sábado, 31 de maio de 2014

João Ubaldo no jornal O Globo ...

Reescrevendo a História

Não sei se vocês lembram, ou que fim levou, aquela história de censurarem, expurgarem ou proibirem um livro infantil de Monteiro Lobato, por aspectos considerados racistas. De vez em quando, fico um pouco impaciente e pergunto por que não proíbem logo “Os Sertões”, com tanto racismo contido na parte que todo mundo diz que leu, mas não leu, a referente ao homem. Deve ser porque de fato não leram, senão a grita ia poder começar até mesmo por Itaparica, onde somos todos, de acordo com a visão dele, mestiços neurastênicos do litoral. A antropologia da época tinha convicções que podem hoje ser qualificadas de racistas, mas era a ciência de então e no mesmo barco estão outros cuja obra haverá de merecer ser reescrita ou banida, como Oliveira Vianna ou Sílvio Romero. Imagino que devemos até nos surpreender por ainda não terem começado uma reavaliação da figura de Machado de Assis, sob a acusação de ele ter sido um mulato alienado metido a branco, ou uma condenação da crítica, por não o haver qualificado de maior escritor negro do Brasil.
Mas, no caso de Machado, dizem as novidades, não se trata de racismo, trata-se da elaboração, com a chancela e o apoio do Estado, de versões populares, ou acessíveis à maioria, de obras dele. Segundo o que saiu nos jornais, concluíram que os jovens e pessoas menos cultas não leem Machado porque não entendem as palavras e não percebem o que querem dizer certos arranjos sintáticos. Ou seja, o problema é com Machado, cujos textos obsoletos são preservados supersticiosamente e já não têm serventia para as gerações presentes. Urge, portanto, que nos livremos dessa tralha inútil e elitista, corrigindo o muito que clama por atualização.
A observação inicial que se pode fazer sobre tal premissa é que ela se fundamenta na crença, comum entre pessoas semiletradas e analfabetos funcionais, de que, na obra literária, existe uma diferença, ou separação, entre forma e conteúdo. O conteúdo seria a “história”, o “enredo”. A forma seriam as palavras usadas pelo escritor e seu jeito de narrar. O que interessa aos que reescrevem Machado é esse “conteúdo”, que pode ser contado de diversas maneiras. Assim, “Dom Casmurro” seria basicamente o mesmo, quer tendo sido escrito por Machado, quer por Dostoiévski, Balzac ou Jorge Amado. Isto, realmente, é de uma estupidez inexcedível e contribui para que ganhe corpo a noção primária de que é possível conhecer a literatura de um país, simplesmente ouvindo, da boca dos que já as leram, as histórias contadas pelos grandes escritores, não vindo ao caso suas palavras, seu estilo, suas sutilezas, suas referências.
É curioso como iniciativas desse tipo se veem como antielitistas. As elites, o que lá seja isso por aqui, querem preservar para si mesmas a fruição da grande arte. Só quem tem vocabulário e fez esforços para ser um bom leitor é que pode desfrutar de Machado de Assis? Não, senhor, agora qualquer um, mesmo com vocabulário restrito e praticamente inculto em todas as áreas, vai poder ter esse privilégio. Para isso, vamos rebaixar, vamos reduzir os textos a uma voz tatibitate, modernosa e linguisticamente irresponsável, vamos limitar o vocabulário e tomar outras medidas simplificadoras. Não se nota como essa posição — ela, sim — é presunçosa, arrogante e elitista. Não se pensa em estender a todos o que hoje é visto como das elites, pensa-se em baixar o nível e assim ser democrático, quando o que ocorre é o contrário.
Os laços lógicos desse paternalismo condescendente desafiam a imaginação e, num contexto em que cada vez mais o Estado (ou seja, no nosso caso, o governo) mete o bedelho na vida individual de seus súditos, podemos temer qualquer coisa. Quanto a Machado de Assis, não se pode fazer mais nada, além de reescrever seus textos. Mas, quanto aos autores vivos, pode-se incentivá-los (ou obrigá-los, conforme o momento) a ater seus escritos ao Vocabulário Popular Brasileiro, que um dia destes pipoca por aí, tem muita gente no governo sem ter o que fazer. Constará ele das 1.200 palavras compreensíveis pela melhor parte da juventude e do povo brasileiros e, para não ser elitista, quem publicar livro ou matéria de jornal não deve passar delas e quem usar uma palavra considerada difícil não apenas será sempre vaiado quando em público, como pagará uma multa por vocábulo metido a sebo.
Novos empregos serão abertos, para enfrentar a tarefa hercúlea de atualizar nossa literatura. Para que os poetas precisam de tantas palavras, quando as do Vocabulário seriam suficientes para exprimir qualquer sentimento ou percepção? Ou o elitista diria o contrário, menosprezando preconceituosamente a sensibilidade e a criatividade do povão? E rima, meu Deus do céu, para que se usou tanto rima, uma coisa hoje em dia completamente superada? E ordens inversas, palavras postas fora do lugar, que só podem confundir o leitor comum? Por essas e outras é que os jovens também não leem poesia.
E a lição se estende da literatura às outras artes. O povo não gosta de música erudita porque são aquelas peças vagarosas e demoradas demais. De novo, a solução virá ao adaptarmos Bach a ritmos funk, fazermos arranjos de sinfonias de Beethoven em compasso de pagode e trechos de no máximo cinco minutos cada e organizarmos uma coleção axé das obras de Villa-Lobos. Tudo para distribuição gratuita, como acontecerá com os livros de Machado reescritos, pois continuamos a ser um dos poucos povos do mundo que acreditam na existência de alguma coisa gratuita. E talvez o único em que o governo chancela, com dinheiro do cidadão, o aviltamento de marcos essenciais ao autorrespeito cultural e à identidade da nação, ao tempo em que incentiva o empobrecimento da língua e a manutenção do atraso e do privilégio.
João Ubaldo Ribeiro é escritor

quinta-feira, 29 de maio de 2014

Direito de ser esquecido e o Google ...

Bom artigo publicado no El País ...

...

É possível morrer depois da internet?

