ofício, vencido o ministro Marco Aurélio.  

Com informações da Assessoria de Imprensa dos STF.
HC 118.067

Ativismo judicial no judiciário brasileiro ...

Grande artigo prof. Lenio na Conjur.

Estou totalmente de acordo com a necessidade de se "rever" o ativismo tupiniquim. Esse ativismo desregrado somente deslegitima o Poder Judiciário.

Excelente leitura ...

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Justiça entre exegetismo e decisionismo: o que fazer?

Ver autoresPor Lenio Luiz Streck
 
O título da coluna é bem provocativo. Mas tem absolutamente sentido. A falta de controles sobre as decisões judiciais e o invencível estado de barbárie interpretativo (no sentido hobbesiano do termo) que subjaz às práticas cotidianas justifica falar em “ativismo ou decisionismo a la Conselheiro Acácio” (cuja máxima era: as consequências vem sempre depois!) e um certo “exegetismo Jeca Tatu” (quem não lembra do personagem de Monteiro Lobato, que representava o atraso e o subdesenvolvimento?).
Os leitores sabem de minhas críticas ao ativismo e coisas desse gênero. Fruto de uma sociedade patrimonialista e de uma burocracia de perfil extrativista (é só ver o imbróglio da compra de uma refinaria em Pasadena, em que, ao que parece, sequer se teve a pachorra de ler uma cláusula no contrato, que qualquer néscio que tenha estudado direito na faculdade do Balão Mágico sabe),[1] parece que o discurso da autoridade em terrae brasilis desnecessita de justificação. “Faço porque faço”. “Eu não preciso lhe convencer”. E isso parece que se aprende na faculdade e até na pós-graduação. Estamos lascados.
No fundo, temos não só uma democracia delegativa, de cariz hobbesianista, como já denunciara há anos Guillermo O’Donnel, como temos também uma burocracia (incluindo judiciário e todo o sistema de justiça) delegativa. Ou seja, aquilo que é “delegativo” torna despicienda a accountability (prestação de contas). Por isso, O’Donnel preferia uma “democracia lockiana” (de Locke), que respeita o que se chama de “representatividade”. Em face da divisão de Poderes, isso se aplica a todas as esferas da administração.
O decisionismo e o ativismo tem direta relação com nossa maldita herança patrimonialista. Há uma dissertação de mestrado na Unisinos, de Danilo Pereira Lima, orientada por mim, que bem demonstra isso. Tem a ver com nossos “estamentos”. E e a delegação-para-que-um-decida-por-nós. E, o pior: o “um” (ou a uma, para não ser multado pela turma do politicamente correto) acredita que é o/a plenipotenciário/a. Por isso autores como Habermas fogem do solipsismo e optam por uma estrutura. E outros como Dworkin tem ojeriza ao discricionarismo. Assim como os hermeneutas.
Dito isso, vejamos dois exemplosVou relatar dois casos que representam simbolicamente as duas faces (ou duas delas) da justiça brasileira. Nas duas é possível perceber o varejo de um grande atacado. Nos dois exemplos encontramos as camadas encobridoras do direito que acumulam resíduos desde os tempos em que se fazia eleição a bico de pena em Pindorama. De um tempo de baixíssima accountability.
Caso um: o advogado que deveria recolher as custas no domingo.No Paraná um causídico perdeu uma ação nos juizados[2] e ingressou com um recurso, interposto tempestivamente em 14 de março de 2014, uma sexta-feira, precisamente às 18h20min10seg (como é maravilhoso o processo eletrônico! Tem até os segundos!). Como se sabe, por força do artigo 42, parágrafo 1º da Lei 9.099, interposto recurso em face de sentença proferida, que no caso é para o próprio Juizado, o preparo deverá ser realizado nas 48 horas seguintes, sob pena de deserção. Pois o juiz considerou-o deserto, porque o prazo final para o preparo se daria em 16 de março de 2014 (às 18h20min10seg) e o causídico somente fez o preparo no dia 17. Só que 16 era... um domingo. Bingo.
Pouco importou para Sua Excelência o “detalhe” domingueiro. “Desertou” o recurso, claro! Cumprir a lei ao “pé da letra” como se letra tivesse pé. Cumpriu com um exegetismo Jeca Tatu (raquítico), porque não quis cumprir outro dispositivo que também-pode-ser-lido-ao-pé-da-letra, o artigo 132, parágrafo 1º do CC, que determina o seguinte: “Salvo disposição legal ou convencional em contrário, computam-se os prazos, excluído o dia do começo, e incluído o do vencimento”. Também o parágrafo 1º: “Se o dia do vencimento cair em feriado, considerar-se-á prorrogado o prazo até o seguinte dia útil”. Do mesmo modo, não importou que o artigo 175 do mesmo CC determina que para efeito forense, os domingos são feriados! E a Bíblia (católica), que fala em guardar domingos e festas.[3] Amém, irmão pecador! Isso além do artigo 184, parágrafo 1º do Código Civil.
Veja-se como o mais primário formalismo foi utilizado pelo juiz, talvez para “firmar sua posição pessoal” ou sei lá o que. Fez uma leitura “literal”, sem Constituição, sem teoria do direito, sem mais nada. O grande problema é que o mesmo juiz, em outros casos, não se mostra tão exegeta. Ou seja, não é porque teoricamente tenha feito uma opção metodológica pelo mais simplista positivismo do século XIX. Não. Longe disso. É porque, naquele caso, uma exegese “tipo Jeca Tatu” resolvia a parada. Pior: misturando dois paradigmas — para atender ao solipsismo, usou o mito do dado.
Assim, comportou-se como o personagem Ângelo da peça Medida por Medida, de Shakespeare, que disse que condenava Cláudio à morte porque ele, Ângelo, era apenas um “escravo da lei”. A interpretação do juiz paranaense foi “literal a fórceps”. Sim, porque nem um exegeta do século XIX faria uma leitura desse jaez. Por certo, buscaria consolidar uma interpretação a partir de outros casos similares...Ou só cumprir a lei! Bingão!
Caso dois: o FGTS e o saque para pagar pensão alimentíciaO artigo 20 da Lei 8.036 enumera as hipóteses de movimentação da conta do trabalhador vinculada ao FGTS. Lá há várias hipóteses, mas nenhuma delas contempla a possibilidade de saque para pagamento de pensão alimentícia.
Mesmo assim, a Turma Nacional de Uniformização dos Juizados Especiais Federais[4] foi favorável a pedido de utilização do FGTS para tal fim, sob o fundamento de que o rol da lei seria apenas exemplificativo, reestabelecendo uma sentença de Santa Catarina. De forma “criativa”, um juiz federal mencionou a possibilidade da utilização do FGTS em situações não previstas em lei. O STJ — embora em um caso bem diferente — já havia aberto o caminho para isso, simplesmente “legislando” uma hipótese a mais das constantes no artigo 20.
Explicando: para o juiz — no que foi respaldado pela Turma Nacional —, em razão da aplicação dos princípios constitucionais da proporcionalidade e da dignidade da pessoa humana (sempre esses dois princípios que servem até para proibir — ou permitir — a caça aos patos), o saque do FGTS para pagamento de pensão alimentícia seria franqueado pelo ordenamento, mesmo que não constando do rol legal. Fez isso alegando coadunar com entendimento do STJ, que já haveria realizado semelhante exercício, de ultrapassar hipóteses legais de liberação do FGTS, dizendo também que a pensão alimentícia seria viabilizadora do direito à vida.
Não importa, no caso, se a decisão foi “justa” ou se, efetivamente, o legislador “falhou” em não incluir os inadimplentes de pensão alimentícia como possíveis sacadores do FGTS. Também não importa que o governo tenha já autorizado utilizar o FGTS para comprar ações da Petrobrás (agora em baixa). Importa mostrar, sim, por princípio, que não é o Judiciário que deve tratar dessa matéria. É preciso que isso fique claro na República.
