segunda-feira, 30 de junho de 2014

O livro eletrônico em disputa ....

Essa matéria trata de um tema muito importante, que segundo especialistas pode mudar muito a forma de venda e remuneração dos livros digitais ...

Matéria do El País ....


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Combate pelo futuro do livro

Centro logístico da Amazon em San Fernando de Henares. / Álvaro García (EL PAÍS)

A disputa da Amazon com editoras dos Estados Unidos e Alemanha é muito mais do que um conflito comercial pelas margens de lucro sobre os livros eletrônicos. Para muitos profissionais do setor se trata de uma guerra cujo resultado definirá o futuro do livro. “Isso é muito importante, muito mais do que acreditamos”, afirma uma editora com anos de experiência e que, como muitas pessoas consultadas na elaboração desta reportagem, prefere não ser citada pelo nome porque os acordos que as editoras firmam com a Amazon estão protegidos por uma cláusula de confidencialidade ou por não quererem entrar em um debate público com a gigante das compras na Internet.
“Chegamos a um ponto no qual o que está em jogo é a sustentabilidade de todo o ecossistema do livro, Pode parecer uma declaração dramática demais, mas é assim”, diz Antonio Ramírez, proprietário da rede de livrarias La Central.
“A resolução desse conflito vai criar um precedente em todo o mundo”, afirma Javier Celaya, responsável pelo portaldosdoce.com e especialista em livro eletrônico. “Isso vai definir o futuro do mercado e, sobretudo, o dos livros eletrônicos”, declarou ao The New York Times o agente alemão Matthias Landwehr, que trabalha com vários autores afetados pela disputa. A Espanha ainda não foi envolvida na primeira guerra mundial do livro, mas, como afirma um editor alemão que também pediu anonimato, “chegará quando a Amazon tiver a força suficiente”. O preço fixo não nos protege porque não se trata de uma guerra de preços, mas das margens que ficam com o editor e o vendedor. Se a pessoa depende muito de um vendedor, tem tudo a perder. Se a Amazon ganha, tratará de estender a disputa a outros países”, acrescenta Celaya.
O que é que aconteceu? Por que desta vez é tão importante? A resposta a essa segunda pergunta tem a ver com seu poder: a Amazon já controla em torno de 60% do mercado do livro nos EUA e cerca de 25% na Alemanha. No caso dos livros eletrônicos, em 2010 controlava quase 90% do mercado norte-americano, embora nestes últimos quatro anos a Apple se tenha transformado em um concorrente importante e tenha reduzido o seu domínio até os 65%. Não é fácil conhecer os detalhes de sua presença no mercado espanhol porque a Amazon é uma empresa muito sigilosa: não divulga dados sobre as cifras de venda do Kindle, seu leitor de livros eletrônicos, nem sobre a porcentagem que os livros representam em suas vendas totais nem sobre a divergência com seus competidores nem, na realidade, sobre quase nada. Os dados que é obrigada a entregar nos EUA revelam que em todo o mundo suas vendas líquidas em 2013 foram de 74,45 bilhões de dólares (163,8 bilhões de reais), 22% a mais do que em 2012. O lucro mundial foi de 274 milhões. Na Espanha, a Amazon fatura por intermédio de Luxemburgo, por isso não é possível nem conhecer as suas vendas, mas sua filial espanhola, que congrega o resultado do faturamento de produtos a partir de seu centro logístico de San Fernando de Henares, em 2013 aumentou em 64% a cifra do negócio (de 10,56 a 17,46 milhões) em relação ao exercício anterior. Somente uma pequena parte dessa porcentagem corresponde à venda de livros. Em todo o mundo, de acordo com uma pesquisa da revista The New Yorker, representam 7% de suas vendas.
No mercado do livro eletrônico existem duas fórmulas para fixar os preços. A denominada “do agente” implica que o editor fixe o preço do livro e divida o dinheiro com o vendedor (70% para a editora, que por sua vez paga o autor; 30% para o vendedor é a porcentagem habitual). O segundo sistema, chamado reseller, funciona nos países sem preço fixo: o editor pactua o preço pelo qual vende o livro e depois o vendedor põe o preço que quiser. Os editores asseguram que a empresa de Jeff Bezos chega a vender o livro com perda em dinheiro para oferecer preços mais baixos que a concorrência. A guerra comercial atual, sempre segundo fontes do setor e a imprensa norte-americana e alemã, porque um porta-voz da Amazon não quis fazer comentários, ocorre porque querem mudar as porcentagens –segundo o blogue Futurebook, que analisa o mercado do livro nos EUA, seu objetivo é ficar com 50% de cada título– ou comprar os títulos pelo preço mais barato possível. Quando a negociação não corresponde a seus interesses, então a empresa penaliza as editoras: os prazos de envio se alongam indefinidamente, o botão na página da Internet para poder encomendar um livro com antecedência (muito útil para o vendedor, mas também para o editor, que pode prever muito melhor suas tiragens) desaparece, os preços disparam...
É algo que está ocorrendo desde maio com a filial norte-americana da Hachette –quarta empresa do setor nos EUA–, mas também na Alemanha com a Bonnier Media Group, uma empresa sueca que tem quatro editoras, Pipper, Ullstein, Carlsen e Berlim Verlag. A questão também chegou ao DVD e afeta atualmente a Time Warner com o lançamento sensação do verão, Lego, o filme. Já tinha ocorrido algo semelhante em 2010 com uma distribuidora, a Independent Publisher Group, e com a Macmillan, mas o impacto foi menor porque na época o livro eletrônico era bem menos importante.
As críticas da imprensa norte-americana e alemã foram contundentes: diários como The New York Times e Frankfurter Allgemeine Zeitung a acusaram de utilizar práticas intimidatórias e chantagistas enquanto lembravam em diferentes eventos uma célebre frase que o livro A Loja de Tudo. Jeff Bezos e a Era da Amazon, do jornalista Brad Stone, atribui ao fundador da empresa: “Temos de olhar para as editoras como um leopardo contempla uma gazela doente”. O escândalo foi tão grande –entre outros lançamentos afetou a última obra de J.K. Rowling, The Silkworm, escrita com o pseudônimo de Robert Galbraith— que a Amazon rompeu seu tradicional silêncio e se pronunciou por meio de um post em sua página na web. Reconhecia o motivo da disputa assim como o tipo de represálias, e concluía: “Se você necessita com rapidez de qualquer dos títulos afetados, lamentamos o incômodo e lhe recomendamos que compre uma versão por intermédio de algum de nossos parceiros ou com qualquer um de nossos concorrentes”.
A Comissão Europeia, por intermédio do comissário da Concorrência, Joaquín Almunia, se limitou a garantir em maio que “estava tratando de entender o que ocorria”, enquanto a ministra da Cultura da França, Aurélie Fillippetti, que nunca procurou conter suas críticas à empresa de Seattle, foi contundente e pediu que a Comissão “vigie as tentações da Amazon de abusar de sua posição dominante”. “Chantagear os editores ao restringir o acesso do público aos livros de seus catálogos para impor-lhes condições comerciais mais duras não é tolerável. O livro não é um produto como outro qualquer”, afirmou. O preço pago pelas editoras afetadas é enorme. A revista Publishing Perspectives publicou na semana passada que a Hachete vende no Reino Unido 78% de seus livros eletrônicos através da Amazon e 60% nos Estados Unidos. Sua margem de negociação é, portanto, muito pequena.