O espanhol Mario Costeja encarnou o paradoxo dessa época ao conquistar o “direito ao esquecimento” e, por isso, ser mais lembrado do que nunca. Nascido em São Paulo, no Brasil, país onde viveu até os nove anos, o advogado reclamava que, ao digitar seu nome no Google, encontrava em destaque um texto que manchava sua reputação. Era uma página do jornal La Vanguardia, publicada em 1998, que relacionava seu nome ao leilão de uma propriedade por dívidas com o governo. Ele pediu que os links para a matéria fossem removidos, mas tanto o jornal quanto o Google recusaram o pedido. Em 13 de maio, o Tribunal de Justiça da União Europeia determinou que buscadores como o Google deverão permitir que pessoas sejam “esquecidas” quando informações já superadas do seu passado forem consideradas lesivas ou sem relevância. O “esquecimento” seria consumado pela supressão de links na internet, exceto em situações nas quais existam razões específicas para serem mantidos, como o papel assumido na vida pública por aquele que reivindica o apagamento ou interesse público que se sobreponha ao interesse individual. A decisão só vale para a Europa. Mas abre um precedente, talvez perigoso, e uma discussão fascinante. Temos o direito de ser esquecidos? E, ainda que chegássemos a conclusão de que temos, como chegou o tribunal europeu, é possível ser esquecido?
Mario Costeja será para sempre lembrado por conquistar o direito a ser esquecido"
Mario Costeja, 56 anos, possivelmente irá descobrir que não. Ele teve uma vitória inédita – não sobre qualquer um, mas sobre um gigante, o Google. Mas, ao ter garantido seu direito de ser esquecido, nunca foi tão lembrado, especialmente no Google. Desde a decisão do tribunal, quando seu nome é digitado no buscador o número de citações é muitas vezes maior. Por várias páginas há matérias na imprensa de diferentes partes do mundo sobre a sua vitória. O que ele queria que fosse esquecido é lembrado em todas elas, já que é a razão pela qual buscou a Justiça. Se antes esse episódio podia, eventualmente, ser recordado por um público interessado, ao acessar o Google, agora jamais será esquecido por um número muito maior e mais variado de pessoas, ao entrar para a história do direito digital, um campo em acirrada disputa.
Mesmo eu, uma brasileira que nunca tinha ouvido falar de Mario Costeja, muito menos de suas supostas dívidas em 1998, estou aqui a escrever mais uma página que será somada à lista do Google. Em entrevista à Folha de S. Paulo, Costeja afirmou que estaria falando pela última vez com a imprensa: “Nunca pensei que podiam existir tantos meios de comunicação no mundo, me chamam de lugares cuja existência quase desconhecia. E recebo convites de TVs de todos os tipos. Mas desejo voltar à minha vida e ao anonimato”. Um desejo ingênuo, talvez, para alguns um golpe de marketing. Costeja será para sempre lembrado por conquistar o direito a ser esquecido.
Nossas páginas pessoais na internet não são o que somos, mas o que queremos parecer que somos"
Há várias implicações nessa decisão do tribunal europeu. Sem contar o debate complexo que tem oposto os direitos à informação e à liberdade de expressão ao direito à privacidade. Mas há uma, subjacente, que me interessa mais: a construção da memória depois da internet. Ou, sendo mais específica, não apenas se é possível ser esquecido, mas um pouco mais: é possível morrer?
Me parece que Mario Costeja queria não ser esquecido, mas controlar a narrativa da sua vida. Ele queria editá-la, cortando as partes que considerava vexatórias e mantendo as mais edificantes. Para ele, não bastava superar pessoalmente um mau momento, era preciso que ninguém soubesse que o tinha vivido. Costeja não está sozinho nesse desejo. Muitos fazem isso todos os dias na internet, esse campo em que cabe tudo, ao escolher o que postar no Facebook, no Twitter, em outras redes sociais, em blogs e sites pessoais, em forma de texto, vídeo, fotos e áudio. Só publicamos aquilo que acreditamos fazer bem para a nossa imagem – e, em última instância, para a nossa memória em construção.
Sabemos que as páginas individuais não são o que somos, mas o que queremos parecer que somos – o que também revela o que somos para além do que queremos mostrar. Nelas temos a possibilidade concreta de apagar, como uma ferramenta disponível, o que estimula uma ilusão de controle que a internet tornou ainda maior. Não se apaga, porém, o que de nós foi reproduzido ou guardado por um outro em seu próprio espaço ou num espaço coletivo, o que uma vez é publicado está para sempre além de nosso controle e de nossas senhas e de nosso limitado poder. Ainda que se apague dos lugares mais visíveis, restará um traço, um rastro, a ação que não pode ser revertida porque já consumada. Se o indivíduo dela não fizer uma marca com a qual possa viver, terá de enfrentá-la como um fantasma sempre pronto a assombrá-lo.
O corpo fluido da internet permite algo mais permanente do que uma gravação em pedra: uma na nuvem"
Como na internet tudo é rápido, instantâneo, imediato e, principalmente, “fácil”, há tanto a ilusão de controle como a tentação de controle. Nem me refiro ao embate político na construção da narrativa dos fatos pelos grupos interessados – na construção da história que, de certa forma, só pode existir como interpretação. Concentro-me na narrativa do indivíduo, de cada um de nós, sobre sua própria vida. O que se “esquece”, com muita frequência, é da permanência que a internet ampliou como nunca antes, ao mesmo tempo que se “esquece” da impermanência de nosso ser e estar no mundo. Esquece-se da constante descoberta de que, talvez daqui a alguns anos, podemos não querer mais ser aqueles que fomos – ou do nosso desejo de sermos outros na nossa constante recriação dos sentidos ao longo de uma existência. Temos tomado o instante como um tempo absoluto, sem perceber talvez que o corpo fluido da internet permite algo mais duradouro do que uma gravação em pedra: uma na nuvem.
Mario Costeja queria eliminar uma página de jornal, missão muito mais complicada. E impossível, apesar – e também por causa – de sua estrondosa e inédita vitória em tribunal tão importante. Nesse desejo ele expressa a ilusão contemporânea, que compartilha com todos nós, de poder apagar as marcas de uma vida para o olhar do outro – ou controlar como o outro nos vê. Enorme ilusão, na medida em que as marcas podem ser ressignificadas, mas jamais apagadas. Señor Costeja, a quem só uns poucos e os de perto talvez conheçam de fato, é um personagem trágico do nosso tempo.
Ele compartilha com todos nós a ilusão de poder apagar as marcas de uma vida para o olhar do outro – ou controlar como o outro nos vê"
Ainda mais trágico pela euforia demonstrada nas entrevistas à imprensa. “Lutar contra o Google é como ir contra Deus”, disse em 2013 ao EL PAÍS, com alguma razão. Senõr Costeja acredita agora ter vencido “Deus”, mas talvez descubra que a onipotência humana é uma batalha muito maior – e desde sempre perdida. Em algum momento, usando um termo psicanalítico, nos descobrimos “castrados”. E é melhor que assim seja.
Ainda assim, é importante perceber que, de forma enviesada, ele conseguiu substituir no topo da lista do Google a matéria específica que tanto o perturbava. Interferiu e produziu uma nova narrativa sobre si mesmo. Uma em que o “perdedor” de 1998 tornou-se o “vitorioso” de 2014. Não é pouco. Mas talvez ele descubra que as versões sobre sua vida estarão para sempre além do seu controle. É no embate narrativo, travado na esfera pública, mas também no interior dos conflitos privados ao longo de uma existência, que a memória de cada um é construída. Nesse movimento de constante criação e recriação de sentidos para o vivido, aquele que é só pode ser duvidando do que é.
Talvez Mario Costeja descubra que a onipotência humana é uma batalha muito maior e desde sempre perdida"
É fascinante que nós, aqueles que lutam cotidianamente nos espaços da internet para “existir”, para “ser lembrados” e constantemente reassegurados de seu valor no mundo – “curtidos”, “retuitados”, “seguidos”, “compartilhados” –, numa eternidade que se absolutiza no instante, comecemos a desejar o esquecimento. De certo modo, é preciso ser “esquecido” para poder ser “lembrado” de outras maneiras. É preciso talvez esquecer-se de si por um momento para poder se inventar de um outro jeito, movimento constante e inerente a uma vida que se pretende viva.
O mundo pós-internet nos impõe uma dificuldade muito maior nessa tarefa de reinvenção de si. O excesso de registros que, em grande parte, nós mesmos produzimos, torna mais difícil deixar lembranças para trás, jogá-las na lixeira ou confiná-las numa caixa que podemos escolher quando abrir ou jamais voltar a abrir. Não é possível nem desejável negar o vivido, nem mesmo e especialmente em grandes tragédias, mas é preciso poder transformar aquilo que sangra em marca para poder seguir adiante. E agora que sangramos para sempre num lugar sem tempo, talvez seja mais difícil.
Lembro uma reportagem que li ainda nos anos 90. A internet não era uma realidade para a maioria, o que tornava uma fuga e um desaparecimento algo com mais chances de dar certo do que hoje, quando somos fotografados, filmados e registrados na rua, dentro dos prédios, em toda parte. A partir de uma lista de desaparecidos – aquelas pessoas que vão comprar cigarro na esquina e nunca mais voltam –, o jornalista tentou localizar esses personagens para descobrir o que tinha acontecido com cada um. Descobriu que, numa parte significativa dos casos, pelo menos de sua amostragem, os que desapareceram queriam desaparecer. Realizaram uma fantasia, que passa pela cabeça de muitos, de renascer em outras bases, ser um outro numa outra vida, sem ter de responder pela existência anterior. Tinham mulher ou marido, filhos, pai ou mãe doente, dívidas, prestações intermináveis da casa própria, um trabalho menos emocionante do que gostariam. Queriam se livrar de um passado que determinava o presente e assombrava o futuro.
É fascinante que aqueles que lutam cotidianamente na internet para ser lembrados – curtidos, retuitados, seguidos, compartilhados – comecem a desejar ser esquecidos
O problema, como descobriu o jornalista, é que não é possível deixar as marcas para trás. Muito menos a si mesmo. O problema, talvez, é que nos carregamos em nossa fuga, com tudo o que somos, incluindo nossas cicatrizes e nossas neuroses. Na tentativa de desaparecer de uma vida para reaparecer em outra, que soava mais atraente e adequada a suas grandes expectativas, esses fugitivos fracassaram. A reportagem mostrava que aqueles que tentaram se reinventar na literalidade de uma fuga, morrendo para o mundo que os conhecia para renascer no desconhecido, supostamente sem passado e sem dívidas simbólicas e reais, acabavam por criar uma vida muito semelhante àquela que deixaram. O repórter os encontrou presos a uma existência em quase tudo igual à anterior. E já sem a ilusão de que haveria uma fuga possível. Ainda não tinham compreendido que, se quisessem viver várias vidas numa só, era preciso enfrentar a tarefa trabalhosa, constante e jamais terminada de criar e recriar sentidos para o seu estar no mundo.
Com a internet, como talvez descobrirá Mario Costeja, apagar o passado tornou-se uma ilusão ainda maior. Sites de busca como o Google hierarquizam nossas marcas por caminhos que nos são estranhos e a importância de nossos atos e dizeres se dá pelo que aparece em primeiro lugar, como tanto apavorou Costeja. Alguns de nós, que, como a maioria, sempre quis viver “para sempre”, viver para além da vida, começa a se preocupar em morrer para o mundo, ainda em vida. Mas, depois da internet, é possível morrer?
Alguns de nós, que queriam viver para além da vida, começam a se preocupar em morrer para o mundo, ainda em vida
Esta é a pergunta que move uma peça de teatromuito original, concebida pelos libaneses Rabih Mroué e Lina Saneh. Assisti a “33 rpm and a few seconds” (33 rpm e alguns segundos) no Pen World Voices Festival deste ano, em Nova York, evento literário criado pelo escritor Salman Rushdie (que recentemente andou pelo Brasil), do qual participei como autora convidada. Não há previsão de o espetáculo ser exibido no Brasil, o que é uma pena. Os autores, Rabih e Lina, conseguiram realizar algo de enorme impacto sobre a plateia, sem colocar um único ator no palco, o que também é muito revelador dessa época em que encenamos nossa vida como realidade – e seguidamente acreditamos que realidade é.
No palco, não há nenhuma pessoa. Só objetos. Não há nenhuma pessoa porque a pessoa que havia naquele escritório dentro de uma casa acabou de se suicidar. Somos informados de que o morto que habitava aquele lugar, Diyaa Yamout, era um jovem ativista de direitos humanos que filmou a sua morte. Mas somos informados pelos objetos que continuam se movendo – “vivendo” e o mantendo vivo – depois de sua extinção física. A TV continua ligada, assim como o aparelho de som e o de fax. A tela do computador projeta a repercussão de sua morte no Facebook. Uma amiga (ou amante?) vai gravando recados na sua secretária eletrônica. Outra amiga (ou namorada?), que está viajando para encontrá-lo, deixa torpedos no seu celular. As narrativas sobre a sua vida e a sua morte vão sendo construídas, sobrepostas umas as outras, mas ele já não está. Ou está?
Somos estrangeiros na própria vida, passageiros de uma existência em que o destino está sempre além, inalcançável, mesmo quando parece logo ali"
Nas redes sociais desenrola-se o que qualquer um que acompanha o Facebook ou o Twitter já está acostumado a testemunhar – e a participar. Ora o morto é um herói, ora um vilão. Ora é um covarde, ora um corajoso. Ora uma vítima, ora um algoz. Frases, ideais e intenções são atribuídos a ele por diferentes personagens. A partir dessas inferências se desenha um país que seria o Líbano, mas com clichês que costumam ser atribuídos ao Brasil e, imagino, também a outros países, como “república de bananas” ou “este país não tem jeito”. Logo há uma disputa nas redes sociais, violenta e ofensiva, pela memória do morto. Na tela, sentidos para sua morte e para sua vida são criados e recriados, em encarniçada contenda política, cultural e religiosa. Há os furiosos, há os líricos, há os que tentam transcender e os que tentam pacificar. Há uma enorme banalidade instantânea, previsível e repetitiva como só a banalidade pode ser.
Na tela da TV assistimos às costumeiras reportagens, sempre repetidas em casos como este. Entrevista-se os pais que choram, entrevista-se colegas e supostos amigos, ao final há sempre o “especialista”, na figura do psiquiatra ou psicanalista, que daria a interpretação final para o suicídio e para o legado do suicida. Conhecemos esse enredo, até o esperamos, como se não houvesse outra possibilidade, mais profunda e menos redutora, de olhar para uma vida – e para uma morte.
Enquanto isso, a mulher que tenta desesperadamente desembarcar no país do morto para encontrá-lo, sem saber que ele morreu, vai contando suas desventuras em lugar nenhum. Primeiro o avião tem problemas, depois as autoridades a retêm, são inúmeros os percalços e ela, uma palestina, encarna a própria terra ao nunca conseguir alcançar seu destino. Na busca por ele e por chão, ela permanecerá em trânsito. Nessa narrativa, ela radicaliza nossa condição de estrangeiros na própria vida, passageiros de uma existência em que o destino está sempre além, inalcançável, mesmo quando parece logo ali.
A única forma de morrer (ou de ser esquecido) é estar fora da linguagem – ou nunca ter falado"
E o morto-vivo? Ou o vivo-morto?
O jovem ativista que escolhe se matar (é o que ele diz, foi uma escolha), escreve em sua carta-testamento: “A vida é uma prisão. A única liberdade possível é a não existência”. É nas mensagens da secretária-eletrônica, deixadas pela mesma voz feminina, por alguém que o conhece, no sentido profundo de conhecer, não no superficial que desfila na tela do Facebook ou nas matérias de TV, que o paradoxo dessa época se desvela. A certa altura, ela diz: “É possível estar fora do corpo, mas não fora da linguagem. Meu amigo, a única forma de morrer é estar fora da linguagem – ou nunca ter falado. Você falou muito, palavras demais. Para sempre estará preso na linguagem”.
Ele morreu, seu corpo não está lá. Mas, como nós, ele está vivo numa multiplicidade de narrativas em movimento que, com a internet e a tecnologia, tornou-se a eternidade que buscamos com tanto afinco – e finalmente alcançamos. Apenas para descobrir que a tragédia era outra.
Esta é a armadilha. Já não é possível morrer.
Eliane Brum é escritora, repórter e documentarista. Autora dos livros de não ficção Coluna Prestes - o Avesso da Lenda, A Vida Que Ninguém vê, O Olho da RuaA Menina Quebrada, Meus Desacontecimentos e do romance Uma Duas. Email:elianebrum.coluna@gmail.com. Twitter: @brumelianebrum