Por certo há sobejadas razões para que o legislador não tenha elencado essa hipótese de saque do FGTS. Ele não serve para socorrer problemas decorrentes de pensão alimentícia não paga. A questão que se coloca é: posso, amanhã, pedir para sacar meu FGTS se não tiver dinheiro para pagar a pensão que devo? Toda a malta endividada pode? Ou a decisão só vale para aquele caso? Por exemplo: uso o dinheiro do pagamento da pensão e torro em ingressos para a Copa e depois peço para usar o FGTS? Esse é o busílis de uma decisão. Qual é o caráter de generalização abrangente do decisum? Qual é o princípio que se retira da decisão da Turma? Qual é o limite dessa atitude ativista? Podemos, por exemplo, incluir mais uma hipótese do tipo “sacar o FGTS para comprar ingressos para a Copa com base no princípio da felicidade e da realização do lazer”? Sim, porque se cabe para pagar pensão...
E mesmo que se diga que o governo gere mal o FGTS e o utiliza de forma equivocada, o Judiciário só pode corrigir um tipo de má gestão em hipóteses restritas e que digam com a legislação em vigor. Neste caso, somente a partir do uso da jurisdição constitucional é que poderia o Judiciário intervir. Mas, com certeza, não para criar uma nova hipótese de uso do FGTS. Não me parece que a não inclusão pelo legislador da hipótese do uso do FGTS para pagamento de pensão alimentícia se constitua em uma omissão inconstitucional...
O que houve, portanto, foi uma nítida substituição do legislador. Dizendo ainda de outro modo, para evitar mal entendidos e comentários apressados: não se trata de fazer como o juiz do Paraná e fazer uma interpretação ao “pé-da-letra” do dispositivo legal que fala das hipóteses de movimentação do FGTS. Parece óbvio isso. Há casos, por exemplo, em que situações de omissões se resolvem com interpretação conforme a Constituição (verfassungskonforme Auslegung). Algo como “esse dispositivo somente será constitucional se entendido no sentido de...”. Ora, não me parece que poderíamos fazer isso no caso do uso do FGTS.
Enfim, se havia algum modo de resolver o caso concreto, antes disso o Judiciário deveria perguntar se a decisão poderia ser estendida para os demais patuleus. Neste caso, entre liberdade e igualdade, teríamos que ficar com a igualdade, ou seja, porque transferir recursos do restante da malta para resolver o problema de um caso (um inadimplente de pensão alimentícia, por mais dramática que pudesse ser a situação do vivente)? De todo modo, remeto o leitor para as seis hipóteses em que o judiciário pode deixar de aplicar uma lei (cf. Verdade e Consenso, capítulo final – Saraiva, 2011, 4ª. Edição).
Numa palavraPeço desculpas por insistir nesse assunto “ativismo-decisionismo-falta-de-democracia”. Tenho sido um chato. Mas, o que fazer? Alguém tem que dizer essas coisas. Dizer que o rei está nu. Dizer, mais uma vez, que decisão não é escolha subjetiva. Bater pé e dizer que não é! Decisão é um ato de responsabilidade política. Meus direitos não podem depender de escolhas subjetivas, pessoais, voluntaristas, políticas... Por melhor que seja o juiz. Por mais bondoso que seja. Mas, bondoso para quem?
Juiz é o garante da democracia e não o que a fragiliza. Deve julgar por princípios e não por políticas. Simples assim. Judiciário não governa o país (por mais que ele possa considerar equivocada a gestão do FGTS). Cada coisa no seu lugar, como diria Voltaire, falando do personagem Pangloss (e compreendamos as suas desventuras): “reparem que o nariz foi feito para sustentar óculos. Por isso usamos óculos. As pernas foram visivelmente instituídas para vestirem calças; por isso usamos calças. As pedras foram feitas para serem talhadas...”.
Judiciário não se substitui aos juízos políticos, éticos, morais do legislador e do governante. Estes não são dele. Claro que — e isso já expliquei à saciedade — juiz não é alface. Não é neutro. Não vou repetir o que tanto já disse acerca do que seja a applicatio de uma lei. Mas ele não substitui o governo ou o parlamento. Deixemos que a malta vote. Se vota mal, pelo menos pode-se substituir o incompetente de quatro em quatro anos (no caso do senador, de oito em oito). Mas não esqueçamos que um juiz ativista, além disso, é vitalício (atenção: tanto é ativista o que se coloca na ponta de uma exegese rasa, negando direitos como no caso do exemplo um, como o juiz ou Turma do exemplo dois). É impossível substituir juízes (e promotores) pelo voto. Peço que compreendam bem essa observação que faço — e a faço de forma absolutamente lhana e respeitosa. Pensando na democracia.
É espantoso o modo como a interpretação do Direito se transformou em um conjunto de posturas e teses utilizadas ad hoc. É possível ver um tribunal ou um órgão fracionário lançar mão de uma “metodologia exegético-subsuntiva” (na verdade, quase sempre uma vulgata) ao mesmo tempo em que ignoram totalmente os limites semânticos de um texto jurídico.[5] Por vezes, em um mesmo julgamento. Assim, em um determinado momento, escravo da lei (e com leituras rasas que passam longe de, porque não, desejadas sinonímias); em um segundo momento, o “proprietário dos sentidos da lei”, tal como acontece com a peça de Shakespeare, na parte em que Ângelo faz a proposta para que Isabela passe uma noite com ele em troca da liberdade de Cláudio. Mixagens... Nada mais do que isso.
Basta ver o ensino jurídico ministrado nas faculdades de Direito, assim como os cursinhos de preparação para concursos públicos. A produção de apostilas, manuais e compêndios recheados de raciocínios pequeno-gnosiológicos é o sustentáculo dessa reprodução standard (sem ar condicionado e direção elétrica e sem bancos de couro) do Direito. Para esse tipo de produção literária (e em sala de aula), o Direito não passa de uma mera racionalidade instrumental. Na verdade, para essa gente o Direito é uma mera técnica, que pode ser manipulada ao bel prazer do utente. Eis o ovo da serpente, agravado por setores da pós-graduação, onde continua-se a ensinar “a ponderação” (essa famosa Katchanga Real que serve para tudo...e para nada), “regras é no tudo ou nada e princípios e na ponderação” (argh)[6], “a vontade das partes como argumentos meta-jurídicos”, “que Kelsen é um representante da Escola da Exegese”, “que a discricionariedade é uma fatalidade”, etc. A filosofia olha para o direito e pergunta: em que século está essa gente? O Nobel é nosso. Vamos para Estocolmo.
Sigo, para perguntar: tem jeito ainda a justiça de terrae brasilis? Ou, irremediavelmente, está entregue ao leviatã hermenêutico, a partir de uma delegação sem accountabillity e sem constrangimentos epistemológicos? Cartas para a coluna. Faço — sei que de forma antipática — a minha parte.
E repito o que disse na coluna passada, a partir de T S Eliot: em terra de fugitivos, andar na contramão é dar a impressão que está fugindo... Pois não me importo que pensem que estou fugindo. Virou moda no Brasil dizer que “decisão é um ato de vontade”, “direito é o que os tribunais dizem que é”, “decidir é um ato solitário”, como disse, orgulhosamente, um jovem juiz federal, primeiro lugar de sua turma, no discurso de posse. Pensei: eis o próprio Selbstsüchtiger (o sujeito solipsista, o que se basta, o que não precisa fazer accountability).
Entre Ângelos e Azdaks e fazendo um círculo de giz caucasiano[7] no solo de terrae brasilis, lembro do que Voltaire mencionou em O Ingênuo e que encaixa como uma luva no que aqui foi dito:
“Mandaram chamar um médico da vizinhança. Era um desses que visitam os doentes correndo, que confundem a doença que acabaram de ver com a que estão examinando, que exercem uma cega rotina em uma ciência à qual nem toda a maturidade de um espírito são e prudente poderá tirar seus perigos e incertezas. Agravou o mal com uma precipitação em prescrever um remédio em moda da época. Há modas até na medicina! Essa mania era bastante comum em Paris. [...] Mandaram chamar outro médico. Este, em lugar de ajudar a natureza e deixá-la agir em uma jovem criatura cujos órgãos a induziam para a vida, só se preocupou em contrariar o seu colega. Em dois dias a doença tornou-se fatal.”
Como nos dois exemplos que apresentei: no primeiro caso (Juizados do Paraná), morreu o direito do utente; no segundo (caso do FGTS), o paciente pode até não ter morrido, mas saiu todo arranhado.