Pacotes em fila no centro logístico da Amazon em Madri. / ÁLVARO GARCÍA
A maioria das editoras espanholas consultadas compartilha uma opinião sobre a livraria virtual –e distribuidora de todo tipo de produtos, que honra o velho lema da Harrod’s, “oferece desde um elefante até um alfinete”–: a Amazon é um vendedor importante –para muitos, é o quinto ou sexto cliente– com o qual, por ora, não vêm tendo maiores problemas. Mas olham para o futuro com uma inquietude cada vez maior. A crítica mais generalizada é que sua principal obsessão é o preço. “A máxima da Amazon é que quanto mais barato, mais se vende, não importa se forem cafeteiras ou livros”, afirma Paula Canal Huarte, de Anagrama, a maior das editoras independentes espanholas, que tem em seu catálogo desde Rafael Chirbes até Roberto Bolaño ou Ian McEwan. “Mas com os livros não funciona exatamente assim, já que por mais baratos que sejam a maioria não vai vender mais, mas o lucro do editor ficará tão reduzido que para ele não será possível continuar publicando livros que vendem menos, caros para traduzir ou editar,” Para ilustrar sua forma de operar, o analista Javier Celaya explica que a Amazon muda os preços em todo o mundo duas milhões de vezes por dia.
O mercado do livro eletrônico, onde a Amazon é mais forte, representa, segundo os últimos dados da Federação de Associações de Editores da Espanha (FGEE, na sigla em espanhol), 3% do total, mas em 2013 subiu 8% em relação ao ano anterior. “No mundo analógico, não tem uma posição majoritária, mas no livro digital controlam em torno de 40%”, diz Antonio María Ávila, secretário da Federação de Editores. A cifra de 3% é enganosa por causa da pirataria, um problema especialmente grave na Espanha: segundo diferentes fontes, vendem-se muitos leitores eletrônicos e muito poucos livros eletrônicos, o que quer dizer que, como diz um livreiro, “as pessoas consomem títulos gratuitos ou se pirateia muito, ou um pouco de cada coisa”. Editores e livreiros consultados também dizem que a Amazon é uma empresa que funciona bem, paga no prazo e conforme o combinado, e envia milhões de títulos com muita rapidez - 90% dos títulos que vende não estão na lista de best sellers. No caso do Kindle, que chegou ao mercado em 2007 e se impôs rapidamente aos concorrentes, trata-se de um dispositivo que torna muito simples a compra de livros e oferece um catálogo enorme e crescente.
A disputa na Alemanha preocupa especialmente os editores espanhóis porque, ao contrário dos EUA e do Reino Unido, onde o preço é completamente livre, ali como aqui os livros têm um preço fixo (é o editor que o estabelece e isso não pode mudar, a não ser por um desconto de 5% nos hipermercados e de 10% em feiras ou no Dia do Livro, e até mesmo presentear o valor da remessa é considerado um desconto e por isso não é permitido). “O preço fixo é a maior garantia que podemos ter” , afirma Antonio Ramírez, de La Central, que no entanto acredita que o conflito acabará chegando ao nosso país. “A Alemanha é um país com uma rede de livrarias muito densa, com um sistema de distribuição muito bom, com muitos leitores e, apesar disso, controlam 25% do mercado. Ninguém pode dar-se ao luxo de perder um quarto de seus clientes”, prossegue.
A máxima da Amazon é que quanto mais barato, mais se vende, não importa se forem cafeteiras ou livros
Dois editores independentes consultados garantem que seus negócios dependem do apoio das livrarias e dos leitores, que num mundo de constantes guerras de preços nunca sobreviveriam, e que muitos projetos culturais de grande fôlego seriam afetados. Todos os profissionais consultados consideram que o preço fixo é vital para a sobrevivência do mundo do livro. O preço fixo do livro de papel está muito claro: um livro vale o que vale em sua capa ou em seu ISBN. Mas com os eletrônicos o assunto é muito mais complexo. “O preço é fixo, mas variável”, define um editor. Preço fixo significa que é o editor que põe o preço e que pode mudá-lo, desde que o faça para todo mundo (não é legal oferecer um preço especial a um vendedor). Outra possibilidade é que, considerando que o preço vai associado a um número ISBN, basta fazer uma nova edição para ter um novo número e um novo preço. Isso em papel é complexo e caro; em um livro digital não.
Qual a consequência disso? Que os vendedores de livros eletrônicos, não só na Amazon, mas também na Casa do Livro, oferecem promoções e descontos de acordo com os editores, como Kindle Flash ou Tagus Today. Vários editores explicam que, quando se baixa muito o preço do livro, as vendas sobem e ele pode ficar entre os mais vendidos, o que impele também as vendas quando retorna ao preço normal (de novo, um porta-voz da empresa não quis pronunciar-se sobre essa estratégia de vendas). Outra vantagem da Amazon sobre seus concorrentes espanhóis é a engenharia fiscal. Não se trata somente dos truques para pagar menos impostos, como fazem os principais gigantes da Internet (uma questão que a Comissão Europeia está estudando com lupa para enfrentá-la), mas que, neste caso, tem um efeito muito concreto: ao ter sua sede em Luxemburgo, aplica o IVA desse país aos livros eletrônicos (3%), enquanto na Espanha é de 21%.
As guerras de preços “nos conduzem por um caminho perigoso”, afirma uma editora. “Muito provavelmente estamos depreciando o valor do que criamos. Nós podemos fazer isso porque o livro eletrônico representa uma fração mínima de nosso faturamento e aplicamos seus custos ao que recebemos pelo livro de papel. Se a situação se altera e os livros eletrônicos passam a representar a maior parte de nossas vendas, seria insustentável”, prossegue. “A Amazon vive em um mundo onde só há consumidores, mas os consumidores são também cidadãos, que devem zelar pela riqueza cultural”, diz Paula Canal Huarte, da Anagrama. Os escritores consultados ainda notam muito pouco a presença da Amazon em suas vendas, embora digam, como Javier Moro, autor de Pasión india, que “influiu sim no preço dos livros eletrônicos”. “Quanto mais barato, menos te pirateiam. Prefiro o 25% do pouco ao 25% do nada”, acrescenta. O poeta e romancista Carlos Pardo, que foi livreiro por muitos anos, critica “seus métodos de trabalho (a Amazon teve conflitos trabalhistas por causa das condições de trabalho), mas sobretudo o perigo que as condições sobre os preços possa vir a representar para as “pequenas editoras”, que encarnam atualmente uma das apostas mais claras pela cultura. Paco Roca, Prêmio Nacional de Quadrinhos, que publicou recentemente Los surcos del azar, diz que mal nota as vendas digitais, mas se preocupa, sim, com os efeitos dos gigantes da Internet sobre a cultura –esclarece que não se referem somente à Amazon, mas também à Apple–: “Os monopólios da distribuição da cultura dão certo medo porque podem chegar a influir sobre os conteúdos”.

Enquanto o debate prossegue, a empresa de Jeff Bezos continua crescendo e se estendendo a novos setores –acaba de lançar um celular e um serviço de música online. A distorção provocada pela pirataria e a ausência de dados divulgados pela própria empresa, somados ao fato de que a Amazon ainda não completou nem três anos na Espanha (chegou em setembro de 2011), tornam difícil se conhecer com precisão qual é seu efeito em nosso mercado. Mas uma coisa está clara: todo o setor está preocupado com cada um de seus movimentos.

Disputa pela direção da OEA ...

Matéria do El País ...

A Guatemala e o Uruguai saem na frente na corrida para dirigir a OEA


A Guatemala não quis deixar que o Uruguai aproveitasse sozinho a vantagem de largar rápido na corrida para dirigir a Organização dos Estados Americanos (OEA). Poucas horas depois que o governo de José Mujica oficializou a candidatura de seu chanceler, Luis Almagro, para substituir o chileno José Miguel Insulza como secretário-geral do organismo hemisférico, o presidente guatemalteco, Otto Pérez Molina, anunciou a indicação do ex-vice-presidente (2004-08) Eduardo Stein para o mesmo posto.
“Sua liderança e alto reconhecimento internacional são uma garantia de que ele poderá conduzir a OEA em um processo de reforma que fortaleça sua contribuição estratégica para o desenvolvimento, a democracia e os direitos humanos no continente americano”, declarou o governo guatemalteco no sábado.

Para a Guatemala, a principal qualificação de Stein para o cargo é sua longa experiência internacional, especialmente seu “papel de destaque na construção dos processos de paz na América Central”. Soma-se a isso sua participação na resolução de “crise políticas complexas” precisamente por encargo da OEA, como “o retorno à estabilidade política e ao ordenamento democrático” no Peru depois do governo de Alberto Fujimori e em Honduras após a deposição de Manuel Zelaya.
“Sua capacidade para administrar crises difíceis e sua habilidade para usar a diplomacia com resultados concretos distinguem seu trabalho no campo internacional”, prosseguiu o governo de Pérez Molina.
A Guatemala assegura que a candidatura de Stein conta com o apoio “expresso e entusiasmado” de todos os outros países do Sistema da Integração Centro-Americana (Sica), composto por Belize, Costa Rica, El Salvador, Guatemala, Honduras, Nicarágua, Panamá e República Dominicana.
Trata-se de um apoio nada desprezível, mas o guatemalteco precisará do endosso de mais países se quiser impor sua candidatura. Principalmente porque o outro candidato oficial, o uruguaio Almagro, poderia atrair apoios de peso: como país considerado da “periferia da Alba”, é provável que o Uruguai obtenha o apoio dos países da aliança bolivariana e de muitos dos caribenhos dependentes do petróleo venezuelano.

Fontes da OEA recordam nesse sentido os mais de 20 votos que a Venezuela conseguiu reunir nos últimos meses para frear qualquer iniciativa crítica da organização em relação ao governo de Caracas por causa dos protestos que ocorrem no país sul-americano desde fevereiro. Nessas reuniões, o Uruguai foi um aliado-chave da Venezuela.
Além disso, a boa imagem que o governo de Mujica tem no exterior, inclusive nos EUA, poderia inclinar a balança a favor de Almagro – embora fontes diplomáticas americanas assegurem que ainda não foi tomada uma decisão a respeito, assinalando que, quando chegar o momento, isso será feito nas mais altas esferas do governo de Washington.

De qualquer forma, ainda é cedo e resta muito tempo para tentar formar alianças, obter apoios e até registrar novas candidaturas. O segundo e último mandato de Insulza termina em maio e a votação para substituí-lo não ocorrerá antes do primeiro trimestre de 2015. Além disso, como ficou acertado na Assembleia-Geral da OEA realizada em Fort Lauderdale, Flórida, em 2005, pode-se apresentar um candidato “até no próprio dia da eleição”.


Espera-se que pelo menos o Peru apresente também um aspirante a secretário-geral. Embora ainda não tenha sido feito um anúncio oficial, o nome mais citado é o do juiz da Corte Interamericana de Direitos Humanos Diego García Sayán. Sua candidatura poderia receber o apoio da Aliança do Pacífico – Chile, Colômbia e México, além do Peru –, embora haja dúvidas sobre o que aconteceria se o México, como se especula, também decidisse lançar um candidato. Tem ganhado força no México o nome da atual secretária-executiva da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), Alicia Bárcena, que entre outros fatores teria o plus de ser a única mulher candidata num momento em que se começa a pedir maior equilíbrio de gênero na cúpula da OEA.

domingo, 29 de junho de 2014

Entraves do Brasil ...

Artigo do professor e diplomata Paulo Roberto.