E Joaquim se aposenta ...

Hoje o ministro Joaquim Barbosa anunciou que irá pedir sua aposentadoria no próximo mês. Ele deve ter os motivos dele, e não cabe a nos discutir a decisão.

Ouvindo a CBN e  lendo matérias em diversos meios de comunicação, restou evidente a tentativa geral em registrar a aposentadoria do ministro como uma grande perda. Não acreditei na maioria das palavras, pois é notório que o juiz deu muito trabalho, tirou o sono de muitos ...

Particularmente, vejo na gestão do ministro mais pontos negativos do que positivos, mas é o meu ponto de vista.

Na semana que vem teremos o início a corrida pela cadeira no STF ... melhor seria esperar a aposentadoria definitiva, vai que ele muda de ideia!?

No STF, ministro Joaquim Barbosa anuncia aposentadoria antecipada

Joaquim Barbosa [Carlos Humberto/SCO/STF]No início da sessão desta quinta-feira (29/5), o ministro Joaquim Barbosa comunicou sua decisão de deixar o Supremo Tribunal Federal no fim de junho. Ele anunciou que decidiu “se afastar” não só da Presidência do tribunal, mas também do cargo de ministro. “Requererei meu afastamento do serviço público depois de quase 41 anos”, declarou.
Barbosa disse se considerar um privilegiado por ter feito parte do Supremo “no que é, talvez, seu momento mais fecundo, de maior criatividade e de importância no cenário político-institucional do nosso país. Sinto-me deveras honrado de ter feito parte desse colegiado e ter convivido com diversas composições e evidentemente com a atual composição."
Chamou atenção o discurso do ministro Marco Aurélio, vice-decano da corte, que fez as vezes de decano, já que o ministro Celso de Mello não estava no Plenário no início da sessão. Falando de improviso, o ministro misturou expressões de lamentação e de repreensão. “A cadeira do Supremo Tribunal Federal tem envergadura maior”, declarou, “mas devemos reconhecer que a saída espontânea é direito de cada qual”.
Marco Aurélio costuma ter na ponta da língua a conta dos anos, meses e dias em que está no cargo de ministro do STF. Aposenta-se em 2016, quando completa 70 anos. “Lamento a saída, porque penso que devemos ocupar a cadeira até a undécima hora, mas compreendo a decisão, até porque estou acostumado à divergência.”
Referindo-se ao julgamento da Ação Penal 470, o processo do mensalão, o vice-decano destacou o papel de relator desempenhado pelo ministro Barbosa. Mas fez questão de dizer que as decisões tomadas não foram de apenas um ministro, mas do colegiado.  “O Supremo, como colegiado, acabou por reafirmar que a lei é lei para todos indistintamente, e que processo não tem capa, mas conteúdo. E que não se agradece esse ou aquele ato a partir da ocupação da cadeira no Supremo.”
O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, lembrou do dia em que ele próprio, o ministro Joaquim Barbosa e o ministro Gilmar Mendes tomaram posse como procuradores da República: 1º de outubro de 1984. “Era um tempo em que tínhamos cabelo, não tínhamos cabelos brancos e nem barriga”, brincou. “Jamais sonhei em um dia estar aqui e dividir esta responsabilidade.”
Janot agradeceu o trabalho do ministro — e ex-procurador da República — Joaquim Barbosa “tanto como membro do Ministério Público quanto como ministro do Supremo Tribunal Federal”. E tranquilizou o presidente para que ele se sinta com “o dever absoluta e completamente cumprido”.
O ministro Joaquim Barbosa foi indicado ao Supremo pelo ex-presidente Lula. Tomou posse do cargo em 2003 e poderia ficar até 2024. Não disse o que o motivou a sair a seis meses do fim de seu mandato na Presidência. Há quem diga que ele assumirá algum cargo na chapa do candidato a presidente da República pelo PSDB, Aécio Neves.
Com a saída do ministro, haverá uma nova corrida pela cadeira no Supremo. Por enquanto, especula-se como possíveis ocupantes da vaga os ministros Luis Felipe Salomão e Benedito Gonçalves, do Superior Tribunal de Justiça, e os ministros da Justiça, José Eduardo Cardozo, e chefe da Advocacia-Geral da União, Luís Inácio Lucena Adams.
*Texto alterado às 19h21 do dia 29 de maio para acréscimos.
Revista Consultor Jurídico, 29 de maio de 2014, 15:31h

CNJ, CNMP e outros desafios ...