[1] Devem ter sido juristas e técnicos (conselheiros lato sensu) que estudaram na Faculdade do Balão Mágico (ou do Reco Reco, Bolão e Azeitona) os experts que deram parecer favorável à compra da Refinaria de Passaperna (em-brasileiro) comprada pela Petrobrasilis. Sim, porque isso não é obra de um conselheiro só. É uma operação que, se-não-for-desonesta, precisa de muita expertise. Foi um recorde histórico. Até a famosa compra da tal refinaria, consta que o pior negócio da história da humanidade tinha ocorrido 3.500 A.C, quando a empresa Primitivobrás (que explorava óleo de bisão) trocou um bisão bem gordinho por uma galinha de angola, com base em um parecer exarado por um conselheiro da estatal do reino. Devido ao sucesso do negócio, o tal conselheiro foi elogiado e promovido, tendo atuado durante os 8 anos seguidos no ramo da compra e venda de bisões, que, por alguma razão, achava que valiam menos que galinhas de angola. Em antanho e agora, a dúvida é: incompetência ou corrupção? Por exemplo, qual é a razão de o conselheiro do reino trocar o bisão por uma galinha de angola, se o bisão vale 1000 vezes mais do que a galinha? Hein?
[2] Processo 0001302.18.2012.8.16.0036.
[3] Placa levantada pelo estagiário: sarcasmo!
[4] Proc. 5000194-75.2011.4.04.7211 não disponibilizado.
[5] Sobre o que são limites semânticos nesta quadra da história, ver meu Hermenêutica Jurídica e(m) crise e O que é Isto – decido Conforme Minha Consciência. Mais recentemente, meu novo Lições de Crítica Hermenêutica do Direito (Livraria do Advogado, 2014).
[6] Argh é uma onomatopeia.
[7] Peça de Bertolt Brecht.
Lenio Luiz Streck é procurador de Justiça no Rio Grande do Sul, doutor e pós-Doutor em Direito. Assine o Facebook.

quarta-feira, 26 de março de 2014

O tempo desperdiçado com os call centers e outros atendimentos ...

A matéria abaixo aborda a tendência jurisprudência em cominar indenização pelo tempo tomado para solucionar problemas com os centros de atendimentos ao consumidor.

Não há outro meio de fazer com que as empresas respeitem o consumidor, essa tradição de péssimo atendimento tem que acabar.

Matéria da Conjur:

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Tempo gasto em problema de consumo deve ser indenizado

Ver autoresPOR LEONARDO LÉLLIS
Geralmente tratado como mero aborrecimento pelos tribunais, o tempo gasto para se resolver um problema de consumo é indenizável. Isso é o que vêm garantindo acórdãos recentes, que representam uma mudança de rumo na jurisprudência sobre o assunto. De casos que envolvem demora em fila de banco a devolução de parcelas pagas em cursos, desembargadores já aceitam a tese do chamado “desvio produtivo” para justificar a reparação moral do consumidor. Em síntese, os julgados responsabilizam o fornecedor pelo tempo gasto para se resolver os problemas que eles mesmos causaram.
“O desvio produtivo caracteriza-se quando o consumidor, diante de uma situação de mau atendimento, precisa desperdiçar o seu tempo e desviar as suas competências — de uma atividade necessária ou por ele preferida — para tentar resolver um problema criado pelo fornecedor, a um custo de oportunidade indesejado, de natureza irrecuperável”, explica o advogado capixaba Marcos Dessaune (foto), autor da tese Desvio Produtivo do Consumidor: o prejuízo do tempo desperdiçado, que começou a ser elaborada em 2007 e foi publicada em 2011 pela editora Revista dos Tribunais.
Com base neste fundamento, a 27ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro condenou, no último mês de janeiro, uma rede de lojas a indenizar em R$ 5 mil um consumidor por conta de um defeito em um aparelho celular de R$ 246,90, que apresentou defeito dois dias após a compra. A loja pretendia cobrar R$ 60 pelo reparo. O consumidor recorreu à Justiça e, em 1ª instância, o tempo gasto foi considerado simples aborrecimento cotidiano. No TJ-RJ, o entendimento mudou, a favor do consumidor.
A tese tem sido recorrente no colegiado da corte fluminense. Em outros três casos em que foi relator, o desembargador Fernando Antonio de Almeida aplicou o entendimento para condenar as empresas a indenizar os consumidores em casos de demora de reembolso de mensalidadetempo gasto em fila de banco e cobrança de cartão falsificado.
“A perda de tempo da vida do consumidor em razão do mau atendimento de um fornecedor não é mero aborrecimento do cotidiano, mas verdadeiro impacto negativo em sua vida, que é obrigado a perder tempo de trabalho, tempo com sua família, tempo de lazer, em razão de problemas gerados pelas empresas”, apontam os acórdãos do TJ-RJ.
Horas irrecuperáveis
Se o tempo não é um bem jurídico tangível e expressamente previsto na Constituição, as decisões demonstram que ele pode ser englobado na figura do dano moral. Dessaune explica, entretanto, que a reparação pelo “desvio produtivo” não deve ser confundida com o “dano punitivo”, utilizado para, além da indenização, punir a empresa e coibir novos casos. “O tempo é finito, inacumulável e irrecuperável”, diz.
No Tribunal de Justiça de São Paulo, a 5ª Câmara de Direito Privado condenou um fabricante de eletrodomésticos pela demora de seis meses no reparo de uma máquina de lavar. “Sabe-se por evidente presunção hominis que o consumidor quando acusa o vício do produto, lhe é imposta uma verdadeira via crucis para tentar exigir do fornecedor a devolução do valor pago ou ao menos o conserto do defeito”, registra o desembargador Fabio Podestá, no acórdão.
Em análise de um recurso de uma companhia de TV paga condenada pela cobrança indevida após cancelamento de assinatura, a 3ª Turma Recursal Cível de Porto Alegre levou em consideração o tempo gasto pelo usuário como agravante da situação. “Quanto a ocorrência do dano moral, acrescento que, diante da não resolução do problema no trintídio, o que forçou o consumidor a ingressar em juízo, acarretando o agravamento da condição de vulnerabilidade técnica, jurídica e econômica”, escreveu o relator Fabio Vieira Heerdt.
A teoria não se aplica somente ao tempo gasto para se resolver um problema de consumo na Justiça. A simples demora na prestação de um serviço também pode ser enquadrada, segundo acórdão da 10ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Paraná, que negou provimento ao recurso de um banco condenado pela demora de atendimento em agência: “O autor sofreu também o prejuízo do tempo desperdiçado, em razão da demora em ser atendido, o qual poderia ter sido utilizado de maneira mais benéfica e proveitosa”.
Não é só nos tribunais que a tese vem sendo aplicada. Na prova do 53º concurso para promotor do Ministério Público de Minas Gerais, o candidato devia demonstrar conhecer a base conceitual do “desvio produtivo”. Citando o próprio Dessaune, o gabarito previa a seguinte resposta: “Tratamento com desleixo ao consumidor com perda de tempo útil. A questão poderia ser solvida a tempo e modo satisfatório pelo fornecedor. Base principal: cláusula de tutela da pessoa humana, mas desafia regulamentação própria.”
Por enquanto, o entendimento está no âmbito dos tribunais de Justiça. No Superior Tribunal de Justiça, por exemplo, ainda prevalece a aplicação do simples contratempo, como no julgamento do Recurso Especial 431.303/SP: “Demora, todavia, inferior a oito horas, portanto não significativa, que ocorreu em aeroporto dotado de boa infraestrutura, a afastar a caracterização de dano moral, porque, em verdade, não pode ser ele banalizado, o que se dá quando confundido com mero percalço, dissabor ou contratempo a que estão sujeitas as pessoas em sua vida comum”.
Clique nos números dos processos para ler as decisões:TJ-RJ: Apelação Cível 0019108-85.2011.8.19.0208TJ-RJ: Apelação Cível 0035092-08.2012.8.19.0004 TJ-RJ: Apelação Cível 2216384-69.2011.8.19.0021TJ-RJ: Apelação Cível 0460569-74.2012.8.19.0001 TJ-SP: Processo 2013.0000712658TJ-PR: Apelação Cível 1.094.389-0Colégio Recursal do RS: Recurso 7100440642753º Concurso do para promotor do MP-MG: prova e gabarito

domingo, 23 de março de 2014

Ainda sobre a violência contra a mulher nos transportes públicos.