Reflexões ao léu: deformações mentais brasileiras - Paulo Roberto de Almeida

Paulo Roberto de Almeida
Por vezes eu me pergunto se o Brasil, ou melhor, se os brasileiros não padecem de certos desvios de comportamento que revelam, no fundo, deformações mentais, não no sentido de doenças congênitas – típicas dos chamados retardados – mas equívocos de compreensão quanto ao funcionamento do mundo, das coisas, das relações de causa a efeito, enfim. Tantos são os exemplos dessas deformações que eu não teria problemas em ordenar toda uma lista dos desvios mais frequentes; de fato acabei colecionando alguns casos recentes que me parecem ilustrativos do argumento defendido neste texto. Alinhei no subtítulo aqueles que me parecem os mais frequentes, e vou aproveitar algumas postagens receitas feitas em meu blog Diplomatizzando para tratar de cada um deles.
1. Proibicionismo
Comecemos por este exemplo típico, aliás já tratado aqui anteriormente pelos mesmos motivos: os corporativos de sempre querem impedir os cidadãos de adotar as medidas que eles julgam mais adequadas para seus deslocamentos diários entre casa e trabalho, querendo obrigá-los a usar os transportes regulamentados, e portanto a pagar transportes coletivos (sempre péssimos, mesmo os metros) ou taxis individuais. A nova notícia é esta aqui: “Carona paga é ilegal, diz agência reguladora sobre app Uber”, já postada sob este link: http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/06/nosso-fascismo-ordinario-o-estado.html
Como comentei em minha introdução a essa postagem, essas novas formas de transporte “solidário” (na verdade, de fato com pagamento compartilhado) ou baseados em esquemas tipo Uber, são extremamente relevantes em nossas cidades engarrafadas, pois podem justamente desafogá-las de milhares de carros individuais. Provavelmente, as autoridades fascistas, seja porque estão a serviço de concessionários oligopolistas (e geralmente corruptos), seja porque são justamente de mentalidade fascista, querem proibir essas novas formas de transporte e, a pretexto de defender os direitos dos cidadãos, desejam impedir a concorrência aos seus pagadores corruptos habituais, daí a intenção de regulamentar proibindo e, em todo caso, taxar.
2. Iniquidade
Vejam agora esta outra idiotice econômica, que obviamente deve ter sido obtida ao cabo de um poderoso lobby de “cineastas” brasileiros desejosos de consolidar para si um mercado cativo. Já tendo obtido cotas nas salas de cinema nacionais e na programação televisiva, eles avançam agora para a parte mais passiva de todas: alunos do sistema público de ensino, aliás não só publico, mas nacional. Todas as escolas do ciclo fundamental deverão exibir pelo menos duas horas de filmes nacionais por mês. Leiam a matéria nesta postagem que fiz sobre este tema: “As escolas de educação básica terão agora que exibir no mínimo duas horas mensais de filmes de produção nacional”, neste link:http://diplomatizzando.blogspot.com/2014/06/deseducacao-brasileira-mais-uma-reserva.html
A medida, como sempre obrigatória, deverá gerar mais receita para os ditos “cineastas”, e mais despesas para o sistema público de ensino e para as escolas privadas. Adivinhe quem vai pagar por tudo isso caro leitor? Sim, acertou: você, e todos os demais brasileiros, mesmo aqueles que não têm nada a ver com tudo isso. Quem vai ganhar? Um punhado de dilapidadores da riqueza alheia, que conspiraram com aquele outro bando de idiotas nacionais, que são os nacionalisteiros, os patrioteiros, os tais defensores da “cultura nacional”, que usarão a lei obrigatória para transferir renda de toda a sociedade para os seus bolsos, sempre com a ajuda dos ingênuos, equivocados, dos idiotas, simplesmente. Depois eles não sabem por que, a despeito de todas as medidas distributivas, a renda no Brasil continua concentrada em favor dos mais ricos (eu diria dos mais espertos). É devido a medidas idiotas como essa que a renda continua concentrada. E os pobres dos alunos vão ter de passar a assistir essas comédias nacionais, semi-eróticas e semi-idiotas...
3. Obrigatoriedade
As suas postagens anteriores ilustram também o terceiro aspecto: o caráter compulsório das medidas adotadas pelo Estado fascista. Não basta ao Estado arvorar-se em regulamentador do que é mais positivo, adequado, útil ou saudável para o cidadão comum; ele também quer proibi-lo de decidir segundo sua própria vontade o que é melhor para ele, seja em matéria de transporte, de educação, de lazer, de qualquer coisa. A mesma obrigatoriedade está presente no decreto bolivariano emitido em 25 de maio pela presidência, ou seja, a consulta à organizações ditas sociais – sob o rótulo enganoso de “participação social” – que toda e qualquer agência pública (o que compreende cada um dos 39 ministérios) deve fazer antes de adotar qualquer medida, qualquer política de âmbito público. Não sem razão, vários observadores já chamaram o famigerado decreto de bolivariano ou de equivalente aos sovietes.
Em diversas outras instâncias, medidas que poderiam até ser adotadas segundo o arbítrio dos cidadãos, ou por decisão de um conselho de pais e mestres, acabam se tornando compulsórias em âmbito nacional. Penso, por exemplo, na introdução de espanhol e de estudos afro-brasileiros no primário, e de sociologia e de filosofia no secundário, duas medidas altamente custosas para toda a população brasileira, sendo que muitas escolas já adotam uma ou outra recomendação a título voluntário.
4. Inconsciência
Todas essas medidas, todas essas arbitrariedades são adotadas seja na total inconsciência dos legisladores, ou então com a sua colaboração ativa e de má-fé; eles atuam, portanto, com total consciência de que estão roubando dinheiro dos cidadãos para entregar recursos a protegidos, a protecionistas, a corruptos. Isso me faz sempre lembrar uma velha distinção que aprendi a fazer, com base em leituras, nos estudos históricos, nas pesquisas sobre as formas de comportamento social existentes nas sociedades anglossaxãs, por um lado e nas sociedades ibéricas, por outro; por facilidade, confrontemos, digamos, a livre iniciativa na América Latina e nos Estados Unidos.
Vivendo nos EUA atualmente, constato como novos negócios são lançados a cada dia, e se transformam em sucessos de público, de consumo, de moda. A própria matéria sobre o Uber ilustra bem esse aspecto: “O Uber, aplicativo americano de “carona” mais popular do mundo, anunciou sua chegada ao Brasil em maio, pouco antes de ser avaliado em 18,2 bilhões de dólares.” Ou seja, um aplicativo em quase nada revolucionário, mas sem dúvida inovador, permite ao cidadão comum dispensar um carro individual, seja para seu uso eventual, seja mesmo para posse como ativo, pois ele pode apelar para um carro tipo taxi a qualquer momento, de qualquer lugar. Esse tipo de facilidade permite, por exemplo, eliminar milhares de carros de cidades já congestionadas. O espírito fascista de nossas autoridades e a reserva de mercado de motoristas de taxi se combinaram para proibir tal prática, pretendendo, no Brasil, que ela não é regulamentada, e portanto estaria proibida. Essa é uma interpretação criativa dos fascistas nacionais, sem dúvida alguma.
Volto à minha distinção, e eis aqui como se distinguem dois modelos sociais.
Tudo o que não estiver expressamente proibido nas sociedades derivadas do velho mundo saxão, das lei costumeiras, está ipso facto permitido à iniciativa dos cidadãos, que assim podem criar um novo negócio, explorá-lo sem qualquer reserva de mercado, e ficarem ricos, com base no sucesso de mercado, ou seja, dependendo do interesse dos consumidores. Por isso mesmo, essas sociedade são ricas, produtivas, inovadoras, numa palavra: livres.
Em contraste, tudo o que não estiver expressamente previsto na lei – e sabemos que a lei tem um longo caminho pela frente – e não for detalhadamente previsto nos regulamentos, tudo aquilo que não for objeto de algum alvará régio, de uma autorização do executivo, de uma lei votada pelo parlamento, estará automaticamente proibido, e os cidadãos que tentarem começar novos negócios, sem a devida autorização das agências públicas, poderão se expor às penas da lei.
É por isso mesmo que nossa sociedade são tão pobres, tão pouco inovadoras, tão constrangidas e oprimidas pelo Estado.
Para mim isso é fascismo.
Ou seja, já vivemos num Estado fascista, mas os brasileiros não têm consciência disso.
É uma pena...

sábado, 28 de junho de 2014

100 anos do início da primeira guerra mundial.

Programa Milênio com excelente entrevista.

http://g1.globo.com/globo-news/milenio/videos/t/ultimos-programas/v/milenio-no-centenario-da-primeira-guerra-mundial-programa-faz-analise-do-conflito/3446431/

Independência funcional dos membros do MP ...

Artigo prof. Rômulo Moreira na Conjur ... Tema relevantíssimo ...
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A independência dos membros do MP