Bom artigo do professor Lenio que debate, entre outros temas, o exercício deslocado de funções pelo CNMP e pelo CNJ.

Publicado na Conjur:

http://www.conjur.com.br/2014-mai-29/juiz-brasileiro-tipo-prefiro-nao-eu-nao-acredito

Juiz brasileiro é do tipo “prefiro não fazer”? Eu não acredito!

Caricatura Lenio Streck [Spacca]Como cheguei a este texto?
Estava com a coluna pronta. Fui para a serra, no frio, e, sem internet, li e escrevi. O assunto seria as Eumênidas e a autonomia do direito. Cheguei a fechá-la. Voltei à planície e, chegando em casa, encontrei o e-mail cheinho. Vinte e três mensagens me indicando um texto que saíra no jornal Valor Econômico. Tão importante que foi republicado pela ConJur. Fiquei pensando como seria uma reunião de emergência na ConJur, no sábado, reunindo Márcio, Tadeu, Leonardo, Alessandro e o Marcos (tirado de suas merecidas férias): pauta — arrumar espaço urgente para o artigo-bomba do qual falarei na sequência (desculpem, amigos da ConJur, mas não resisti). Até o Ranking da Semana ficou para segunda-feira.
Ávido, abri o arquivo e já estava no ConJur. Título: Imobilismo processual – juiz brasileiro opta pela replicação e automatização, escrito pelo desembargador do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais (TRT-MG) José Eduardo de Rezende Chaves Junior (ler aqui). Como não o conhecia — por pura ignorância e por isso me penitencio — li o curriculum ao pé da página e pensei desde logo: eis aí uma crítica das mais duras já feitas ao Judiciário brasileiro. No mínimo uma das mais contundentes. Uma metralhadora giratória.
Pensei: eis aí o juiz ideal. Deve ser o magistrado que é contra o livre convencimento, que é contra o pamprincipialismo, que é contra o instrumentalismo, que é contra o papel protagonista, etc. Coração batendo mais forte, devorei o texto.
Uma parada para um caféEsta coluna foi difícil de fazer. Muitos que me espinafram todas as semanas aqui neste espaço (e eu suporto, estoicamente) dirão que “lá vem ele de novo criticando sem apresentar soluções - sic” (para estes, ofereço um Kit-Streck, com mais de 2 mil páginas escritas sobre decisão jurídica). Na verdade, farei apenas uma análise das críticas duras que o articulista, desembargador do TRT-MG, faz ao Judiciário. Não sou eu quem as fez. Por isso, limitar-me-ei a fazer comparações do que o articulista vem escrevendo e como vem decidindo com aquilo que, de forma tão contundente, aponta como falha no agir dos juízes deterrae brasilis. Nem eu sou tão duro com o Judiciário como ele foi no artigo.
Cada um é responsável pelos que cativa (ou cada um é responsável por aquilo que escreve). Por isso, não poderia deixar de atender aos 23 leitores que me mandaram e-mails “cobrando” uma anamnese do artigo do desembargador do TRT-MG, onde, por sinal, está lotado um dos meus grandes amigos (e irmão de fé), o desembargador Jorge Berg, de cujas mãos e de seu carinhoso pai recebi, há anos atrás, a Comenda da OAB de Juiz de Fora, que guardo com muita honra na lapela de um dos meus velhos ternos.
Portanto, ao textoAs acusações aos juízes são graves. Perto delas, as minhas críticas vão para os juizados especiais de “pequenas críticas” (JEPECrit). Com efeito, já de cara o desembargador faz uma analogia — duríssima — com o personagem Bartleby, o Escrivão, de Hermann Melville (vejam o vídeo do Direito e Literatura). O personagem era caracterizado pelo “prefiro não fazer”. Eu, por exemplo, nem de longe pensaria em fazer tal analogia. Ele o fez.
Diz que o juiz brasileiro está se caracterizando “pela decisão-cópia e pela jurisprudência defensiva”. Fala da “produção em série” e que “transita-se na pura indistinção entre cidadania e mercado. (...)”. Faz também uma crítica ao tsunami de microconflitos em massa que inunda foros.
É duríssimo com a doutrina. Na verdade, ele arrasa (com) a doutrina. Diz que a Justiça tem se dedicado cada vez mais ao principiologismo abstrato (sic), fingindo que o problema não é com ela... Diz que “há um espaço vazio de ideias” (sic). Encerra asseverando que “caminhamos para a pura catatonia judiciária, para o imobilismo processual imposto pelo titânico volume de ações judiciais, sem precedentes no mundo, pelo bacharelismo gongórico, pela teorética abstrata e pelo gerencialismo modernoso”. E conclama: o que será preciso fazer? “Gritar”? 
Eu respondo: sim, é preciso gritar. Mas cuidado. Determinadas críticas podem ser um tiro no pé. Veja-se: o desembargador não deixou pedra sobre pedra. De minha parte, quero dizer que, neste ConJur, tenho comparecido todas as semanas para falar da crise da administração da justiça. De pronto, já aviso ao articulista: não creio que haja um vazio na doutrina. Calma. Tem muita gente pesquisando esse assunto. Fico impressionado quando se descobre a pólvora na crítica jurídica. Tudo o que nosso desembargador denuncia faz parte de um conjunto de pesquisas que de há muito estamos fazendo. Não apenas eu, mas uma porção de gente, como Dierle Nunes, Marcelo Cattoni, Alexandre Bahia, Alexandre Rosa, André Karam Trindade, Adalberto Hommerding, Rafael Tomaz de Oliveira, Georges Abboud, Lucio Delfino e tantos outros. Há dezenas de dissertações e teses e livros sobre isso na UFPR, com Jacinto Coutinho, Aldacy Coutinho (na área do Direito do Trabalho), na PUC-SP, sob a orientação de Nelson Nery Jr, na USP (Bercovici, Otavio Rodrigues Jr), na Unesa (Vanice do Vale, Fabio Oliveira, Aluisio Mendes, entre outros), na Unisinos (sob minha orientação, Bolzan de Morais, Leonel Rocha), na UFSM (Jania Saldanha), na PUC-RS (Ingo Sarlet), na PUC-Ciências Criminais (Aury), na UNIFOR (Martonio Barreto Lima) e assim por diante.
Fazer um artigo-bomba fazendo terra arrasada no Judiciário vindo de dentro dele mesmo pode ser bom... e pode ser ruim. Ruim, porque o próprio autor é um dos atores da tragédia denunciada (e demonstrarei isso na sequência, para mostrar a incoerência e as inúmeras contradições do artigo!). E, pelo curriculum vi que faz parte de comissão sobre E-Processo e que assessorou a Presidência do CNJ, o mesmo CNJ que exige 13 relatórios dos juízes por mês (ou algo assim). O mesmo CNJ que contribui para a abstratalização denunciada pelo articulista. O mesmo CNJ que legisla sobre processo. E que jurisdiciona como se, stricto sensu, judiciário fosse.
Ora, poderíamos aqui, rapidamente, elencar algumas das razões pelas quais parcela do Judiciário é isso o que o articulista acabou de denunciar: a) por exemplo, por causa do protagonismo dos juízes; b) por causa do poder discricionário que ninguém quer abrir mão, o que se pode ver pela defesa do livre convencimento, c) pela ausência de uma teoria da decisão, pela falta de critérios na decisão (veja-se o problema até mesmo no STJ e no STF, que não tem uma criteriologia para definir coisas como a insignificância nos crimes de furto e descaminho); d) pelo solipsismo reinante, o que se pode ver pela invenção e defesa de coisas como “o princípio da primazia da realidade” e pela sustentação da “verdade real” e e) pela opção por um processo eletrônico que desumaniza.
E, para (não) surpresa minha, fui examinar a produção do articulista e seus julgamentos. Insisto: cada um é responsável pelos que cativa. Nos votos do articulista, vi de tudo, da defesa da verdade real ao pamprincipialismo, passando pela sustentação do livre convencimento. Por exemplo, enquanto critica o principialismo abstrato (sic), veja-se que ele mesmo ajudou a inventar nove (novos) princípios, como da conexão, da imaterialidade, da interação, da desterritorialização, da instantâneidade, da hiperrealidade, da intermidialidade, da automatização ou da responsabilização algorítmica e, finalmente, o princípio da proteção aos dados sensíveis. Pergunto: Onde qualquer desses standards poderia ser um princípio? Qual é a sua normatividade? Onde está a sua deontologicidade? Pronto. Não é difícil entender porque a justiça é isso que o nosso articulista disse que é, pois não? Só que ele é um dos protagonistas dessa fenomenologia (ler aqui). E isso precisa ser dito. Se ninguém diz, digo eu. Na verdade, nosso articulista defende mais do que um pamprincipilogismo. Vendo os tais princípios, pode-se detectar um matrixprincipiologismo.
Leio também que ele quer "trocar a pirâmide kelseniana pela nova ciência das redes". Primeiro: quem ainda defende a tal pirâmide kelseniana? E o que é isto — a pirâmide kelseniana? E o que ela tem a ver com a morosidade do processo? A tal “pirâmide” é assunto mais velho que a metodologia do Savigny... Parece que no afã de revolucionar a teoria processual com foco nas novas tecnologias, ele acaba por virtualizar os paradigmas filosóficos — no sentido de ignorá-los e/ou torná-los sem efeito concreto e atual. Fala, ainda, dos "operadores do processo" dentro daquela visão meramente instrumentalista (embora os chame também de "atores"), que acaba sendo, em alguma medida, contraditória com a complexidade do fenômeno processual mesmo no viés por ele abordada (ler aqui).