O tema foi destaque no Fantástico, para aqueles que, como eu, não assistiram o programa, segue matéria do G1 ...

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'Você se sente suja', diz mulher sobre abuso em transporte público de SP

Nesta semana, oito homens foram presos em flagrante abusando de mulheres no transporte público em São Paulo. Só este ano, já foram denunciados 26 casos. Até a presidente Dilma se manifestou e pediu que as mulheres registrem os abusos na polícia.
O Fantástico foi falar com as vítimas para saber o que vem acontecendo no metrô e trens em São Paulo.
Adriana é uma moça bonita, jovem, como tantas que entram no metrô em SP. Mas, na última quarta-feira (19), Adriana chamou a atenção de um homem que ela nunca vai esquecer.
“Só de olhar para foto deste homem eu sinto nojo, é isto que estou sentindo”, diz Adriana Barbosa, vendedora.
O homem, um abusador sexual, seguiu Adriana no trem. “Quando eu estava tentando desembarcar, ele passou a mão em mim, entre a minha coxa, e tirou a mão e apalpou. Quando eu consegui desembarcar, eu comecei a gritar”, ela lembra.
No meio da multidão, o homem tentou fugir. “Ele já estava andando muito rápido, lá na catraca. Eu gritei o segurança que estava lá na frente e falei que ele tinha passado a mão em mim”, relata.
O rapaz foi levado à delegacia. É mais um dos 26 homens que, só este ano, foram pegos em flagrante por abuso sexual no transporte ferroviário paulistano. Apenas um continua preso, acusado de estupro.
Fantástico: É uma doença? Psicólogo Luiz Bragante: É uma doença. Vários tipos de doença fazem você perder a noção do real, a noção do perigo, a noção de respeito, a noção de ética.
Uma passageira, que não quis mostrar o rosto, registrou um Boletim de Ocorrência depois de ser avisada pela segurança do metrô de que um homem havia filmado suas partes íntimas. “Conferi no momento, eram realmente minhas as imagens, no celular do rapaz. Ele era recém-casado, com filho pequeno, tinha foto da esposa, tinha foto do filho”, ela diz.
“A polícia não consegue deixar preso porque a lei é fraca para isto. Ele fica solto, o delegado é obrigado a cumpri a lei e mandar embora, aí ele vai receber uma pena alternativa lá do juiz”, explica o delegado Osvaldo Nico Gonçalves.
A impunidade torna os chamados "encoxadores" cada vez mais abusados. Em páginas na internet, eles narram as abordagens que fazem. Um deles diz que é casado e que todos os dias vai atrás de mulheres na estação Sé, no Centro de São Paulo. E um mineiro diz que pegou um ônibus para ir a São Paulo só para molestar mulheres no metrô mais cheio do Brasil. Várias dessas páginas foram tiradas do ar por ordem da Justiça.
“Quando nós começamos a investigação tinham mais de 50 páginas, que nós conseguimos identificar. Hoje tem 2 ou 3. Agora vamos começar a chamar o pessoal, junto com o auxílio da Justiça, quebrar o IP destas máquinas para a gente identificar quem seja”, afirma o delegado.
O Fantástico entrou no metrô e nos vagões da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos, a CPTM, para ouvir as passageiras.
“Eu estava sentada e tinha um cara do outro lado, pegou o celular discretamente e começou a tirar foto”, conta uma estudante.
“O homem tirou a mochila e encostou, aí eu tentei sair”, lembra outra estudante.
“Sai até mais cedo de casa para pegar um vagão um pouco mais vazio, pra gente até conseguir ir sentada, pra não acontecer isso”, destaca uma mulher.
Às vezes, a solidariedade vem dos outros passageiros.
“Muitos veem o que está acontecendo e tentam nos proteger”, diz uma mulher.
“Se eu estiver dentro do metrô e perceber isso aí, eu sou o primeiro a ir pra cima, não aceito”, avisa um homem.
“Hoje de manhã, com o olhar, uma pediu assim: ‘vem para o meu lugar e eu vou para o seu, porque o cara está se esfregando em mim’, então troquei de lugar com ela”, conta outro homem.
Algumas usam estratégias de defesa. “A gente sempre procura um cantinho melhorzinho para a gente encostar”, diz uma mulher.
“A gente até evita usar uma roupa tão decotada”, conta uma estudante.
“Eu andava com um estilete, só que estilete é uma arma branca e eu peguei e comecei a andar com uma chave de fenda”, revela uma mulher.
O sistema sobre trilhos em São Paulo transporta 7,4 milhões de passageiros por dia. É um dos maiores do mundo. O metrô responde pela maior parte desses passageiros. Tudo o que acontece nas cinco linhas, ao longo de 75,5 quilômetros, é visto por câmeras da sala de controle do metrô.
“A outra ferramenta é nosso empregado, descaracterizado que está lá, dentro de trens, nas plataformas. Ele percebe o comportamento, faz a abordagem, aí, neste momento, a gente depende fundamentalmente da vítima nos acompanhar até a delegacia de polícia para registrar o fato. O agente de segurança no metrô tem poder de polícia, ele pode fazer a prisão e ele faz a condução deste indivíduo por viatura”, explica Rubens Menezes, chefe de segurança do Metrô de SP.
No Rio de Janeiro e em Brasília, foram criados carros exclusivos para mulheres nos horários de pico, mas nem sempre funciona.
“Os guardinhas mandam sair, mas em outras estações eles acabam entrando”, afirma uma mulher.
“Os homens entram e não tem nenhuma fiscalização, a não ser que as mulheres gritem, façam aquela gritaria: ‘vagão feminino’, aí eles ficam meio sem graça e saem”, diz outra mulher.
Daniele, Vanessa e Milene são de São Paulo e decidiram reagir. Todas passaram pelo constrangimento de um abuso sexual no transporte público. Daniele traz no corpo as marcas da agressão que sofreu de um homem que a filmava com o celular. Ela tentou fugir, mas ele foi atrás.
“Ele me puxou pelo vestido e pela corrente, que foi onde fez as marcas no meu pescoço. Na hora, reagi, virei e dei um soco que cortou a boca dele. Ele veio para me dar um outro soco, eu desviei o rosto e pegou no braço. Tentou me enforcar de novo, arrebentou a alça do meu vestido, eu fiquei só de sutiã na plataforma”, conta Daniele Feliciano, de 32 anos.
“Ele ficou encostado em mim, cara a cara, porque não dava para se mexer. Depois ele conseguiu puxar a mochila para frente. Poucos minutos depois, ele desencostou, quando olhei minha calça estava toda manchada, eu entrei em desespero e comecei a gritar, xingar ele. Quando abriu a porta, ele correu na multidão, um rapaz segurou ele pelas costas, gritaram pelos seguranças que vieram”, lembra Vanessa Barros, de 21 anos.
“Chegando na Sé, ele não aguentou e passou a mão em mim. Um rapaz viu tudo, me puxou e nós fomos atrás dele. Chegando na delegacia, ele simplesmente virou para a delegada e perguntou se eu não tinha gostado, se eu não gostava de homem. Eu achei que ia conseguir bater no cara, que ia empurrar e começar a gritar, mas na hora a gente fica sem reação, é uma sensação muito ruim. Você se sente suja, parece que a culpa é sua”, relata Milena Sanchez, de 21 anos.
“A gente tem que mostrar para estas meninas que elas não têm culpa, que do lado de lá tem alguém doente e comprometido que perdeu a relação com o real”, destaca o psicólogo Luiz Bragante.
“Acho que a culpa é de ser mulher. Talvez o nosso crime é ser mulher. Queria que as pessoas parassem de julgar as mulheres pelas roupas, porque somos simplesmente mulheres”, lamenta Milena.

sábado, 22 de março de 2014

O transporte público e os ataques sexuais ...