Por 
Só, na verdade, quem pensa certo, mesmo que, às vezes, pense errado, é quem pode ensinar a pensar certo. E uma das condições necessárias a pensar certo é não estarmos demasiado certos de nossas certezas. Por isso é que o pensar certo, ao lado sempre da pureza e necessariamente distante do puritanismo, rigorosamente ético e gerador de boniteza, me parece inconciliável com a desvergonha da arrogância de quem se acha cheia ou cheio de si mesmo.[1]
Foi suspenso na 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal o julgamento do Inquérito 3.275, no qual um deputado federal é acusado da prática dos crimes de contrabando de combustíveis e de exposição a perigo de explosão. Depois do voto do relator, ministro Marco Aurélio, pelo recebimento da denúncia, pediu vista o ministro Luiz Fux. O procurador-geral da República manifestou-se pela rejeição da denúncia por inépcia, atipicidade e ausência de demonstração de relação entre o acusado e os fatos. Ao votar pelo recebimento da denúncia, o relator também apontou a existência de contradição na atuação do Ministério Público, que apresentou a denúncia por prática de crimes e, mais tarde, manifestou-se pela sua rejeição. “Eis um descompasso indesejável, a contrariar a impessoalidade e indivisibilidade próprias ao Ministério Público Federal”, afirmou o ministro Marco Aurélio. O relator afirmou que a denúncia atende aos requisitos legais e possui e evidências de que a conduta pode ser atribuída ao acusado, e se enquadra nos tipos penais apontados. Em seu pedido de vista, o ministro Luiz Fux destacou seu interesse em se pronunciar a respeito da possibilidade de o Ministério Público alterar sua posição quanto ao inquérito. “Talvez seja importante que se aprofunde [sobre isso], porque não é a primeira vez que há dissonância entre manifestações de representantes do Ministério Público”.
Ora, nada mais natural, caros ministros. Ou nunca leram o artigo 127 da Constituição Federal? Já não era sem tempo, caras-pálidas?
Para começar, lembremos que mesmo o vetusto artigo 28 do Código de Processo Penal — que remonta ao Estado Novo, ao Codice Rocco, a Mussolini, a Vincenzo Manzini, a Francisco Campos etc. — respeitou, por incrível que pareça, a autonomia funcional do membro do Ministério Público, ao estabelecer: “Se o órgão do Ministério Público, ao invés de apresentar a denúncia, requerer o arquivamento de inquérito policial ou de quaisquer peças de informação, o juiz, no caso de considerar improcedentes as razões invocadas, fará remessa do inquérito ou peças de informação ao procurador-geral, e este oferecerá a denúncia, designará outro órgão do Ministério Público para oferecê-la, ou insistirá no pedido de arquivamento, ao qual só então estará o juiz obrigado a atender.” (grifo nosso).
Assim, enviada a peça de informação ao procurador-geral, e este discordando do pedido de arquivamento formulado pelo representante do Ministério Público, se não oferecer ele próprio a denúncia, deverá remeter os autos ao 1º substituto do promotor de Justiça (ou procurador da República) que requereu o arquivamento. Nesse caso, pergunta-se: esse segundo órgão do parquet está obrigado a denunciar diante da conclusão do chefe do parquet? Ou seja, é possível que ele se recuse ou deve fazê-lo obrigatoriamente, agindo por delegação?
Entendemos que a recusa é legítima e justificamos nosso posicionamento à luz de dois princípios basilares da instituição: a independência e a autonomia funcionais, ambos consagrados no artigos 127, parágrafos 1º e 2º da Constituição Federal, advertindo-se, desde logo, que a “autonomia funcional atinge o Ministério Público enquanto instituição, e a cada um dos seus membros, enquanto agentes políticos.”[2]
A propósito, vejamos a lição de Bento de Faria:
“O Ministério Público, como fiel fiscal da lei, não poderia ficar constrangido a abdicar das suas convicções, quando devidamente justificadas. Do contrário, seria um instrumento servil da vontade alheia.”[3]
Esse nosso entendimento procura conciliar os interesses da instituição que, induvidosamente, é hierarquizada, com os princípios constitucionais garantidos aos seus membros, lembrando-nos da lição de Paulo Cláudio Tovo, segundo a qual “a independência do Ministério Público deve ser preservada como algo precioso à segurança de todos”[4], inclusive, acrescentamos nós, a independência de cada um de seus integrantes.
Não se diga que, adotando esse ponto de vista, poderíamos chegar a um impasse, caso o 2º e o 3º substitutos — e a incumbência deve recair sempre nos respectivos substitutos, preservando-se o princípio do promotor natural — também não aceitassem o entendimento do procurador-geral; nesse caso, o próprio procurador-geral ofereceria a denúncia, iniciando-se a ação penal e tornando-a, inclusive, indisponível, na forma do artigo 42 do Código de Processo Penal.
Também não se argumente que, mutatis mutandis, quando o Tribunal de Justiça decide um conflito negativo de competência, o juiz de Direito não pode se negar a exercer a sua jurisdição, ainda que, a princípio, dê-se por incompetente. Nesse caso, recorre-se ao princípio da indeclinabilidade da jurisdição, segundo o qual não pode o magistrado, como regra, furtar-se ao exercício do seu munus jurisdicional. A jurisdição, já dizia Frederico Marques, é indeclinável, pois “nenhum juiz pode ser retirado do processo e julgamento de uma causa, nem mesmo por seus superiores hierárquicos. E tampouco lhe cabe declinar do exercício da função jurisdicional em determinado feito, como é óbvio, salvo em casos especiais, de afastamento do cargo, para gozo de férias ou para entrar em licença, ou então quando está legalmente impedido, ou tiver de jurar suspeição.”[5]
Assim pensando, procuramos consagrar a independência funcional do respectivo membro do Ministério Público sem haver afronta à figura do chefe da instituição. Roberto Lyra já afirmava que “nem o procurador-geral, investido de ascendência hierárquica, tem o direito de violentar, por qualquer forma, a consciência do promotor público, impondo os seus pontos de vista e as suas opiniões, além do terreno técnico ou administrativo.” Para esse autor, que dedicou toda a sua vida ao estudo do Direito Criminal e ao Ministério Público, a ponto de ser chamado por Evandro Lins e Silva de o “Príncipe dos Promotores Públicos brasileiros”, “quanto ao elemento intrínseco, subjetivo, dos atos oficiais, na complexidade, na sutileza, na variedade de seus desdobramentos, como a apreciação da prova, para a denúncia, a pronúncia, o pedido de condenação, a apelação, a liberdade provisória ou a prisão preventiva, é na sua consciência livre e esclarecida, elevada a um plano inacessível a quaisquer injunções ou tendências, que o Promotor Público encontra inspiração”, concluindo “que a disciplina do Ministério Público está afeta ao Procurador-Geral. No entanto, esse não intervem na consciência do subordinado.”[6]
Desde há muito Esmeraldino Bandeira escreveu que o promotor de Justiça na “sua palavra é absolutamente livre e independente, e em suas requisições não atende senão à sua consciência.”[7]
Ainda a propósito, certa vez um antigo promotor de Justiça do Distrito Federal, Dr. Murillo Fontainha, ao recusar determinação do procurador-geral de oferecer denúncia em um caso, escreveu: “No exercício das suas elevadas funções, o Ministério Público ‘só recebe instruções da sua consciência e da lei’ (Sentença do saudoso Magistrado Raul Martins, D. Oficial de 10 de outubro de 1914, p. 10.844) e ‘as ordens que o Chefe do Ministério Público tem o direito de impor aos seus inferiores são ordens que não afetem à consciência dos mesmos. E o promotor, que fugindo aos impulsos da sua convicção, deixar-se sugestionar pelas imposições extrínsecas, é um que homem ultraja à sua consciência e um magistrado que prostitui a lei. Vê, pois, V. Exª., que nas funções em que entra a convicção do promotor, como elemento principal, a ordem do chefe do Ministério Público não pode ter o caráter de preceito imperativo obrigatório’ (Auto Fontes, Questões Criminais p. 75-6).” (...) “Todas essas explanações evidenciam que nas hipóteses em que o Ministério Público tem que opinar da sua conduta no caso que lhe for concluso, quer de oportunidade ou cabimento de recurso legal a interpor, quer de apreciação sobre elementos para denúncias ou arquivamento de processos, só deve receber instruções da sua íntima convicção, de sua consciência. Nessa esfera, as instruções do chefe do Ministério Público não podem penetrar, porque é a própria lei em vigor que o diz quando terminantemente dispõe que incumbe aos promotores públicos oferecer denúncia quando se convençam da existência de crimes de sua competência.”[8]
Jorge Americano, por sua vez, pontuava: “Dentro da esfera das suas atribuições, cada membro do Ministério Publico tem independência de movimentos para requerer diligência, para denunciar ou pedir arquivamento inicial de processos, para opinar, a favor ou contra o réu, para recorrer ou não, para expor certos argumentos, de preferência a outros.”[9]
Diante do exposto, é óbvio que dois membros do Ministério Público podem — e devem, se for o caso — pensar diferentemente, sem que se ofenda a indivisibilidade da instituição. Mesmo porque, como diria Joãozinho, "indivisibilidade no olho dos outros é refresco".
Encerremos, então, com mais esta lição de Lyra:
“Decairia de sua própria independência moral o promotor público se ficasse sujeito, em matéria opinativa, às injunções, quer dos juízes, quer dos chefes, esses funcionários da confiança do governo. Ocorreria ainda o perigo de, indiretamente, submeter-se o promotor público ao arbítrio oficial no desempenho de uma tarefa de sutilíssima subjetividade.” (p. 176).

[1] Paulo Freire, Pedagogia da Autonomia, São Paulo: Paz e Terra, 35ª. ed., 2007, p. 28.
[2] Hugo Nigro Mazzilli, Regime Jurídico do Ministério Público, São Paulo: Saraiva, 3ª. ed., 1996, p. 94. A propósito, vejamos este pensamento do ilustre Promotor de Justiça e jurista, Cândido Furtado Maia Neto: “O Promotor de Justiça é por excelência o advogado da sociedade, não mais o algoz do Tribunal da Inquisição ou aquele Acusador cego de outrora, bitolado e intransigente, pois hoje atua em base ao princípio da racionalidade, vez que detêm independência e amplos poderes para ex officio impetrar habeas corpus em favor do ius libertatis, solicitar absolvição e deliberar pelo arquivamento das causas injustas, tudo em nome do Estado Democrático para a prevalência das garantias fundamentais indisponíveis, indeclináveis, inalienáveis, inderrogáveis e naturais da cidadania, com a atribuição funcional de exigir a correta aplicação da lei ante as cláusulas vigentes dos Deveres Humanos em base as responsabilidades sociais e a tutela dos Direitos Humanos.” (encaminhado via e-mail no dia 27 de abril de 2009).
[3] Código de Processo Penal, Vol. I, Rio de Janeiro: Record, 2ª. ed., 1960, 120.
[4] Apontamentos e Guia Prático sobre a Denúncia no Processo Penal Brasileiro, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1986, p. 26.
[5] Instituições de Direito Processual Civil, Vol. I, Campinas: Millenium, 2000, p. 278.
[6] Teoria e Prática da Promotoria Pública, Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2ª. ed., 1989, p. 158.
[7] Apud Roberto Lyra, obra citada, p. 160.
[8] Apud Roberto Lyra, obra citada, p. 164.
[9] Idem, p. 166.

Incompatibilidade do crime de desacato e os tratados firmados pelo Brasil ...

Matéria da Conjur que traz um tema interessante ... 
...
Punir desacato fere Convenção Americana de Direitos Humanos, diz juiz

Leis que punem o desacato a autoridades são incompatíveis com as diretrizes da Convenção Americana de Direitos Humanos, porque são um meio de silenciar ideias e opiniões, reprimindo o debate democrático. Assim entendeu o juiz federal Edevaldo de Medeiros, da 5ª Subseção Judiciária de Mato Grosso do Sul, ao rejeitar uma denúncia.

Segundo o processo, a acusada teria desacatado uma juíza eleitoral que estava no exercício de sua função. O Ministério Público Federal, então, ofereceu denúncia baseada no artigo 331 do Código Penal, que prevê detenção de seis meses a dois anos ou multa para aqueles que desrespeitarem funcionários públicos no exercício de sua função.