Como julgador, o desembargador-articulista defende o princípio da primazia da realidade. [1] Ou seja, quer algo mais protagônico que o tal “princípio”? Por esse “princípio”, facilmente joga-se para o alto a legislação e se adota uma espécie de “realismo jurídico tardio” (que não deixa de ser um positivismo fático). Ora, qualquer um sabe que um dos problemas do judiciário é o excesso de protagonismo. Isso complexiza ainda mais o “sistema”, em vez de descomplexizá-lo. É só ver o que os adeptos das teorias sistêmicas acham do tal “princípio”.
Em outra ementa, a legislação é tratada como mera instrumentalidade, ou seja, a "lacuna" é integrada pela aplicação analógica de dispositivo legal, no que denomina de "princípio" da integração analógica. [2] Eis aí o fator Oskar Büllow bem presente.
Na seguinte ementa, o desembargador é voto vencido na Turma. Entende que o intervalo de 15 minutos do artigo 384 da CLT, previsto no capítulo de proteção do trabalho da mulher, deveria ser aplicado aos homens com base na isonomia. [3] Esquece-se que a própria CF/88 faz inúmeras diferenciações entre homem e mulher, tal como a proteção do mercado de trabalho da mulher (art. 7º, XX) e as diferenças de tempo de aposentadoria (art. 201, § 7º). Eis aí um voto ativista, pois não?
Já que ele é crítico — como frisei, ele escreveu um dos textos mais ácidos contra o Judiciário nos últimos tempos —, não deveria ignorar a diferença entre texto e norma. [4] Veja-se como nesses autos ele estabelece qual o sentido da “interpretação da norma contida no artigo 467 da CLT”.
E defende a verdade real no direito do trabalho. Veja-se. “A valoração da prova oral. Princípio da imediatidade. Princípio da persuasão racional. Em sede de instância revisora, as linhas frias do depoimento testemunhal, consignado em ata, não podem se sobrepor ao exato momento em que o mesmo foi prestado, cabendo, tão-somente, ao Juízo a quo, em face do Princípio da Imediatidade, aquilatar as reações dos depoentes, sintonizando-as com a verdade real”. [5] Peço um milhão de desculpas, mas, se bem entendi, pela tal “imediatidade” e pela “verdade real” (seria a verdade ontológico-essencialista?) há que se confiar na capacidade que tem o juiz de captar as sensações exsurgentes dos testemunhos e dos gestos e comportamentos das partes? Mas, objetivamente, como se afere isso, quando se sabe que a tal “verdade real” não resiste a cinco segundos de filosofia?
E o que dizer do livre convencimento? Quer algo mais solipsista que a defesa do livre convencimento? Vejamos o que diz o articulista em um acórdão de sua relatoria: “Livre convencimento motivado do juízo. Desnecessidade de pronunciamento sobre todas as provas”. [6] Como assim, desnecessidade? Quer dizer que, se o juiz está convencido, não precisa ver “mais nada”? Tenho que confiar no seu “livre convencimento”? É isso mesmo? E isso é democrático? Mas o que é mais irônico neste ponto é que o articulista, em artigo acadêmico, critica o juiz solipsista (ler aqui). Então: o que seria para ele o tal “juiz solipsista”? E veja-se que nesse mesmo texto ele diz que sentença tem a ver com “sentimento”. Como explicar todas as suas críticas ao Judiciário e ao comportamento dos juízes se ele mesmo defende atitudes que contribuem sobremodo ao esse estado e coisas?
Para encerrar — poderia trazer tantos outros acórdãos (foram 23 e-mails que recebi) — registro que no AP - 2777/05, ele trata princípios como normas. Correto! Só que no RO -27178/08 ele contrapõe princípios às normas. De todo modo, a julgar os princípios empregados nos julgados, parece mesmo que princípios, para o autor, não são normas. Se fossem, como justificar o princípio da hiperrealidade?
Numa palavra
Era isso que eu queria dizer aos meus leitores. Quando critico o Judiciário e o Ministério Público, faço-o a partir de um conjunto de escritos que buscam guardar uma coerência teórica. E não faço discursos terra arrasada ou “grau zero de sentido”. Todos sabem que, ao mesmo tempo em que critico o solipsismo, sou um dos maiores defensores da jurisdição constitucional. Porque o solipsimo é marca da não-democracia (não é por nada que Habermas critica tanto a razão prática eivada de solipsismo — e olha que eu nem sou habermasiano!). Chego a ser taxado de conservador na defesa do texto da Constituição. Até de positivista exegético sou acusado volta e meia. Portanto, paradoxalmente, minha crítica é, ao mesmo tempo, uma candente defesa das Instituições. Para tanto, basta ver minha defesa do substancialismo que faço em Jurisdição e Decisão Jurídica (RT 2013-2014).
Por isso, fiz esta coluna. Despiciendo dizer que não tem qualquer conotação pessoal. O articulista, desembargador do TRT mineiro, tem uma trajetória de sucesso, com efetivas contribuições ao Direito do Trabalho brasileiro. Só que, neste caso, sua crítica é contraditada pelos seus próprios escritos e julgamentos. Nem é preciso que eu faça juízo de valor. Sei de suas críticas ao processo de papel e também ao fato de que não adianta transformar os processos de papeis em eletrônicos se o juiz ficar com “a cabeça de papel”. OK. Ocorre que a questão é mais complexa. Não adianta transformar os processos em eletrônicos se os juízes pensarem que exista a verdade real e coisas desse gênero. Juízes não constroem princípios. Nem em (e com) processos de papel, nem em (e com) processos eletrônicos. Simples assim!
Esse é o busílis. Criticar não quer dizer atirar a esmo. E, para registrar: não concordo com a frase “somos todos culpados” que encerra o artigo. Por favor, inclua-me fora dessa. Não-tenho-culpa-nisso! Vamos falar de decisões solipsistas? Vejo também nos textos do articulista que, para ele, o problema fulcral do processo é o papel. Podemos até concordar nisso, dependendo do modo como compreendemos esse fenômeno pós-moderno. Só que o articulista radicaliza, ao que li. Para ele, substituindo o processo “de papel” por processo eletrônico (em rede) resolveria. Pois é. Com a palavra, os processualistas de terrae brasilis.
Sei, finalmente, da boa vontade do articulista. E de seus esforços. Mas para atingir seu desiderato, necessita, primeiro, não colocar todos os juízes no mesmo patamar. Há juízes não solipsistas, não protagonistas e posso elencar dezenas. Igualmente não creio que se aplique a analogia do “prefiro não fazer”, do escrivão de Melville, aos juízes brasileiros. Ao contrário: até penso que os juízes brasileiros por vezes fazem demais: para tentar resolver os problemas sociais, substituem-se ao legislador. Daí o excessivo ativismo que venho denunciando. Portanto, não é devida a crítica do “prefiro não fazer”. Nem de longe.
Por outro lado, não creio que o processo eletrônico venha a resolver o-problema-das-efetividades-qualitativas. Pode resolver, sim, as efetividades quantitativas. Nada mais do que isso. Um judiciário mais humano e humanizado passa pelo olhar cuidadoso do juiz. Do juiz que julga. Do juiz não é gestor. Do juiz que é juiz do caso concreto. Do juiz que tem critérios para decidir. Do Judiciário que respeita a coerência e integridade no decidir. Do direito fundamental a que o jurisdicionado tenha uma resposta adequada à Constituição e à integridade do direito.
E, fundamentalmente, um judiciário somente será democrático se o direito do cidadão-parte não depender de ficções como “verdade real”, “livre convencimento” e princípios ad hoc como afetividade, cooperação processual (insisto que isso não é princípio), imaterialidade, desterritorialização, instantaneidade, hiper-realidade, intermidialidade, responsabilização algorítmica, etc... Aliás, o que é isto — o princípio da hiper-realidade? E o que é isto — a responsabilização algorítmica? De onde exsurge a sua normatividade? Ah, já sei: princípios não são normas... são apenas valores. É o que se diz por aí. Ah bom. Não me admira que o Judiciário seja (ou pareça ser) isso que o articulista acabou de desenhar...! 
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[1] TRT da 3.ª Região – Proc.00750-2012-005-03-00-9 – 20.11.2013.
[2] TRT da 3.ª Região; Processo: 02517-2012-103-03-00-6 RO.
[3] TRT da 3ª.  Região  Processo: 01524-2012-092-03-00-1.
[4] TRT da 3.ª Região; Processo: 01654-2012-021-03-00-7.
[5] TRT da 3ª.  Região; Processo:  00268-2012-048-03-00-7 .
[6] TRT da 3ª. Região; Processo : 0000603-91.2011.5.03.0030 RO.
Revista Consultor Jurídico, 29 de maio de 2014, 08:00h

terça-feira, 27 de maio de 2014

Lamentável realidade brasileira.