Mais um desafio, agora as mulheres são vítimas de abusos no transporte público. O tema mereceu destaque nos periódicos internacionais, a exemplo do El Pais.

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Ataques sexuais, um crime “com menor potencial ofensivo”

Passageiros esperam o metrô na linha verde, em São Paulo. / B. Martín
Em pouco mais de 48 horas, três homens foram parar na delegacia em São Paulo acusados de abusos contra mulheres nos trens e metrôs da cidade. Na segunda-feira 17, Adilton Aquino dos Santos, de 24 anos, foi preso quando fazia o uso do trem da linha 7-Rubi, acusado de ejacular nas pernas de uma mulher. A imprensa noticiou que Santos disse que “o trem estava muito cheio" e ele "não aguentou”. Além do trauma, a vítima, uma supervisora de 30 anos, ficou com uma luxação no braço, resultado da truculência empregada pelo criminoso que tentou imobilizá-la.
Nesta quarta-feira 19, Bruno de Roma Perroni, de 24 anos, foi preso acusado de filmar, com uma câmera de celular, as partes íntimas das mulheres por baixo de suas roupas, enquanto Eduardo Ferreira do Nascimento, de 26 anos, foi levado à delegacia sob a acusação de ter enfiado a mão por baixo das pernas de uma vendedora de 33 anos. Ambos os acusados estavam na estação da Sé do metrô. Os dois responderão em liberdade, já que se trata de um crime “com menor potencial ofensivo”, de acordo com as palavras do delegado Cícero Simão Costa, que acompanha as duas ocorrências.
Classificar os abusos sexuais no transporte público como crime é outra face desse problema. Não há um termo jurídico para esse tipo de delito. Por isso, muitas vezes, o criminoso não leva pena alguma - ou é punido com castigos brandos, como realizar trabalho voluntário ou pagar cestas básicas. Criar uma lei que aponte como crime de violência sexual - cuja pena vai de um a dois anos de prisão - o ato de assediar, molestar e / ou bolinar as mulheres no transporte público e - por que não? - nas ruas, poderia ser uma maneira de reduzir essas ocorrências.
Só neste ano, já são 20 o número de ataques sexuais contra mulheres ocorridos no metrô ou nos trens da cidade, de acordo com a Delegacia de Polícia do Metropolitano (Delpom), responsável pela investigação. Enquanto 20 mulheres tiveram a coragem de prestar queixa, outras dezenas, diariamente, se calam. “São atos costumeiros. As pessoas sabem que diariamente ocorrem estas situações, mais do que aparecem na imprensa ou na delegacia”, diz o psicólogo especialista em sexualidade Oswaldo Rodrigues Jr.
Não bastasse ser um ato tido como corriqueiro, existem agora organizações na internet criadas e conduzidas por homens para trocar experiências sobre os abusos. O Facebook tirou do ar algumas comunidades de “encoxadores” e outros nomes parecidos, que continham relatos e “dicas” de como se esfregar nas mulheres dentro de um vagão lotado de um trem ou metrô. A Polícia Civil de São Paulo anunciou nesta quarta-feira 19, que está investigando 30 grupos de molestadores que atuam no sistema de transporte e que se organizam pela internet.
O assédio sexual nos trens interfere na rotina das mulheres. Na estação da Luz, na região central, a promotora de eventos Mariane dos Santos Lima, de 24 anos, conta que já trocou a roupa que iria usar porque iria andar de trem e não queria atrair a atenção dos homens. “Isso sempre acontece”, disse. No percurso de trem da Estação da Luz até Francisco Morato, que dura mais de 50 minutos, a gerente Elisângela da Silva, de 34 anos, relatou que tem sua própria tática para não ser molestada. “Quando eu entro no trem, procuro ficar encostada em alguma parede para que ninguém fique atrás de mim”, diz. “Sempre presencio algum caso de homens se esfregando nas mulheres”.

Vagão Rosa

Os casos recentes - ou diários - reacendem a discussão sobre a criação de vagões exclusivos para mulheres no transporte público. No Rio de Janeiro, desde 2006 existe o Vagão Rosa, onde, nos horários de pico (nos dias de semana, das 06h às 9h e das 17h às 20h), o uso é destinado exclusivamente para as mulheres. Porém, uma reportagem da rede Record revelou que os homens não respeitam essa lei, e usam o vagão feminino como se fosse um vagão qualquer. Talvez fosse o caso de criar um vagão exclusivo para os homens, o que poderia fazer com que eles se sentissem especiais e deixassem de invadir o espaço destinado às mulheres.
Os vagões só para as mulheres dividem opiniões. Por funcionar apenas em horário de pico, eles deixam as mulheres sujeitas aos ataques nos outros horários. Além disso, a mulher que não consegue entrar no vagão exclusivo e pega o comum, pode dar a entender que estaria ali aceitando ser abordada. A criação de vagões femininos também pode ser vista como uma grande derrota civilizatória, como se homens e mulheres não pudessem conviver no mesmo espaço físico sem que ocorram abusos sexuais.
Para a estudante Gabriely Santana, de 21 anos, usuária do metrô, os vagões femininos não são uma solução. “O problema não é esse. O problema é a falta de educação, o machismo”, diz, enquanto esperava o metrô na estação da Consolação. A opinião é compartilhada pela professora Eliane Lanar, de 56 anos: “De nada adianta um vagão para mulheres, se, quando a gente sai do trem, a gente cruza com esses sujeitos na rua depois”, diz. “O vagão nos protege aqui dentro. E lá fora?”.
Para o psicólogo Rodrigues Jr, a questão levantada pela professora é de grande importância na discussão da criação de vagões femininos. “Os vagões aliviam a situação de algumas mulheres, mas não de todas. Certamente não modificará a tendência destes homens de buscar suas formas de obter prazeres sexuais”, diz. “Afinal, a vida continua existindo fora dos vagões dos metrôs e trens”.
A socióloga Wânia Pasinato acredita que os vagões exclusivos podem ser uma boa medida. “Acho importante para tirar as mulheres dessa situação de constrangimento em que elas são colocadas”, diz. “Mas também deveria haver uma campanha intensiva dizendo que esses atos são crimes”. Na estação da Luz, a técnica de enfermagem Mariana Fernandes, de 27 anos, concorda com a socióloga: “Se esses vagões existissem, eu só andaria neles. Acharia ótimo, porque sempre há algum homem tentando colocar a mão na nossa perna, ou em partes mais íntimas”, disse.
Em São Paulo, há dois projetos de lei que tratam do assunto. Ambos estão parados na Assembleia Legislativa do Estado. Nenhum deles foi apresentado por mulheres. Em outros estados, há projetos semelhantes, também de autoria de homens. O deputado estadual Eduardo Porto (PSDB), por exemplo, é o autor do projeto que estipula vagões exclusivos para mulheres em Recife. Lá, segundo a ONG SOS Corpo, 28 mulheres foram estupradas no transporte coletivo entre 1998 e 2012.
A orientação da polícia para as mulheres que sofrem esse tipo de violência se resume a quatro palavras: procurar imediatamente a delegacia. Em São Paulo, há um posto da Delpom, que funciona 24 horas por dia, dentro da estação de metrô da Barra Funda. Em alguns casos, é possível registrar queixa pela internet. “O ideal seria ter uma testemunha do caso”, explica o delegado Costa. Para que isso aconteça, talvez devesse haver uma campanha por parte do metrô e da CPTM (Companhia Paulista de Trens Metropolitanos) orientando as mulheres a agir em caso de assédio sexual no transporte público.
Além do registro da queixa, a socióloga Wânia Pasinato diz que a mulher precisa agir no momento em que é molestada. “O único jeito é apontar o dedo na cara do sujeito, na hora que acontece, porque depois ele está totalmente protegido pelo anonimato e pela multidão. Quando sai do vagão, ninguém mais o acha”, diz. “Você tem que constranger o sujeito. Hoje quem é constrangida é a vítima, que tem medo e até vergonha de reagir”.