Em sua decisão, Medeiros afirma que, após análise da compatibilidade de leis de desacato com a CADH, a Comissão Interamericana de Direito Humanos solicitou aos Estados que derrubassem esses dispositivos.

Alguns países da América Latina, diz o juiz, acataram a sugestão, como a Argentina. O Brasil, no entanto, ignorou o pedido.

Status jurídico

Sobre o status jurídico que os tratados internacionais têm no país, Medeiros cita o julgamento do Habeas Corpus 90.172 pelo Supremo Tribunal Federal, no qual a corte entendeu que os acordos firmados pelo Brasil possuem valor supralegal, ou seja, estão abaixo da Constituição e acima das leis.

Baseado nesse argumento, o juiz conclui que a Convenção Americana de Direitos Humanos deve prevalecer sobre o Código Penal, levando, assim, à rejeição da denúncia.


Clique aqui para ler a decisão.

Homofobia e desenvolvimento ...

Outra matéria interessante do El País, agora discutindo a homofobia ....

O custo da homofobia para o desenvolvimento

Sendo um homossexual que vivia na Nigéria, meu maior desafio foi ter que escolher entre minha sexualidade e meu trabalho. Em 2004, estava iniciando minha carreira como ator. Acabava de sair da universidade e me dera um papel em Rosas e espinhos, uma telenovela de máxima audiência na Galaxy Television, uma das redes mais populares do país. Meu personagem era Ricardo, o filho único de uma família rica que mantinha uma relação com a empregada da casa. Foi então que começaram a circular rumores sobre minha vida privada, por isso decidi que era hora de falar a verdade. Para isso, aceitei ir ao programa de entrevistas mais popular da Nigéria e falar sobre minha sexualidade.

Quase imediatamente, meu personagem foi eliminado da série. E, junto com meu emprego, também desapareceu minha segurança financeira. Assim como muitos homossexuais e lésbicas na África, tive que escolher entre a liberdade econômica e o encarceramento mental.
Naquele ano, Nigéria e Uganda aprovaram leis draconianas contra os homossexuais, o que desatou um debate mundial sobre Direitos Humanos. Este debate também começou no Banco Mundial, cujo presidente Jim Yong Kim, recentemente declarou que a discriminação institucionalizada "é prejudicial para as pessoas e para as sociedades".
As palavras de Kim geraram críticas e controvérsias. Em países como Uganda e Nigéria é comum ouvir que a oposição à discriminação contra homens e mulheres homossexuais, bissexuais e transexuais (LGBT, por sua sigla em inglês) por parte dos governos é uma maneira de impor valores "ocidentais" à África. Mas isto supõe que a homossexualidade é "antiafricana". E, apesar da falta de provas de que algum país ou continente não possua pessoas LGBT (e muitas provas que mostram o contrário), é uma presunção aceita por uma quantidade cada vez maior de líderes africanos.
Em 2006, o então presidente da Nigéria, Olusegun Obasanjo foi um dos primeiros a falar isso. O presidente de Uganda, Yoweri Museveni, seguiu seus passos quando transformou em lei um projeto anti-homossexual em 2014. Outros líderes, desde o presidente da Gâmbia, Yahya Jammeh, até o do Zimbábue, Robert Mugabe, se manifestaram no mesmo sentido.
Estas atitudes oficiais geraram um sofrimento significativo aos homossexuais e lésbicas da África. Na verdade, o preço da homofobia contra os gays em muitos países africanos é doloroso e evidente: sanções legais, ostracismo social e justiça pelas próprias mãos.
No entanto, o que os líderes homofóbicos da África não entendem é que a proteção legal aos coletivos gays não é apenas uma questão de Direitos Humanos, também é uma questão econômica. Kim tem toda a razão e a investigação começou a medir os custos econômicos da homofobia ao explorar os vínculos entre o sentimento anti-gay e a pobreza em países onde as leis e as atitudes sociais condenam as relações entre pessoas do mesmo sexo.
A discriminação institucionalizada é prejudicial para as pessoas e para as sociedades
M.V. Lee Badgett, um economista da Universidade de Massachusetts-Amherst, apresentou as descobertas iniciais de um estudo sobre as implicações econômicas da homofobia na Índia em uma reunião do Banco Mundial, em março de 2014. Badgett estimou que a economia indiana poderia ter perdido até 23,1 bilhões de dólares em 2012 em custos de saúde diretos por causa de problemas de depressão, suicídio e disparidades no tratamento do HIV causados pelo estigma e a discriminação contra os homossexuais.
Além destes gastos concretos, ser diferente pode gerar violência, perda de empregos, rechaço familiar, assédio nas escolas e pressão para se casar. Como resultado disto, muitos homossexuais têm menos educação, menor produtividade, menores ingressos, uma saúde pior e uma expectativa de vida menor.
Na Nigéria, eu comecei o Projeto Independente para Direitos Iguais (TIERS) em 2005 com a intenção de responder e atender à crescente quantidade de pessoas que estavam perdendo o emprego por causa das suspeitas sobre sua sexualidade. Durante nosso primeiro ano oferecemos apoio a dezenas delas. Um jovem, Olumide, recebeu uma moradia depois que sua família o expulsou de casa por ser gay. Outro, Uche, foi despedido de seu emprego como cozinheiro depois de ter revelado sua sexualidade. TIERS o ajudou com o alojamento e com uma quantidade de dinheiro para montar seu próprio negócio de serviço de comida. Embora já se tenham passado quase 10 anos, ainda não podem usar seus nomes reais por questões de segurança.
Em toda África, os custos econômicos da discriminação aumentam de forma paralela à crescente pressão sobre empregadores, proprietários, fornecedores de atenção médica, instituições educativas e outros para que excluam as pessoas LGBT.
Hoje, o Banco Mundial e outras agências de desenvolvimento estão planificando as prioridades de desenvolvimento global que virão depois dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (ODM), que oficialmente terminam em 2015 e incluíam pontos específicos para promover a igualdade de gênero e fortalecer as mulheres como uma estratégia para lograr o crescimento econômico. Olhando para o futuro, o Banco deveria adotar o mesmo enfoque sobre os direitos das pessoas LGBT e fazer com que os países que queiram receber empréstimos deem proteção legal à orientação sexual e à identidade de gênero.
O Banco Mundial deveria fazer com que os países que queiram receber empréstimos deem proteção legal à orientação sexual
Gerar reconhecimento pelos direitos das mulheres nos ODM não corrompeu as culturas africanas impondo valores "ocidentais". Na verdade, fortaleceu muitos países africanos, que agora são líderes mundiais do ponto de vista da representação de mulheres no governo. Se tentarmos aplicar uma proteção similar às pessoas LGBT, o investimento e a ajuda internacional podem melhorar o desempenho econômico e robustecer o respeito pelos direitos humanos básicos.
O Banco Mundial, sempre cauteloso em não se envolver em questões "políticas", enfatiza que não é o encarregado de fazer cumprir os Direitos Humanos. Mas também reconhece, e cada vez mais, seu próprio papel como facilitador na hora de ajudar os membros do Banco a cumprir com suas obrigações na área. Os direitos dos LGBT deveriam ser um caso para estabelecer jurisprudência.
A ajuda aos governos que permitem que certos grupos sociais sejam excluídos pode implicar custos econômicos bastante reais. Na hora de considerar novos empréstimos deveriam ser tomadas medidas para assegurar que os benefícios sejam inclusivos no maior grau possível.
Se o Banco - que atualmente empresta à Nigéria quase 5,5 bilhões de dólares (mais de 12 bilhões de reais) e espera outorgar outros 2 bilhões de dólares em cada um dos próximos quatro anos - avançasse nesta direção, outras entidades de financiamento poderiam seguir seus passos. As pessoas LGBT da África precisam desesperadamente destes aliados poderosos em sua luta pelos Direitos Humanos e econômicos.
Adebisi Alimi (@bisialimi), defensor LGBT e ativista pelo HIG, fugiu para o Reino Unido após sofrer uma tentativa de assassinato na Nigéria. Aspen New Voices Fellow em 2014 o Aspen Institute.

Copyright: Project Syndicate, 2014. www.project-syndicate.org
O tema eleições não é um dos que mais me encantam; na vida profissional quando pude optei por não atuar no Ministério Eleitoral.

De qualquer maneira o Direito Eleitoral é de total importância para nossa democracia.

Matéria do El País ...

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As eleições estaduais abrem a temporada de esquizofrenia política

Eduardo Campos e Marina Silva, em fevereiro. / EFE
A pouco mais de três meses para as eleições brasileiras, os partidos decidiram mais uma vez dar um nó na cabeça dos eleitores. Na maioria dos Estados as legendas locais não seguirão as composições feitas na disputa presidencial e terão de dar palanque para mais de um candidato. Assim, o mesmo concorrente ao governo que pede votos para a petista Dilma Rousseff acabará apoiando o socialista Eduardo Campos. Não se espante se houver casos em que um candidato se apresente como tucano-petista, ao apoiar a presidenta e, ao mesmo tempo, se juntar a Aécio Neves, do PSDB.

Levantamento feito pelo EL PAÍS mostra o seguinte quadro nas 27 unidades da Federação: o PT já decidiu lançar candidatos ao governo em 18, o PSB lançará em 12 e o PSDB, em 15. Nas demais localidades ainda não sabem que rumo tomar ou vão apoiar outros nomes, boa parte deles do PMDB, o partido que quase nunca é oposição no Brasil. Esse cenário ainda pode mudar até 5 de julho, quando acaba o prazo para as legendas registrarem suas coligações no Tribunal Superior Eleitoral.

São Paulo, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte e Maranhão são alguns dos Estados em que ocorrerá essa esquizofrenia política. No mais populoso Estado do país, o governador Geraldo Alckmin, do PSDB, anunciou que se coligará com o PSB, de Campos. A aliança paulista gerou uma crise interna no reduto socialista porque a vice de Campos, Marina Silva, defendia uma candidatura própria. Assim, Alckmin dará suporte para os dois principais opositores de Rousseff.