Impressionante a matéria do El Pais. Infelizmente essa ainda é a realidade brasileira.
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Uma fraude mantém Alagoinha do Piauí como a cidade mais analfabeta do país

Pelas ruas de casas coloridas de Alagoinha do Piauí, cidade do sudeste piauiense brasileiro, dez de cada quatro jovens e adultos não enxergam. Ao menos metaforicamente, já que é essa a descrição dos que não sabem ler e escrever para a maneira como veem o mundo. “Ser analfabeto é o mesmo que ser cego”, define a dona de casa Josefa Maria de Sá, de 31 anos, que só sabe “copiar” o nome.
A cidade do semiárido nordestino, de 7.341 habitantes, é a que concentra o maior número de analfabetos do país: 44% de seus cidadãos maiores de 15 anos, idade correta para a conclusão do ensino fundamental, não sabem ler e escrever. Taxa muito acima da do país (8,7%) e pior que a de nações pobres, como Madagascar (36%), Ruanda (29%) ou Camboja (26%). Uma realidade causada por anos de descaso com a educação e materializada em um cenário de salas de aula insuficientes, escolas sem instalações adequadas, falta de transporte escolar e até fraudes em projetos que buscavam desmanchar esse exército de analfabetos.
“Aqui a situação é triste, minha filha. Tudo é camuflado”, conta M.S, uma comerciante da rua principal da cidade, que pediu para não ser identificada. “Tinha uma vizinha que se cadastrou num desses projetos de alfabetização do governo. Veio aqui em casa e me pediu para que eu desse o nome para colocar na lista dos alunos dela. Eu tenho nível superior, não aceitei. Mas teve um monte de gente que colocou só para ajudar e nunca viu uma aula.”
O programa a que ela se refere é o Brasil Alfabetizado, criado em 2003 pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), ele mesmo um filho do semiárido nordestino com pouca escolaridade (estudou até o fundamental). O objetivo é acelerar a alfabetização de jovens e adultos, em cursos livres, de menos de um ano, dados por alfabetizadores leigos –pessoas que tenham o ensino médio completo sem serem, obrigatoriamente, professores. Ele é implementado nos municípios por meio de uma parceria com o Estado ou, diretamente, com a própria cidade.
Dentre os alunos de 6 a 14 anos que frequentam o ensino fundamental em Alagoinha, 33% estão até dois anos atrasados; apenas 21% dos jovens entre 18 e 20 anos concluíram o ensino médio; e só 6% dos jovens de 18 a 24 anos fazem faculdade.
Cada educador recebe uma bolsa de 400 reais e deve formar uma turma com 14 alunos, em áreas urbanas, e sete, em áreas rurais. A fiscalização falha criou histórias como a da comerciante, abordada pela vizinha em 2005, confirmadas pelo prefeito, Pedro Otacílio (PSB), e pelo secretário municipal de Educação, Marcio Ribeiro. Ribeiro ressalta ter conhecimento da prática até pelo menos 2010, mas Otacílio, que assumiu em 2011, após o afastamento do antigo prefeito acusado por compra de votos, diz que a fraude não acontecia com os alfabetizadores contratados pela prefeitura e, sim, pelos do governo do Estado – que, por sua vez, nega saber de fraudes, mas reconhece dificuldades na fiscalização.
“Cada professor arranjava seus alunos e alfabetizava. Mas nesses programas às vezes existem algumas distorções”, ressalta o prefeito. A prática fazia com que os verdadeiros analfabetos muitas vezes ficassem sem acessar o programa, já que nem chegavam a ser procurados pelos supostos educadores.
Mas não é apenas o analfabetismo que mantém o município nos porões da educação. De acordo com dados reunidos no Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil de 2013 feito pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), dentre os alunos de 6 a 14 anos que frequentam o ensino fundamental em Alagoinha, 33% estão até dois anos atrasados; apenas 21% dos jovens entre 18 e 20 anos concluíram o ensino médio; e só 6% dos jovens de 18 a 24 anos fazem faculdade. Os mesmos dados mostram que o tempo médio de vida escolar esperado para as crianças da cidade é de sete anos.
Tudo isso representa uma melhora em relação a dados de anos anteriores, em grande parte devido a implementação do Bolsa Família, criado em 2004, que oferece um rendimento mensal para os domicílios em extrema pobreza ou pobreza (renda per capita de até 154 reais por mês), situação de 78% da população local. O programa obriga que as crianças das famílias receptoras da verba estejam na escola.
A procura pela educação tem crescido. Situações como a de Josefa, a analfabeta de 31 anos que teve que trabalhar na roça desde os 5, já não são comuns. O filho dela, João Neto de Sá, 11, estuda e não trabalha. A família recebe 234 reais por mês do Bolsa Família, enquanto num mês bom consegue 150 reais com a roça.
A maior demanda de crianças pelas aulas, no entanto, não foi acompanhada de investimentos nas estruturas de ensino. Das treze escolas municipais de Alagoinha, dez têm classes multisseriadas –onde alunos de séries diferentes ficam na mesma sala, com uma professora que se divide para lecionar conteúdos diferentes. “Tem vezes que a professora bota a gente para ler algum texto enquanto ensina a outra série”, conta Maria Eduarda de Carvalho, 10 anos, estudante do quinto ano, que divide a professora com os alunos do quarto ano.
O colega dela, Lucivânio Luis de Sá, conta que na série anterior há alunos que ainda não sabem ler. “Tem um menino de 14 anos e outro de 13 do quarto ano que são analfabetos. Quando tem prova, temos que terminar a nossa e depois ler as questões para eles responderem”, conta. Os próprios funcionários reconhecem que é difícil trabalhar. Há muito barulho: as crianças se dispersam quando não são o foco da professora e começam a conversar.
As escolas multisseriadas ficam na zona rural, onde vive quase 64% da população de Alagoinha. A maioria tem uma ou duas salas apenas. Algumas são precárias. Em uma, os funcionários colocaram ao lado da privada do banheiro um balde para ser usado como descarga. Em outra, até dois meses atrás não havia vasos sanitários, apenas um buraco no chão. Numa terceira, não há forro no telhado da sala de aula e as carteiras costumam ficar repletas de fezes de passarinhos. O prefeito, que tem executado reformas em algumas unidades, diz que pretende acabar com alguns desses colégios e aumentar outros, para que eles possam receber os alunos das escolas que serão extintas. Mas a medida enfrenta a relutância de pais, que preferem que os filhos estudem perto de casa.
O município oferece atualmente 150 bicicletas e cinco ônibus escolares, que recolhem os alunos ao longo dos 450 quilômetros quadrados de extensão da cidade. Mas em algumas estradas de terra, segundo o prefeito, os ônibus não passam e a solução é recorrer a caminhonetes, diz. Isso afeta especialmente os alunos do período noturno, que estudam na escola do centro da cidade. À noite, é possível flagrar os veículos chegando ao local com dezenas de estudantes dentro de caçambas abertas. Muitos vão de pé, como Fátima Silva, 20, que viaja de forma desconfortável todos os dias durante o trajeto de uma hora entre a casa dela e a escola. “Tem que ir segurando. Muita gente desiste de estudar porque não aguenta.”