Abusos pelo mundo

O problema do assédio sexual não ocorre apenas em São Paulo ou no Brasil. Em virtude dos abusos, os vagões exclusivos para mulheres existem em diversos países como o Japão, Filipinas, Rússia e Índia. No México, há, não só vagões nos metrôs, como ônibus exclusivos para o uso das mulheres.
Mas não há um levantamento global que aponte que essa é a solução para reduzir - ou, preferencialmente acabar - com os assédios sexuais no transporte público.
Um exemplo concreto do que pode funcionar, é a iniciativa da cidade de Londres que, no ano passado, lançou uma campanha que consiste em preparar a polícia que atua nos metrôs para cuidar dos casos de abuso e, ao mesmo tempo, conscientizar as mulheres sobre a importância de prestar queixa quando se sentirem molestadas. Batizada de Project Guardian, a campanha foi iniciada depois de uma pesquisa concluir que 15% das meninas e mulheres usuárias do metrô já tinham vivenciado algum abuso, mas 90% delas não prestaram queixa.
2.000 mil policiais foram treinados, aumentando em 20% a quantidade de denúncias de 2012 para 2013. Entre abril e agosto do ano passado, os casos de detenções em consequência de abusos sexuais no metrô aumentaram 32%, com 170 pessoas presas.

O arrastão e a nossa lamentável realidade ...

Texto excelente publicado no Jornal O Globo de hoje. O autor relata de forma ímpar a triste realidade em nosso pais, o desrepeito ao indivíduos, aos direitos humanos de forma geral.

Vale a leitura.
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O arrastão

José Miguel Wisnik
O colunista escreve aos sábados

O porta-malas que escancarou uma realidade acostumada a existir na sombra

Estarrecedor, nefando, inominável, infame. Gasto logo os adjetivos porque eles fracassam em dizer o sentimento que os fatos impõem. Uma trabalhadora brasileira, descendente de escravos, como tantos, que cuida de quatro filhos e quatro sobrinhos, que parte para o trabalho às quatro e meia das manhãs de todas as semanas, que administra com o marido um ganho de mil e seiscentos reais, que paga pontualmente seus carnês, como milhões de trabalhadores brasileiros, é baleada em circunstâncias não esclarecidas no Morro da Congonha e, levada como carga no porta-malas de um carro policial a pretexto de ser atendida, é arrastada à morte, a céu aberto, pelo asfalto do Rio. Não vou me deter nas versões apresentadas pelos advogados dos policiais. Todas as vozes terão que ser ouvidas, e com muita atenção à voz daqueles que nunca são ouvidos. Mas, antes das versões, o fato é que esse porta-malas, ao se abrir fora do script, escancarou um real que está acostumado a existir na sombra.
Omarido de Cláudia Silva Ferreira disse que, se o porta-malas não se abrisse como abriu (por obra do acaso, dos deuses, do diabo), esse seria apenas “mais um caso”. Ele está dizendo: seria uma morte anônima, aplainada pela surdez da praxe, pela invisibilidade, uma morte não questionada, como tantas outras. Noto que a família foi econômica em adjetivos, soube tratar acontecimentos tão terríveis e dolorosos como substantivos, e inspira uma dignidade que nos coloca, infelizmente através da tragédia, diante da força de alguma coisa que podemos chamar ainda, apesar de tudo que advoga em contrário, de povo brasileiro.

Que a pessoa agonizante seja colocada num porta-malas, e que esse porta-malas, por ironia, por um lapso analítico, por incompetência cósmica, se abra com o carro em movimento, que ainda assim essa pessoa tombada fique presa por um fio de roupa, por um trapo que não se rompe pela força do atrito nem pela velocidade do veículo, que nesse lapso de tempo haja alguém que filma esse filme surreal exposto às nossas retinas fatigadas — toda essa cadeia de acasos produz um espetáculo sinistro que nos diz respeito pelo que tem de não familiar e de profundamente familiar. É uma imagem verdadeiramente surreal, não porque esteja fora da realidade, mas porque destampa, por um “acaso objetivo” (a expressão era usada pelos surrealistas), uma cena recalcada da consciência nacional, com tudo o que tem de violência naturalizada e corriqueira, tratamento degradante dado aos pobres, estupidez elevada ao cúmulo, ignorância bruta transformada em trapalhada transcendental, além de um índice grotesco de métodos de camuflagem e desaparição de pessoas. Pois assim como Amarildo é aquele que desapareceu das vistas, e não faz muito tempo, Claudia é aquela que subitamente salta à vista, e ambos soam, queira-se ou não, como o verso e o reverso do mesmo. O acaso da queda de Claudia dá a ver algo do que não pudemos ver no caso do desaparecimento de Amarildo. A sua passagem meteórica pela tela é um desfile do carnaval de horror que escondemos. Aquele carro é o carro alegórico de um Brasil, de um certo Brasil que temos que lutar para que não se transforme no carro alegórico do Brasil.

O deputado Iranildo Campos, do PSD, relator da proposta do novo código disciplinar para a PM e o Corpo de Bombeiros, afirma, comentando o ocorrido, que “presídio foi feito para bandido, não para policial”. Seria bom se a frase significasse que policial foi feito para ser policial, não para ser bandido. Mas ao desconhecer, ou ocultar, o fato de que esses polos opostos se cruzam numa zona de sombra, que é preciso identificar, esclarecer, erradicar, então a frase passa a significar que a lei é só para uns, e não para outros. Sendo que a lei é, por definição, a instância impessoal que se aplica a todos, a começar por aqueles que a efetuam como representantes do monopólio da violência pelo Estado, violência regulada pela lei. “Sou pobre, no particular. Mas eu quero é a lei...”, diz um personagem de Guimarães Rosa, em “Primeiras estórias”. É o que eu sinto na família de Claudia, firme e não movida pelo ódio. No Brasil, a aplicação da lei, por si só, já seria revolucionária.
A cena filmada no último domingo sinaliza uma espécie de situação-limite. É preciso refundir a instituição, é preciso desmilitarizar a polícia. Muitas são as forças capazes de contribuir para isso, de forçar o sistema político a sair dos seus mecanismos crônicos de autorreferência, e de lançar luz na confusão fusional brasileira.

sexta-feira, 21 de março de 2014

Direito Ambiental e o CDC ...

Decisão muito importante do STJ, indicando o dano ambiental como acidente de consumo ... 

Site Conjur. 
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Contaminação com produtos usados em postes é acidente de consumo

A contaminação ambiental com produtos usados na fabricação de postes é acidente de consumo. Assim decidiu a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça ao negar provimento a agravos regimentais interpostos pela Companhia Estadual de Distribuição de Energia Elétrica do Rio Grande do Sul, AES Sul Distribuidora Gaúcha de Energia e AES Florestal, que buscavam afastar a prescrição quinquenal aplicada em ação de indenização por dano ambiental, classificado como acidente de consumo.

Em decisão monocrática, o ministro Paulo de Tarso Sanseverino considerou que, como os postes constituem insumo fundamental para a distribuição de energia elétrica, e a contaminação ambiental decorreu exatamente dos produtos utilizados no tratamento desses postes, tratava-se, também, de um acidente de consumo, que se enquadra simultaneamente nos artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor, cuja prescrição é de cinco anos. 

O caso envolveu a contaminação do solo e do lençol freático nas proximidades da cidade de Triunfo (RS), ocasionada por produtos químicos utilizados no tratamento de madeira destinada à fabricação de postes de luz, com o objetivo de torná-los mais resistentes aos efeitos das mudanças climáticas. 
“Se o dano sofrido pelos consumidores finais fosse um choque provocado por uma descarga elétrica, não haveria dúvida acerca da incidência do CDC. Ocorre que a regra do artigo 17 do CDC, ampliando o conceito básico de consumidor do artigo 2º, determina a aplicação do microssistema normativo do consumidor a todas as vítimas do evento danoso, protegendo os chamadosbystandars, que são as vítimas inocentes de acidentes de consumo”, explicou o relator. 