Crise semelhante ocorre no Paraná, onde os socialistas apoiarão a candidatura à reeleição de Beto Richa (PSDB) e a descontente Marina Silva vai pedir votos para um candidato do Partido Verde.
No Rio de Janeiro, foi o PT que iniciou uma ruptura com a base que apoiou Rousseff nas últimas eleições, ao lançar Lindbergh Farias para o governo confrontando o antigo aliado Luiz Fernando Pezão, do partido do atual vice-presidente Michel Temer. Coube a Pezão se juntar ao PSDB e ao PSB ao mesmo tempo. Essa possivelmente será uma das composições menos compreensíveis para o eleitor, já que Pezão se diz amigo de Rousseff, mas pedirá votos para dois opositores dela.

O mesmo ocorre no Rio Grande do Norte. O candidato do PMDB, Henrique Eduardo Alves, é o presidente da Câmara dos Deputados e sempre esteve ao lado de Rousseff. Mas, ao invés de dar suporte a ela, se aliou aos dois oposicionistas. No Maranhão, reduto da família Sarney, o comunista Flávio Dino, que apoia Rousseff nacionalmente, também pedirá votos para o tucano Aécio, com quem formalizou um acordo.

A confusão para o eleitorado também chega ao Rio Grande do Sul, onde os socialistas, contrários ao governo Rousseff, pedirão votos para um aliado dela, José Ivo Sartori, do PMDB. Na região central, em Mato Grosso do Sul, os socialistas tomaram o mesmo rumo e subirão no palanque peemedebista, que pedirá votos para Rousseff e Campos.

A falta de coerência nas alianças regionais predomina há anos no Brasil. Ela tentou ser quebrada com a regra da verticalização, que vigorou apenas nos pleitos de 2002 e 2006 e previa que as coligações nacionais deveriam ser repetidas nos Estados. Porém, desde o pleito de 2010, o Judiciário liberou as alianças. “Se há algum idealismo na política no Brasil ela ocorre na esfera federal. Nos Estados há a política do canibalismo, em que as conveniências locais prevalecem”, afirmou a cientista política Aline Machado.

Autora do livro “Alianças eleitorais: casamento com prazo de validade”, Machado diz que a briga por cargos costuma prevalecer na hora de se fazer conchavos políticos. Além disso, analisa ela, a maioria do eleitorado brasileiro não está tão atenta às diferenças entre as coligações. “Só quem sabe sobre as alianças é o eleitor do PSDB, que é o leitor de jornal, a classe média alta. Quem vota no PT, que recebe Bolsa Família, não se preocupa com isso e por isso a Dilma ainda é forte”, afirma.

Em cima do muro

Pelo cenário que se desenha no país, outra característica eleitoral que fica bastante clara é que o fiel da balança nos Estados será mais uma vez o PMDB. Há anos, os peemedebistas não desgrudam do poder nacional. Deram apoio a todos os presidentes eleitos desde o fim da ditadura militar (1964-1985). Atualmente, está com Rousseff, ao indicar o vice-presidente Michel Temer. Na convenção que reafirmou esse apoio, contudo, os peemedebistas deixaram bem exposta essa rachadura do partido: 41% dos votantes optaram por romper com os petistas.

Para não desagradar tanto as bases locais, os caciques peemedebistas decidiram por liberar as alianças regionais. É aí que a confusão se amplia. Os peemedebistas do Ceará se juntarão a Aécio Neves, enquanto que os do Rio Grande do Sul, estarão com Eduardo Campos.

A bagunça é grande também com partidos pequenos e recém criados, como o Solidariedade e o PROS. Aquele seguirá com os tucanos em alguns Estados enquanto esse apoia o PT, mas quer mudanças nos ministérios em um eventual segundo mandato de Rousseff.

Muita coisa ainda pode mudar, já que falta pouco mais de uma semana para a oficialização das alianças. E esse é apenas o início da união, ainda que efêmera, de várias sopas de letrinhas.

Em troca de apoio, os partidos forçam mudanças no Governo

A coligação que elegeu Dilma Rousseff em 2010 não deverá se repetir na candidatura dela à reeleição neste ano. Para piorar sua situação, parte dos partidos que entraram no seu governo no início do mandato já começam a abandonar a nau petista.

O PSB entregou os cargos no ano passado, quando Eduardo Campos decidiu concorrer à presidência. O PDT viveu crises, mas decidiu ficar. O PTB, que sempre foi da base governista, apesar de ter apoiado José Serra na eleição passada, repetirá a coligação com o PSDB, agora dando suporte a Aécio Neves.
A saída dos petebistas, aliás, ligou o sinal amarelo na gestão Rousseff que, para não perder o PR, decidiu trocar o ministro dos Transportes, uma antiga demanda da legenda. O novo trabalho da presidenta agora é conter uma iminente saída do PP e do PSD, ambos com ministérios.

Em São Paulo, por exemplo, o PSD já decidiu que não estará ao lado do candidato Alexandre Padilha, do PT. O presidente da sigla, o ex-prefeito paulistano Gilberto Kassab, disse que há três opções: lançar candidatura própria ao governo (tendo Kassab ou o ex-presidente do Banco Central Henrique 
Meirelles), apoiar o tucano Geraldo Alckmin ou seguir com o peemedebista Paulo Skaff. Apesar de já ter dado sua palavra para Rousseff, o PSD quase mudou de lado nacionalmente também. A convenção nacional realizada nesta quarta-feira, porém, contou com a presença de Rousseff para fazer um agrado e garantir o apoio do partido que lhe dará 3 minutos na propaganda eleitoral de rádio e TV.

Já o PP, ficou mais animado para deixar os petistas de lado quando viu que a senadora pelo Rio Grande do Sul Ana Amélia, foi sondada para ser candidata a vice na chapa de Aécio. Até legendas nanicas têm saído do governo ou ameaçado sair. O PSC vai lançar candidato próprio, o pastor Everaldo Pereira. Enquanto o PTC decidiu apoiar os tucanos. Já o PROS, um dos caçulas da política nacional, decidiu apoiar a reeleição da petista, mas pediu a saída do ministro da Fazenda, Guido Mantega, em caso de vitória.


As mudanças nas alianças políticas não afetam só Rousseff. O PSDB também teve uma perda considerável, se comparada as eleições de 2010. O PPS, que nos últimos anos caminhou com os tucanos, estará ao lado de Eduardo Campos, do PSB.

A comercialização lícita da maconha ...

A matéria destaca um dos pontos que sustenta e até estimula a discussão atual sobre a legalização das drogas.

Particularmente, tenho várias restrições sobre a legalização, mesmo considerando que o alcool representa um perigo e vem provocando danos irreparáveis em nosso sociedade.

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Mercado da maconha legal pode chegar a US$ 110 bi e atrai empreendedores nos EUA
  • Xinhua/Brian Cahn/Zuma Press
  • Folhas de maconha são cortadas em plantação de Denver, Colorado (EUA)
Há muitas formas de ter barato: John e Jane sabiam disso antes de viajarem para Denver, Colorado. Mas nenhum deles estava preparado para a vasta diversidade de opções que encontraram quando chegaram.

No 3D Cannabis Center, eles encontraram maconha saborizada para atender a todo paladar –menta, bala de goma, frutas cítricas e até mesmo trufas e pralina. "Nós recebemos ontem estilo suíço", diz o vendedor, apontando um chocolate amargo.  A seleção também inclui variedades como Cookies & Cream ou tangerina com chocolate. Tudo, é claro, contendo maconha.

"Tudo tem entre 80 miligramas ou 40 miligramas de THC", explica o vendedor atrás do balcão. THC é a abreviação de tetrahidrocanabinol, o agente psicoativo da maconha.

Pouco tempo depois, John, um engenheiro, sente o cheiro adocicado de uma das numerosas variedades.
Incrível", diz, desfrutando o momento. Em casa, a única opção para comprar maconha é de vendedores em partes suspeitas da cidade. Agora, pela primeira vez, ele e sua esposa, uma recepcionista, estão em um estabelecimento alegre, não diferente de uma mercado, com piso de madeira e balcões de vendas. Eles não sabem por onde começar.

Será que optam pela "Silverback Gorilla", que cresce no solo e tem aroma terroso? Ou talvez a "Death Star", que nas palavras do vendedor é "o céu"? É o produto de 10 anos de cultivo.

Em um país mais conhecido pelas penas draconianas que aplica aos crimes ligados às drogas, uma revolução improvável está em andamento nos Estados Unidos. A maconha já foi aprovada para fins medicinais em mais de 20 Estados. Em muitos lugares, mesmo pessoas com males menores como uma dor de cabeça ou leve depressão têm pouca dificuldade em obter uma prescrição.

Após referendos dos eleitores, os Estados de Washington e do Colorado legalizaram plenamente a maconha em 1º de janeiro. As decisões provocaram uma onda de turismo em massa aos Estados por pessoas como John e Jane.
Veja mitos e verdades sobre drogas24 fotos
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Maconha queima neurônio? PARCIALMENTE VERDADE: estudos comprovam que fumar maconha antes dos 15 anos de idade diminui o QI, mas essas mesmas pesquisas mostram que, após os 20 anos, a maconha não traz problemas cognitivos. "Essa diferença tem a ver com a maturação do cérebro, porque na adolescência ele ainda está terminando de se formar. Entre os 15 e os 20 anos é uma faixa nebulosa, onde não foi possível comprovar qual o impacto. Ainda assim, consideramos uma idade de risco", explica Thiago Marques Fidalgo, psiquiatra do Hospital A.C.Camargo Leia mais Getty Images
Os "ganjapreneurs"

Empreendedores de maconha como Toni Fox, a dona do 3D, estão prosperando como resultado. A mulher de 42 anos diz que o movimento era tamanho no início e a oferta tão limitada que ela só conseguia abrir nos fins de semana. Novos cultivadores de maconha estão surgindo por todo o Estado para atender a enorme demanda. Em alguns casos, os proprietários estão cobrando duas a quatro vezes os valores de mercado para aluguel de prédios grandes o bastante para cultivo de maconha.