Programa é difícil de fiscalizar, diz governo

T.B/Alagoinha do Piauí
Rosimar Soares Costa, diretora da unidade de educação de jovens e adultos do Governo do Piauí, afirma que o Estado nunca recebeu denúncias de fraude em Alagoinha, mas reconhece que a fiscalização do programa é difícil, já que o Governo federal não financia a ida de equipes técnicas aos municípios.
O Governo federal, por sua vez, diz que técnicos do Ministério da Educação fazem visitas locais para averiguar a execução e a qualidade do programa. “Se constatadas irregularidades ou no caso de não cumprimento das metas pactuadas a coordenação do programa toma as providências necessárias para que haja a restituição à União.” Disse, no entanto, que não havia registros de denúncias relacionadas à execução em Alagoinha.
Segundo o Ministério Público Federal do Piauí, existem 43 procedimentos de investigação de denúncias de fraude no programa no Estado, além de cinco ações civis de improbidade administrativa. Entre as irregularidades estão: não prestação de contas ou prestações falhas, má aplicação dos recursos, desvio de verba pública, contratação irregular de funcionários, entre outros.
O município de Alagoinha é investigado em um deles pela suspeita de irregularidades na contratação de uma ONG pela prefeitura para administrar a escolha e o cadastro dos alfabetizadores em 2008. Segundo o secretario de educação, Marcio Ribeiro, que também estava no comando da pasta na época, foi uma acusação política sem fundamento. O procurador responsável, Francisco Forte, diz que decidiu pelo arquivamento porque o crime teria prescrito e por ter acreditado na inocência de Ribeiro, após averiguar a prestação de contas, mas não deu mais detalhes do processo, que agora aguarda análise de uma instância superior.
Em 2007, o então ministro da Educação, Fernando Haddad, afirmou que investigações do ministério descobriram que municípios contratavam ONGs para gerir o programa de alfabetização com verba federal, o que não é irregular, e que auditorias internas nessas contratações constataram a existência de problemas como a matrícula de alunos não analfabetos e estudantes matriculados em duas turmas. A verba destinada à participação de ONGs diminuiu.
Hoje, o programa online que realiza o cadastro dos alunos tenta minimizar essas falhas, conta Rosimar. Responsável pelo cadastramento dos educadores das atuais turmas em curso do programa, ela diz que o sistema cruza dados de diversos outros programas do Governo para encontrar informações que possam apontar fraudes. “No momento da inscrição, recebemos muitas listas com alunos que no sistema já constavam como alfabetizados”, conta ela. Eles não foram matriculados.

Trabalho escravo no Brasil ...

Impressionante que em pleno século 21 ainda se encontre seres humanos em condições análogas a de escravos ...

Matéria do G1:

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Trabalhadores em situação análoga à escravidão são resgatados em Goiás

Trabalhador teve ferimento no rosto ao trabalhar em fazenda de Jataí, GO (Foto: Divulgação/ SRTE-GO)
Sete trabalhadores foram encontrados em condições análogas à de escravidão em uma fazenda de Jataí, no sudoeste goiano. De acordo com a Superintendência Regional do Trabalho e Emprego em Goiás (SRTE-GO), eles tinhas uma jornada de trabalho de 15 horas, sem intervalo para descanso. Os auditores fiscais interditaram a propriedade rural e resgataram os empregados na segunda-feira (26), após os fazendeiros pagarem às vítimas o valor total de R$ 30.927,74.
Composto por homens de 24 a 32 anos, o grupo trabalhava na plantação de eucalipto desde o início do ano. Eles eram responsáveis pelo carregamento, empilhamento, carga e descarga de toras de eucalipto.
Segundo a SRTE-GO, o trabalho oferecia diversos fatores de riscos à saúde e integridade física dos trabalhadores. Entre eles estão “ferimentos nas mãos e demais partes do corpo; exposição à poeira; exposição ao ruído das máquinas, picadas de animais peçonhentos e posturas penosas”.
Os empregados da fazenda tinham as carteiras de trabalho assinadas com um salário mínimo. Entretanto, eles ganhavam R$ 3 por metro de madeira carregada no caminhão e R$ 2 por metro de madeira descarregada e, segundo informaram aos auditores, nunca chegaram a receber o valor de R$ 724 no mês.
Condições do alojamento dos trabalhadores em fazenda de Jataí, Goiás (Foto: Divulgação/ SRTE-GO)Condições do alojamento dos trabalhadores em
fazenda (Foto: Divulgação/ SRTE-GO)
“A sociedade precisa saber que existem pessoas sofrendo em condições degradantes e desumanas, para que outras obtenham um lucro acima do justo”, ressaltou o superintendente em Goiás, Arquivaldo Bites.
A situação na fazenda foi flagrada durante uma ação em propriedades rurais da região realizada de 14 a 26 de maio. Além dos auditores fiscais, integraram a operação procuradores do Ministério Público do Trabalho e agentes da Polícia Federal.
De acordo com a superintendência, lavrou-se 27 autos de infração contra a propriedade rural. Além de pagar R$ 30.927,74 aos trabalhadores, os fazendeiros devem fazer o pagamento de parcelas de seguro-desemprego. O SRTE-GO informou ainda que uma ação civil para reparo do dano a dignidade dos funcionários será instaurada.
Somente neste ano, 40 pessoas foram encontradas em situação análoga à escravidão pelo Ministério do Trabalho e Emprego em Goiás. Em 2013, foram 109 trabalhadores resgatados no estado.



segunda-feira, 26 de maio de 2014

Crimes da ditadura.

Esse é uma questão que ainda vai merecer uma longa discussão. Em que pese a decisão de cortes internacionais que julgam pela impresçritibilidade desses casos, tenho a impressão de que o STF vai trilhar caminho diverso.

Vai ser um demagte interessante.

G1
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Justiça recebe denúncia contra cinco militares pela morte de Rubens Paiva

Militar da reserva desmente a versão oficial para o desaparecimento do deputado cassado Rubens Paiva durante a ditadura (Foto: rede globo)MPF encontrou novas provas e denunciou cinco militares reformados no caso (Foto: TV Globo)
A Justiça Federal do Rio de Janeiro recebeu nesta segunda-feira (26) a denúncia feita peloMinistério Público Federal do Rio (MPF-RJ) contra cinco militares reformados do Exército pelo homicídio e ocultação de cadáver do ex-deputado Rubens Paiva durante a ditadura militar. Os réus também são acusados de associação criminosa e três deles ainda responderão por fraude processual. Os militares ainda podem recorrer da decisão de acordo com o MPF.

De acordo com as investigações do MPF-RJ, a tortura e o assassinato de Rubens Paiva aconteceram dentro do Destacamento de Operações de Informações (DOI). O ex-comandante do DOI, general José Antônio Nogueira Belham, e o ex-integrante do Centro de Informações do Exército no Rio (CIE), Rubens Paim Sampaio, foram denunciados por homicídio triplamente qualificado. Segundo a promotoria, eles podem pegar até 37 anos e meio de prisão.

O coronel reformado Raymundo Ronaldo Campos e os militares Jurandyr Ochsendorf e Souza e Jacy Ochsendorf e Souza são acusados de ocultação de cadáver, fraude processual e associação criminosa armada. Se somadas as penas previstas para os três crimes, os acusados podem pegar mais de 10 anos de prisão, segundo o MPF.

Na denúncia, o Ministério Público Federal pediu ainda que os militares tenham suas aposentadorias cassadas e que os órgãos militares retirem medalhas e condecorações obtidas por eles ao longo de suas carreiras.

Na decisão, o juiz federal Caio Márcio Gutterres Taranto ressaltou que “a qualidade de crimes contra a humanidade do objeto da ação penal obsta a incidência da prescrição”. “O homicídio qualificado pela prática de tortura, a ocultação do cadáver (após tortura), a fraude processual para a impunidade (da prática de tortura) e a formação de quadrilha armada (que incluía tortura em suas práticas) foram cometidos por agentes do Estado como forma de perseguição política”, assinalou.

O advogado Rodrigo Roca, que representa o general José Antônio Nogueira Belham e os coronéis Raymundo Ronaldo Campos e Rubens Paim Sampaio, disse que o Ministério Público Federal está buscando, em princípios do direito internacional, uma justificativa para sustentar suas demandas. Mas o direito penal brasileiro tem regras claras e aplicáveis ao caso Rubens Paiva. Para ele, as leis que devem ser aplicadas são as nacionais.
Roca disse ainda que vai impetrar um habeas corpus para o trancamento da ação e vai ajuizar uma reclamação no STF para preservar a autoridade de suas decisões sobre a aplicação da lei da anistia em crimes daquela época.

Novas provas
O MPF-RJ elaborou a denúncia após obter novas provas do caso no sítio do coronel reformado do Exército Paulo Malhães no dia 24 de abril. Ele morreu em casa nesse dia, depois que a casa foi invadida por três homens armados. Um mês antes de morrer, Paulo Malhães, de 76 anos, revelou à Comissão da Verdade que o corpo do ex-deputado Rubens Paiva, morto em 1971 durante a ditadura militar, foi jogado em um rio de Itaipava, na Região Serrana do Rio.
Ele falou também de outras pessoas torturadas no local que ficou conhecido como "Casa da Morte", em Petrópolis, na Região Serrana. Malhães coordenou o Centro de Informações do Exército no Rio (CIE) durante a ditadura militar.