Entendimento unânime

As empresas interpuseram agravos regimentais para que a decisão monocrática do relator fosse reavaliada pela 3ª Turma. Sustentaram que a atividade de produção e conservação de postes de madeira é alheia à prestação do serviço de distribuição de energia elétrica e que não poderia ser aplicado o CDC ao caso. Defenderam a aplicação do prazo trienal. O colegiado, porém, manteve o entendimento do relator. 


Segundo Sanseverino, o caso, de um lado, constitui fato do produto (artigo 12), em face das substâncias químicas utilizadas, e, de outro lado, apresenta-se também como fato do serviço (artigo 14), pois o tratamento dos postes de luz liga-se ao serviço de distribuição de energia elétrica, que é a atividade fim da empresa recorrida. “Consequentemente, a prescrição é regulada pela norma do artigo 27 do CDC, que estabelece um prazo de cinco anos”, afirmou ao julgar os agravos, no que foi acompanhado de forma unânime pelos demais ministros. 

Além de estabelecer o prazo prescricional de cinco anos, a turma definiu que ele passa a contar a partir do conhecimento dos danos pessoais causados, ou seja, a partir da ciência da doença adquirida em decorrência da contaminação. Com informações da Assessoria de Imprensa do STJ.
REsp 1.365.277

quarta-feira, 12 de março de 2014

Reunião COPEVID em Floripa

Hoje iniciaram os trabalhos do Grupo Nacional de Direitos Humanos do CNPJ, que inclusive o COPEVID, tudo isso em Florianópolis.

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12/03/2014 - MPSC sedia reunião do Grupo Nacional de Direitos Humanos


Entre os dias 12 e 14 de março, o Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) sedia a I Reunião do Grupo Nacional de Direitos Humanos (GNDH), órgão do Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG). No evento, serão discutidas estratégias de promoção, proteção e defesa dos direitos humanos dos cidadãos em âmbito nacional. Estarão presentes Procuradores e Promotores de Justiça de todo o país, além de representantes do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP).
A solenidade de abertura acontece na quarta-feira (12), às 14 horas, na sede da Procuradoria-Geral de Justiça do MPSC. A reunião será aberta pelo Procurador-Geral de Justiça de Sergipe e Presidente do GNDH, Orlando Rochadel Moreira, e contará com a participação do Procurador-Geral de Justiça do MPSC e Vice-Presidente do Grupo, Lio Marcos Marin, e do Secretário-Executivo Eduardo Barreto d'Ávila Fontes, Promotor de Justiça do Estado de Sergipe.
As sete Comissões Permanentes que compõem o GNDH irão se reunir desde a quarta-feira de manhã para discutir sobre as diversas áreas ligadas aos direitos humanos. As discussões terão como ênfase os "direitos humanos com enfoque nas manifestações populares", tema escolhido para ser trabalhado com prioridade pelo GNDH no primeiro semestre de 2014. Através das reuniões, serão aprovadas propostas de trabalho que, após homologadas pelo CNPG, serão adotadas nos Ministérios Públicos do país.
MPSC apresentará case na área da Infância e Juventude
Durante a reunião do Grupo Nacional de Direitos Humanos, será apresentado o case "Serviço de Acolhimento em Família Acolhedora", de Jaraguá do Sul (SC), que tem como objetivo buscar alternativas de melhorias no atendimento a crianças e adolescentes acolhidos institucionalmente. O serviço proporciona que crianças e adolescentes que foram afastados da família de origem, mas que não se adaptaram ao abrigo institucional, possam ser acolhidos por famílias cadastradas no programa.
A iniciativa de instituir o serviço em Jaraguá do Sul foi da Promotora de Justiça Leda Maria Hermann, que conheceu a experiência de acolhimento familiar na época em que atuava como Promotora de Justiça em São Bento do Sul. Uma comissão com a Prefeitura de Jaraguá do Sul, o Conselho Tutelar e a Promotoria de Justiça foi formada para a criação do projeto em 2005.
Atualmente, o serviço de acolhimento em Jaraguá do Sul conta com uma equipe própria de atuação e, durante fevereiro deste ano, havia seis famílias cadastradas para o acolhimento. O papel do Ministério Público de Santa Catarina (MPSC) é fiscalizar e orientar o desenvolvimento do serviço de acolhimento familiar.
A Promotoria de Justiça de Jaraguá do Sul participa, trimensalmente, de audiências concentradas com o Juizado da Infância e Juventude para avaliação de cada caso de criança e adolescente acolhido. Inspeções também são realizadas pela Promotoria de Justiça em conjunto com a assistente social do MPSC.
O Estado de Santa Catarina é o líder em entidades que oferecem serviço de acolhimento familiar, segundo dados divulgados pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) no relatório "Um Olhar Mais Atento aos Serviços de Acolhimento de Crianças e Adolescentes no País". De acordo com dados do relatório, entre março de 2012 e março de 2013, das 123 entidades que selecionam famílias visitadas em todo o país pelos Promotores de Justiça, 54 estão em Santa Catarina.
Grupo Nacional de Direitos Humanos
O Grupo, criado pelo Conselho Nacional de Procuradores-Gerais dos Ministérios Públicos dos Estados e da União (CNPG), é composto por representantes dos Ministérios Públicos dos Estados, do Ministério Público Federal, do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, do Ministério Público Militar e do Ministério Público do Trabalho. O Procurador-Geral de Justiça do MPSC, Lio Marcos Marin, é o vice-presidente do Grupo.
Integram o GNDH sete comissões permanentes que têm por finalidade a discussão de questões práticas e teóricas e o intercâmbio de experiências. São elas: COPEDS (Comissão Permanente de Defesa da Saúde); COPEDPDI (Comissão Permanente de Defesa dos Direitos da Pessoa com Deficiência e do Idoso); COPEIJ (Comissão Permanente da Infância e da Juventude); COPEDH (Comissão Permanente dos Direitos Humanos em Sentido Estrito); COPEVID (Comissão Permanente de Combate à Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher); COPEDUC (Comissão Permanente de Educação); COPEMA (Comissão Permanente do Meio Ambiente, Habitação, Urbanismo e Patrimônio Cultural). 

Redação: Coordenadoria de Comunicação Social do MPSC


sábado, 8 de março de 2014

Violência contra a mulher ... matéria do STJ.

Matéria interessante do Superior Tribunal de Justiça, onde constam dados e iniciativas para o combate a violência contra a mulher.

Como visto em postagem anterior, a violência contra a mulher é um problema mundial. No Brasil muita coisa mudou, mas ainda existe uma deficiência muito por parte do Estado, sem o devido aparato para cumprir e efetivas todo o conteúdo da Lei Maria da Penha.

Abaixo matéria do STJ:
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ESPECIAL 25 ANOS
Palestra no STJ estimula reflexão sobre violência contra mulheres
Uma a cada três mulheres já foi vítima de violência na União Europeia
Índia tenta abolir ‘teste dos dois dedos’ para mulheres estupradas
Até um terço das meninas sofre violência na América Latina
Mulheres têm atendimento especial durante folia em Salvador

Publicadas às vésperas deste Dia Internacional da Mulher, as manchetes acima retratam os riscos a que ela está exposta em diversas sociedades. São provas de que a violência praticada contra a mulher não está limitada a uma cultura específica, mas é fruto de discriminação persistente, que se repete por sucessivas gerações, por todos os cantos do planeta, em histórias de medo e opressão.

Para estimular a reflexão sobre essa realidade na sociedade brasileira, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai promover na próxima quinta-feira (13) a palestra “Lei Maria da Penha”, a cargo da deputada federal Jandira Feghali (PCdoB-RJ), que foi relatora do projeto da lei na Câmara dos Deputados, em 2006.

O evento – programado para as 17h, no auditório externo do Tribunal – faz parte da série de palestras que o STJ vem promovendo em comemoração aos seus 25 anos de criação e instalação. As inscrições estão abertas e podem ser feitas aqui.