Em outras partes do país, mesmo onde a maconha ainda não foi legalizada, plantações de alimentos estão surgindo no meio do nada enquanto as empresas se preparam para atender o mercado. Startups de tecnologia estão oferecendo aplicativos para consumidores e técnicos estão desenvolvendo diversos vaporizadores –basicamente cigarros eletrônicos para maconha, que podem ser comprados como dispositivos descartáveis ou mesmo como objetos caros de design.

Investidores estão começando a levantar dinheiro para entrar no mercado gigante o mais cedo possível. Analistas dizem que há um mercado potencial para a maconha que pode chegar a US$ 110 bilhões, quatro vezes a receita gerada anualmente pela indústria do tabaco.

Comparações estão sendo feitas com a era pontocom, à corrida do ouro do século 19 ou mesmo ao fim da lei seca nos anos 30, quando ocorreu um crescimento imenso da indústria do álcool. E todo mundo está tentando entrar no jogo –idealistas assim como homens de negócios realistas, charlatães, gênios e malucos.

Com seu casaco vermelho e vestido plissado cor de rosa, Fox não é o tipo de mulher que alguém imaginaria ser parte da cena de maconha. Ela iniciou seu negócio depois que seu irmão foi para a cadeia para cumprir uma pena de 10 anos por vender maconha aos amigos. A punição draconiana inspirou Fox a se tornar uma "ativista de maconha".

Mãe de dois filhos, ela participou de protestos e até mesmo abriu seu próprio negócio, que inicialmente só podia vender maconha para fins medicinais. Ela também apoiou o grupo de lobby "Mães pela Maconha".

Como muitos outros membros do movimento pela legalização, Fox está convencida de que a maconha é um dos melhores medicamentos para ajudar a tratar doenças como câncer, epilepsia ou mal de Alzheimer –e certamente é melhor que o álcool.

Sentada em um sofá bege em sua sala de espera, é difícil dizer se seus olhos vidrados são produto da maconha ou de exaustão. Desde a legalização plena da maconha no Colorado, ela dificilmente tem tempo de folga. "Em 1º de janeiro, as pessoas aguardaram cinco horas para entrar", diz. A popularidade do negócio resultou em lucros durante os três primeiros meses do ano superiores aos dos últimos três anos somados.

Desencadeando uma necessidade coletiva

A legislação recente parece ter desencadeado uma necessidade coletiva de maconha na cidade. Muitos produtos estão esgotados e fumar maconha se tornou tão socialmente aceitável que a orquestra sinfônica local, carente de recursos, se uniu recentemente a uma empresa de maconha para realizar um concerto beneficente. Durante o intervalo no evento apenas para convidados, homens e mulheres em trajes sociais podiam ser vistos acendendo cigarros de maconha no pátio do prédio e produzindo nuvens espessas de fumaça.

As autoridades estaduais anunciaram recentemente que a receita do setor aumentou 60% desde janeiro. Elas estimam que os impostos e taxas estaduais gerarão até US$ 134 milhões em um ano. O Estado só arrecada cerca de US$ 40 milhões com impostos sobre a venda de álcool.
Marchas da maconha pelo Brasil e pelo mundo200 fotos
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25.mai.2014 - Mais de mil pessoas participaram da Marcha da Maconha, pela legalização da droga, no centro de Curitiba, neste domingo (25) Paulo Lisboa/Brazil Photo Press/Estadão Conteúdo

"Eu chamo de jogo de Monopoly da maconha", diz o investidor KC Stark, falando em uma voz rouca em um salão escuro. Algumas poucas empresas foram convidadas ao local para participar de um "Encontro da Maconha". Ela é apenas uma das muitas convenções de maconha que podem ser visitadas na cidade. No momento, é "dinheiro correndo atrás da maconha correndo atrás de dinheiro correndo atrás da maconha", diz Stark.

O empresário veste sapato branco, jeans e um colete de terno sobre uma camisa. Ele diz ter investido em "dezenas" de empresas ligadas à maconha. Ele também é proprietário do clube Studio A64 em Colorado Springs, onde os convidados podem cantar karaokê e também fumar maconha, e que Stark deseja transformar em uma rede global como o Starbucks.

Mas para sua apresentação na conferência de maconha, Stark está presente como proprietário da MMJ Business Academy, onde ele ensina o básico do setor para empreendedores que esperam abrir uma nova empresa. Stark diz que aqueles que derem os passos certos têm chance de se tornarem "altamente ricos".

Correm rumores sobre as quantias de dinheiro que as pessoas podem ganhar no setor. E se concentram em empreendedores como Tripp Keber, um homem imponente e de ombros largos vestindo um terno cinza.

Keber entrou no negócio de maconha em 2010, com um "barracão de madeira", diz rindo bastante. Ele construiu sua mesa usando dois gabinetes e arrancou a porta do banheiro para usar como tampo. Desde então, há apenas uma constante nos negócios de Keber: crescimento. Nos últimos 16 meses, ele comprou ações de mais de 20 empresas no setor de maconha. Mas a Dixie Elixirs continua sendo o centro de sua empresa. A empresa produz pralinas de chocolate, balas e refrigerantes com sabor de pêssego, groselha e melancia. Tudo com quantidades diferentes de THC.

Ele também opera empresas como Warehouses All Over the City, uma empresa que desenvolve software para gestão de estoque, uma empresa de equipamentos e uma empresa de importação e exportação chamada In Perfect Harmony. "É o nome do cavalo da minha filha", diz.

No momento, Keber diz estar comprando participações acionárias em empresas quase mensalmente. "Eu tenho uma equipe financeira forte que está me ajudando", comenta. "Eles sempre dizem: pare de comprar empresas", fala rindo.

Privando os cartéis das drogas

Ele diz que a indústria da maconha criou dezenas de milhares de empregos e nota que o Estado está injetando os primeiros US$ 40 milhões da receita tributária do setor nas escolas da região. "A propósito", ele acrescenta, a indústria está privando os cartéis das drogas de bilhões de dólares apenas neste ano. "Olhe para o México", ele diz. "Oitenta mil pessoas foram assassinadas em seis anos no país."

Agora que as pessoas podem comprar maconha legalmente, as receitas da Dixie cresceram quase 10 vezes em um ano. "Nós temos provavelmente perto de um milhão de dólares em pedidos pendentes", ele diz. Para atender a explosão da demanda, Keber está atualmente convertendo uma velha padaria industrial em uma instalação de produção de seus produtos comestíveis. No meio do canteiro de obras, já é possível ver o início daquela que será uma engarrafadora plenamente automatizada para suas bebidas de maconha. Atualmente, as garrafas ainda são cheias manualmente.

Até o final do ano, Keber estima que uma tonelada de produtos alimentícios de maconha sairá dali por mês, o dobro da produção atual. Keber diz que já investiu "milhões e milhões" em seu pequeno império. "Eu já disse publicamente que isto não é um negócio para pobres."

Maconha ainda vetada para o setor financeiro

Isso se deve em parte ao fato de ainda ser difícil obter financiamento no setor. Até recentemente, a lei federal dos Estados Unidos proibia os bancos de até mesmo permitir a abertura de contas para empresas ligadas a maconha. Mesmo hoje, muitas instituições financeiras, organizações de empréstimo e fundos hedge evitam o envolvimento no setor, por preocupação com sua imagem.

Muitas empresas ainda operam apenas com dinheiro, diz o ex-promotor de concertos Steve DeAngelo. Um carro blindado passa uma vez por semana para transportar o dinheiro de seu Harborside Health Center, na Califórnia, que tem um volume de negócios anual de US$ 25 milhões. O carro blindado leva os pagamentos de impostos da empresa, que são levados à administração fiscal local. Não é muito eficiente. "Os tesoureiros municipais precisam sentar ali e contar e contar por horas", diz DeAngelo.

Para contornar o envolvimento com bancos, o que inibe muitas novas empresas, DeAngelo formou a rede ArcView de investidores juntamente com um sócio. Nesta semana, ela realizou uma de várias conferências anuais em Denver, que buscam unir investidores com tipos criativos com grandes ideias de negócios.

O próprio DeAngelo é um sujeito à moda antiga. Na adolescência, ele participou de manifestações em apoio à legalização da maconha. Com suas tranças finas e chapéu extravagante, DeAngelo parece um pouco com seu herói, Quanah Parker, um dos últimos chefes comanches do século 19. Parker era conhecido como um guerreiro que travou guerra contra o homem branco, mas posteriormente fez muitos negócios com eles.

Por sua vez, DeAngelo, antes uma pessoa à margem, conta hoje com "um belo salário de classe média alta", segundo ele próprio. Mesmo assim, ele continua sendo um homem de convicção. Ele vê a maconha como sendo "um produto de bem-estar" que expande sua "espiritualidade", sua capacidade de "paciência, de desfrutar uma bela refeição, os sons de uma bela peça musical ou seu senso de libido". De fato, ele considera a distribuição industrializada de drogas como sendo um pesadelo.


Tradutor: George El Khouri Andolfato

quinta-feira, 26 de junho de 2014

A raposa-juíza ...

Excelente artigo, dos melhores do professor Lenio na Conjur ...

E a raposa-juíza, baseada em presunções, mandou esfolar o carneiro!