Após mandado de busca e apreensão na casa de Malhães, o MPF-RJ apreendeu documentos que comprovavam a participação dos cinco militares denunciados nos crimes. Durante as investigações, o coronel Raymundo Ronaldo Campos também confessou que a "fuga" de Rubens Paiva foi uma "encenação cinematográfica". O Ministério Público Federal afirma que tem a confissão gravada.
Em declarações publicadas no jornal "O Globo", em março, o coronel Paulo Malhães também já havia revelado o destino dado ao corpo do ex-deputado Rubens Paiva. Ele foi torturado e morto em dependências militares no Rio. Segundo Paulo Malhães, os restos mortais foram enterrados numa praia e, mais tarde, desenterrados e jogados ao mar.
O coronel Paulo Malhães confirmou parte dessa história à Comissão da Verdade. De acordo com o depoimento à comissão, o coronel confirmou ser ele o responsável pelo desaparecimento de Rubens Paiva. No entanto, segundo a Comissão da Verdade, o coronel apresentou uma versão diferente e disse que o corpo do ex-deputado teve o mesmo destino de outras vítimas da ditadura: um rio em Itaipava.
Ainda segundo a comissão, as informações eram compartilhadas nas Forças Armadas. “Havia conexão entre as três forças sempre, entre as polícias militar, civil e sempre o comandante do Exército, ministro e o ditador no caso. A gente não pode chamar nenhum deles de presidente. Sabiam de tudo e sempre davam as ordens”, afirmou.

O advogado José Luiz Franco Júnior, que defende o general José Antônio Belham, afirmou que o militar estava de férias na época do desaparecimento de Rubens Paiva e que uma ação penal não é cabível porque o fato ocorreu no período coberto pela lei da anistia. O advogado dos coronéis Raymundo Campos e Rubens Paim Sampaio declarou que as leis que devem ser aplicadas nesse caso são as nacionais.
O Ministério Público considerou que os crimes não prescreveram e nem podem ser incluídos na lei de anistia porque são crimes contra a humanidade. O procurador da república Sérgio Suiama  disse que baseou a denúncia na decisão de uma corte internacional.

Morte de Malhães
O coronel reformado Paulo Malhães foi morto dentro de casa, no bairro Ipiranga, na área rural de Nova Iguaçu, Baixada Fluminense, no dia 24 de abril, pouco mais de um mês após revelar à Comissão da Verdade que o corpo de Rubens Paiva foi jogado em um rio. Segundo a Divisão de Homicídios da Baixada, a casa do coronel de 76 anos foi invadida por volta das 13h do dia 24. Segundo sua mulher, Cristina Batista Malhães, ela e o caseiro teriam sido feitos reféns até as 22h.

De acordo com depoimento prestado pela viúva do coronel, pelo menos três homens – um deles com o rosto coberto – invadiram o sítio de Malhães. Os criminosos fugiram levando armas que o oficial colecionava e dois computadores.

Rogério Pires, caseiro do coronel reformado Paulo Malhães, foi preso cinco dias depois da invasão pela Divisão de Homicídios da Baixada Fluminense (DHBF) por suspeita de participação no crime que causou a morte do militar. Pires teria facilitado a ação dos bandidos que invadiram o sítio de Malhães. De acordo com a DHBF, o homem confessou o crime e foi preso por latrocínio (roubo seguido de morte) após prestar depoimento.

domingo, 25 de maio de 2014

Em defesa de Xuxa ...

Na condição de membro do MP que há muito atua em defesa dos interesse de crianças e adolescentes, a Xuxa não merecia a manifestar descontrolada do referido parlamentar. Lamentável! Xuxa não precisa estar ali e nda ganha com isso. Somente merece elogios.

Abaixo matéria do G1:
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Xuxa diz que deputado que a criticou na Câmara queria 'minuto de fama'

 A apresentadora Xuxa disse ao Fantástico, exibido neste domingo (25), que o deputado Pastor Eurico (PSB-PE) teve seu "minuto de fama" ao criticá-la na Câmara dos Deputados durante sessão que discutia a chamada "Lei da Palmada". O projeto de lei, que tem apoio da artista, proíbe pais e responsáveis legais por crianças e adolescentes de baterem nos menores de 18 anos.
Na última quarta-feira (21), Xuxa participou de uma sessão da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara para discutir o projeto, que está parado há três anos. Na reunião, sua presença foi criticada pelo deputado pernambucano.
“Mas a conhecida Rainha dos Baixinhos que no ano de 82 provocou a maior violência contra as crianças em um filme pornográfico”, acusou o deputado Pastor Eurico (PSB-PE).
“O que ele queria ele conseguiu. O minuto dele de fama”, contou Xuxa  sobre a declaração do deputado.
Como era convidada, a apresentadora não podia se manifestar durante a sessão. “Acho que o que me senti mal ali na situação não foi nem o que eu ouvi, mas o que eu não pude falar. Você não pode falar. Você pode ser julgada, condenada, crucificada ali e fica quieta”, disse Xuxa.
“É um desrespeito às crianças, ao nosso Brasil”, afirmou o deputado, que acabou afastado da comissão devido ao episódio.
Após o episódio entre Xuxa e Pastor Eurico, a sessão da CCJ teve que ser encerrada. Mais tarde, ainda na quarta-feira, a discussão sobre o projeto foi retomada e o texto acabou aprovado por unanimidade.
Para ter validade, o texto ainda terá que ser aprovado pelo Senado, mas a lei já foi rebatizada pelos deputados de “Menino Bernardo”, uma homenagem ao garoto que foi morto no Rio Grande do Sul há um mês. Os principais suspeitos são o pai e a madrasta.
A apresentadora Xuxa faz sinal de coração no momento em que o deputado Pastor Eurico criticou a presença dela na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara (Foto: Ailton de Freitas / O Globo)Xuxa fez sinal de coração no momento em que o
deputado Pastor Eurico criticou a presença dela na
CCJ da Câmara (Foto: Ailton de Freitas / O Globo)
O texto aprovado pela Câmara determina que "menores de 18 anos têm o direito de serem educados e cuidados sem o uso de castigo físico ou de tratamento cruel ou degradante". Castigo físico é definido pelo projeto como "a ação de natureza disciplinar com uso da força física que resulte em sofrimento físico ou lesão à criança ou ao adolescente".
O projeto, porém, não diz que tipo de agressão pode ser considerada castigo físico nem prevê punição para os pais que descumprirem a lei. Caberá ao juiz decidir sobre a conduta dos pais.
“Vamos ter que analisar caso a caso. É impossível se definir o que é um castigo físico. Nós vamos ter que ver dentro da situação o que seja esse castigo e que trauma possa trazer ou não para a criança”, explicou o advogado Sérgio Calmon.
O deputado Alessandro Molon (PT-RJ), que ajudou a elaborar o projeto, disse que o objetivo é pedagógico.
“A lei deixa claro que todo tipo de violência física contra as crianças que gere sofrimento físico deve ser evitado", disse o parlamentar.
Xuxa disse ao Fantástico que defende a total ausência de violência. "Eu acho que não tem que ter violência contra a criança. Ninguém está falando de como tem ser feito, a gente está falando do que não pode ser feito. Não pode usar violência", afirmou.
Pais divididos
A nova proposta de lei expõe um dilema como o vivido pela família de Fernando Matos
Leal e Márcia Silva Santos. Eles discordam num ponto da educação do filho Felipe, de dois anos.
“Pode bater, pode dar um tapinha no bumbum da criança, normal”, disse Fernando. Mas, para Márcia, não é bem assim. “A primeira vez que meu marido deu uma palmada nele eu chorei junto. E eu sou contra. ”
Pra a mãe, palmada não educa. “Tive uma madrasta, apanhei muito dela. Mas não me acrescentou em nada". Já Fernando pensa que o método pode ensinar algo. “Você fala, fala e ele não para. Você vai dar uma palmada nele. É pra dar limite. O basta é aquilo ali", disse.
Foi um processo longo para que a diarista Marilda Campos aprendesse a tirar a violência da sua rotina com os seis filhos.
“Eu apanhava muito. Minha madrinha me judiava muito. Foi uma infância muito ruim, muito triste. Eu tenho marca no corpo até hoje disso e isso me trouxe muita tristeza. Eu achava que do jeito que ela me ensinava era o jeito de eu ensinar meus filhos. Toda a vez que eu batia nos meus filhos eu me sentia mal, muito mal mesmo”, admitiu Marilda.
Marilda procurou ajuda de uma psicóloga e começou a colocar em prática o que é chamado de "educação positiva". A psicóloga Amanda Vilella explicou os três passos principais.
O primeiro passo é: sempre conte até 10. "Todo adulto que educa uma criança tem que ter uma bagagem de tolerância e paciência um pouco maior. É aquele velho contar até 10. A gente tem que respirar, às vezes ter calma, ter firmeza na hora de falar”, contou a psicóloga.
A segunda dica da psicóloga é: elogie bons comportamentos. "A gente costuma punir, coibir o negativo. Mas se a gente valoriza, reforça positivamente acertos da criança esse efeito é muito mais rápido”, aconselhou.
O terceiro passo é dar responsabilidades. "Nós adultos vamos lá e decidimos entre adultos e já comunicamos à criança. Olha, agora você vai dormir com seu irmão mais velho, agora você vai mudar de quarto. Envolva ela nessas simples decisões”.
No começo, tudo isso pode ser difícil. “Mas a gente consegue, como eu consegui e vou adiante e tenho o amor dos meus filhos agora”, contou Marilda.