Números assustadores

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), cinco mulheres foram agredidas no Brasil a cada dois minutos, em 2011. E pelo menos 7,2 milhões de brasileiras com mais de 15 anos de idade já sofreram algum tipo de violência doméstica. Um número que assusta e não mostra sinais de redução significativa.

“A violência contra a mulher desconhece as barreiras geográficas, étnicas, religiosas, de classe ou de instrução”, afirmou a deputada, em artigo publicado sobre o tema. Entretanto, acredita ela, “não é característica de um país avançado apresentar altos índices de violência contra a mulher”.

Os constantes relatos de abusos ocorridos no mundo mostram que a violência contra a mulher chega a ser constante e banal, uma prática que enfraquece seu caráter e a fragiliza, inclusive no trabalho e na relação com o próprio parceiro.

Estudo realizado pela Organização Mundial da Saúde, publicado em 2012, aponta que 15% das mulheres no Japão e 70% na Etiópia e no Peru relataram violência física ou sexual por um parceiro íntimo. Estudos indicam ainda que a primeira experiência sexual de muitas mulheres ocorre de maneira forçada: o índice chega a 30% em Bangladesh e 40% na África do Sul.

Realidades semelhantes 
A realidade brasileira também se reflete no grande número de processos que chegam ao Poder Judiciário. Antes da Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), os casos eram julgados pelos juizados especiais e os acusados recebiam geralmente como pena o pagamento de cestas básicas.

Hoje, a lei estabelece que os crimes sejam apurados em inquérito e remetidos ao Ministério Público. Os agressores são julgados nos juizados especializados ou, nas cidades onde eles ainda não existem, nas varas criminais comuns.

A deputada Feghali acredita que a solução pode ser encontrada na aplicação da lei. “Em oito anos da Lei 11.340, nós avançamos em muitas frentes”, diz ela. Primeiro veio o conhecimento sobre esse novo direito da mulher, depois a conquista de maior espaço nas instituições do estado: delegacias, juizados e órgãos de proteção. “Mas ainda falta evoluir na interpretação”, acrescenta a deputada.

Segundo informações do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), nos cinco anos que se seguiram à promulgação da Lei Maria da Penha, foram julgados nas diversas instâncias 110,9 mil processos sobre violência contra a mulher, de um total de 331,7 mil que estavam em curso. Foram feitas no período 1.577 prisões em flagrante e designadas mais de 120 mil audiências, com mais de 93 mil medidas de proteção concedidas. Atualmente, só no STJ, há 445 processos em curso sobre o tema.

Proteção ampliada

Em uma de suas últimas decisões sobre o assunto, o STJ admitiu a aplicação de medidas protetivas da Lei Maria da Penha em ação civil, sem existência de inquérito policial ou processo penal contra o suposto agressor. A importância dessa decisão é que ela amplia as possibilidades de prevenção da violência doméstica contra a mulher, ao permitir a adoção de medidas judiciais de natureza não criminal, pois em geral a ação do estado só se dá depois que a agressão é cometida.

Para a deputada Jandira Feghali, a recente aplicação da Lei Maria da Penha em ação civil é um grande passo: “Você parte da garantia da lei sem queixa-crime, o que torna céleres medidas protetivas às vítimas de violência doméstica.” Segundo ela, “a decisão do STJ é um grande diferencial e, ao mesmo tempo, um balizador nacional”. A deputada acredita que o Judiciário precisa avançar na garantia da prestação jurisdicional e interpretar a lei sem distorcê-la ou anulá-la.

Até julho de 2012, o Brasil possuía 66 unidades judiciárias exclusivas para casos de violência doméstica e familiar contra a mulher. O CNJ aponta que o número de varas e juízes específicos precisaria aumentar em 82% para atender à demanda, que não para de crescer.

Segundo a Secretaria de Políticas para Mulheres da Presidência da República, 98% da população brasileira já ouviu falar na Lei Maria da Penha e 70% considera que a mulher sofre mais violência em casa do que em espaços públicos. Entre janeiro e junho de 2013, a Central de Atendimento à Mulher contabilizou 306.201 registros de agressões.

Vontade da mulher

Outra contribuição importante do STJ sobre o tema da violência doméstica contra a mulher foi a decisão de que o boletim de ocorrência basta para evidenciar a vontade da vítima de ver o agressor processado (HC 101.742). A jurisprudência aponta ainda que é admitida a aplicação da Maria da Penha não só quando o caso envolva relação conjugal, mas sempre que a mulher seja o lado frágil, mesmo em crimes praticados contra cunhada ou irmã, por exemplo.

Entre as principais agressões notificadas em 2011, segundo dados do Ministério da Saúde, estão as agressões físicas (78,2%), seguida por violência psicológica (32,2%) e sexual (7,5%). A maioria das agressões ocorre dentro da própria residência (60,4%) e os homens com os quais elas se relacionam ou se relacionaram estão entre os principais agressores (41,2%).

As hipóteses definidoras do crime contra a mulher estão previstas no artigo 5º da lei: qualquer agressão que cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual, psicológico, dano moral ou patrimonial, no âmbito doméstico, familiar ou em relação íntima de afeto.

Estupro e homicídio

Na palestra a ser proferida pela deputada no próximo dia 13, o público vai poder refletir especialmente sobre a banalização da violência em relação à mulher. Segundo estatística apresentada no "7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública", no último ano, o número de estupros contra mulheres subiu 18,17% em relação a 2012. Em todo o país foram registrados 50,6 mil casos, o que corresponde a 26,1 estupros por grupo de cem mil habitantes. Em 2011, a taxa era de 22,1 mil.

O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que os estados com maiores índices de homicídio contra a mulher são Espírito Santo (11,24 em cem mil mulheres), Bahia (9,08), Alagoas (8,84), Roraima (8,51) e Pernambuco (7,81). Por sua vez, as taxas mais baixas foram observadas no Piauí (2,71), Santa Catarina (3,28) e São Paulo (3,74).

Entre 1980 e 2010, foram assassinadas mais de 92 mil mulheres no país, segundo o “Mapa da Violência 2012”, divulgado pelo Instituto Sangari. Já o "Mapa da Violência 2013", publicado pelo mesmo instituto, revelou que, de 2001 a 2011, o índice de homicídios de mulheres aumentou 17,2%, com a morte de 48 mil brasileiras no período.

As estatísticas mostram que, por trás do homicídio de mulheres, está a prática anterior de alguma outra forma de violência. Quando não se combate a primeira agressão – muitas vezes uma agressão psicológica –, geralmente se segue outra, e depois outra, numa escalada cada vez mais com maior gravidade, até o homicídio.

Machismo
Esse ciclo de violência, geralmente, está associado a uma cultura machista, existente em escala global, e nem sempre a mulher se dá conta da situação em que está envolvida, buscando explicações no seu “eu” quando o problema está no outro ou na própria relação.

O psicólogo Fábio Pereira Angelim, que defendeu tese de doutorado sobre o tema, em 2009, na Universidade de Brasília (UnB), acredita, por exemplo, que nem sempre a situação da vítima se resolve com apoio clínico. “É necessária intervenção do estado, com medidas de proteção”, diz.

Pesquisa do Instituto Avon informa que, de cerca de mil homens entrevistados, 89% consideram inaceitável que a mulher não mantenha a casa em ordem e 37% acham que, por causa da Lei Maria da Penha, as mulheres os desrespeitam mais. Fábio Angelim acredita que a questão da violência contra a mulher deve ser entendida também numa perspectiva de gênero. “A mulher submetida à violência dificilmente se encontra em pé de igualdade com o parceiro”, aponta.

Segundo um último dado alarmante, divulgado pelo CNJ no documento “Atuação do Poder Judiciário na Aplicação da Lei Maria da Penha”, o Brasil está em nono lugar no ranking de homicídios contra mulheres.

Do total de mulheres que sofreram agressão física, 48% o foram na própria residência, enquanto o percentual de homens agredidos nesse local totalizou 14%, prova de que ainda prevalece nos lares o poder da força física entre os sexos.