Esta fábula de Liev Tolstói (99 contos e fábulas) me foi remetida pelo meu amigo Carlos Alberto Nahas, Promotor de Justiça de Santa Catarina, que me inspirou para esta coluna (o texto foi traduzido do francês por um juiz amigo de Nahas). Ei-la:
Um mujique (camponês) entrou com uma ação contra o carneiro. A raposa ocupava naquele momento as funções de juíza. Ela fez comparecer na sua presença o mujique e o carneiro. Explicou o caso.
- Fale, do que reclamas, oh Mujique?
-Veja isso, disse o mujique, na outra manhã eu percebi que me faltavam duas galinhas; eu não encontrei delas nada além dos ovos e das penas, e durante a noite, o carneiro era o único no quintal. 
A raposa, então, interroga o carneiro. O acusado, tremendo rogou graça e proteção à juíza.
-Esta noite, disse ele, eu me encontrava, é verdade, sozinho no quintal, mas eu não saberia responder a respeito das galinhas; elas me são, aliás, inúteis, pois eu não como carne. Chame todos os vizinhos, ajuntou ele, e eles dirão que jamais me tiveram por um ladrão. 
A raposa questionou ainda o mujique e o carneiro longamente sobre o assunto, e depois ela sentenciou:
-Toda noite, o carneiro ficou com as galinhas, e como as galinhas são muito apetitosas, a ocasião era favorável, eu julgo, segundo a minha consciência, que o carneiro não pôde resistir à tentação. Por consequência, eu ordeno que se execute o carneiro e que se dê a carne ao tribunal e, a pele, ao mujique. (grifos no original)
Esta fábula de Tolstói me faz lembrar do julgamento do mensalão, quando lá se disse, em um determinado momento, mediante a invocação de Nicolai Malatesta de que o ordinário se presume; e só o extraordinário se prova. Claro que, de tão confuso que é o livro, o próprio Malatesta diz o contrário, folhas adiante. Duas questões exsurgem de Mala-atesta: um, que não se deve utilizar um autor “por partes”, em “fatias”; dois, que não se pode dizer que o ordinário se presume. Presunções são próprias de sistemas inquisitoriais. Isso para dizer o menos.
Mas a questão que mais bate com o conto de Tolstói é o artigo 23 da LC 64, pelo qual
O Tribunal formará sua convicção pela livre apreciação dos fatos públicos e notórios, dos indícios e presunções e prova produzida, atentando para circunstâncias ou fatos, ainda que não indicados ou alegados pelas partes, mas que preservem o interesse público de lisura eleitoral.
Recentemente, o Supremo Tribunal Federal julgou constitucional o referido dispositivo (ADI 1082). Nas palavras do relator, ministro Marco Aurélio (Regras que permitem produção de provas por juiz eleitoral são válidas),
A possibilidade de o juiz formular presunções mediante raciocínios indutivos feitos a partir da prova indiciária, e fatos publicamente conhecidos ou das regras de experiência não afronta o devido processo legal, porquanto as premissas da decisão devem ser estampadas no pronunciamento, o qual está sujeito aos recursos inerentes à legislação processual.
Pronto. Eis o busílis da questão. Pode, na democracia, o juiz formular presunções mediante raciocínios indutivos feitos a partir da prova indiciária? O que mais me impressiona-é-o-silencio-eloquente-da-comunidade-jurídica. Ela se queda silente. Sem o mínimo pudor. A doutrina não esboça a mínima reação. Doutrina, doutrina, onde estás que não respondes?
Como no julgamento do Carneiro — acusado injustamente de furtar galináceos do Mujique — , contra ele pesavam presunções. Só poderia ter sido ele que comera as galinhas. E a juíza Raposa, com base em sua livre convicção, apreciando fatos públicos e notórios, mandou esfolar o pobre carneiro. Formulou contra o carneiro, de forma “indutiva”, uma presunção. Qual é o problema de induções e julgamentos por presunções? Um não. Vários. O principal deles é que, em julgamentos por presunções, o pobre do utente não pode provar o contrário. Ele é culpado de plano, só porque só-podia-ser-ele e que “todo-mundo-sabe-que-foi-assim”.
E tem outra: o que é isso, o “interesse público de lisura eleitoral”, que tudo justifica? Quem dirá o que interessa ao público? Vejam a fragilidade normativa de um dispositivo desse tipo. Substitua-se-o por “o juiz decidirá conforme a sua consciência e da forma que melhor atenda ao interesse público de lisura eleitoral”, e não haverá nenhuma diferença relevante da situação atual. Se o juiz está autorizado a decidir com base em indícios e presunções, e se é ele mesmo quem decide como e quando deve fazê-lo, estamos simplesmente dependentes não de uma estrutura e, sim, de um olhar individual.
É a antiteoria da decisão jurídica. Uma decisão assim não é produzida no ambiente democrático do processo, mas no terreno solitário da mente judicial. O fato de ela ser “jogada” num processo, e de se submeter “aos recursos inerentes à legislação processual” não é o suficiente para salvá-la. A decisão democrática deve ser precedida de debate em contraditório, pois não? Com a palavra, os processualistas e constitucionalistas!
Dworkin lembra que, dependendo do que se entenda por “liberdade”, a “liberdade” do lobo é a morte do carneiro. Ele tem razão. É por isso que a “livre” apreciação da prova, ao contrário do que vai na lei eleitoral,não pode ser tão livre assim. Se o juiz tiver mesmo esse tipo de liberdade, pobres dos carneiros.
Falando (mais) sério: deve-se dar ao processo jurisdicional a dimensão de controle do exercício do poder de decidir. Decisão judicial é algo muito importante para ficar ao sabor de indícios e presunções. Numa democracia, poder público é poder fiscalizado e controlado. Do início ao fim. Não deve importar a convicção íntima do juiz, mas sim o que o direito como um todo apresenta como resposta para um determinado contexto probatório.
Ora, não há uma relação de oposição entre o tal “interesse público de lisura eleitoral” e o direito dos contraditores ao... contraditório! Soberania popular e direitos individuais são cooriginários e interdependentes. Se o fato é público e notório, que se discutam os seus efeitos no lugar certo, isto é, no curso do processo. Se o “raciocínio indutivo” (sic) é consistente com a prova, isso é tema para debate processual. É assim que se constrói uma decisão. Será tão difícil assim entender isso? Não é que o juiz não possa se valer, por exemplo, das tais “regras de experiência”; mas a validade desta (e dos raciocínios que se desdobram a partir desta) devem ser explorados dialogicamente.
Nesse sentido, o julgamento por presunções e induções fere de morte a presunção da inocência. Engraçado: a lei diz que é possível julgar “presumindo”; só que esquecemos (eu, pelo menos, não) que existe um princípio que obriga a que o judiciário não presuma nada contra o réu. Está lá na Constituição. Bingo! Vou dizer de novo, com certa ironia epistêmica: A-Constituição-proíbe-que-se-presuma-contra-o-réu... e, por incrível que pareça, a lei eleitoral diz o contrário. Assim, na ADI 1082, o que o STF fez foi interpretar a Constituição de acordo com a lei eleitoral.
PS: penso que, depois de tanto tempo, não é necessário dizer que não devemos confundir a necessidade de punir e a necessidade de preservamos as garantias processuais. Tem gente que confunde isso. Pensam que, para punir, há que diminuir as garantias. Ora, o direito penal deve ser duro; mas sem abrir mão das garantias. Por isso — convenhamos — o Estado não necessita de presunções a seu favor. Aliás: onde fica a isonomia? O acusado em processo comum não tem induções e presunções contra si (pelo menos formalmente); já o do “processo eleitoral”, sim (o tal artigo 23 da LC 64). Mais uma vez, pergunto: oh, doutrina, onde estás?
PS1: em um país em que a polícia só investiga 1 a cada 10 roubos e que menos de 10% dos crimes lato sensu são apurados, querem que se resolva esse déficit fiasquento usando presunções contra a malta? Incluam-me fora dessa.
Uma ode ao respeito à presunção da inocência
Tenho a satisfação de dizer que, enquanto Procurador de Justiça, travei longas batalhas contra a violação do princípio da presunção da inocência. Por várias vezes consegui convencer o órgão fracionário do tribunal que, por exemplo, nem sempre o porte ilegal de arma pode ser tipificado. Tampouco o disparo de arma de fogo. E a direção por embriaguez. Enfim, nenhum delito admite responsabilidade objetiva. Somente o caso concreto é que pode levar ao enquadramento. Direito penal não pune tabula rasa. Um Estado Democrático não convive com responsabilidade penal objetiva.
Travei longas batalhas contra prisões processuais que, pela falta de um fundamento concreto, não raro sequer conseguiam esconder o caráter de adiantamento de uma pretensa e futura pena. Também é grande a desconsideração do ambiente institucional sob o qual foram erigidos tanto o Código Penal quanto o Código de Processo Penal. Esquece-se que são diplomas do seu tempo. O autoritarismo de ambos, cuja incompatibilidade com uma Constituição Democrática é de uma obviedade ululante, para usar a expressão de Nelson Rodrigues, é o reflexo de uma época ditatorial. Mas o senso comum teórico reinante ignora isso. Parece que está fora da história, pois parte de uma premissa atemporal, nas reiteradas fundamentações com base em julgados cujos casos subjacentes são impertinentes e/ou anteriores ao contexto normativo discutido no caso concreto. Gadamer teceu severas críticas a esse modus operandi de encobrimento do processo histórico quando discorreu sobre a importância da consciência histórica nas ciências humanas.
Várias vezes utilizei-me da técnica da nulidade parcial sem redução de texto (Teilnichtigerklärung ohne Normtextreduzierung), também conhecida na Europa como sentença redutiva. Com ela, faz-se uma abdução de sentido. A regra permanece no sistema; somente não é aplicada naquele caso concreto, porque, fosse aplicada tabula rasa, violaria a presunção da inocência.
E não o fiz pela primeira vez. Infelizmente não inventei isso. Há várias decisões nos tribunais europeus. Permito-me remeter o leitor para o meu Verdade e Consenso (Saraiva, 2014, pp. 319 e segs), assim como em vários pareceres (p.ex., 70009228594 TJRS), onde esmiúço a tese. Mas, resumidamente, trata-se do seguinte: em Espanha, um sujeito foi processado por ter sido preso transportando “ganzuas” (micha, entre outros). A Lei culminava a pena de 1 a 5 anos para quem fosse preso transportando esse material. O advogado do cidadão arguiu a inconstitucionalidade do dispositivo. O juiz trancou o processo e remeteu, per saltum, para o TC. Lá, depois de longa discussão, decidiu-se que o dispositivo que criminaliza a posse de ganzuas não era inconstitucional stricto sensu. Afinal, não é vedado que o Estado criminalize esse tipo de conduta. Mas, então, onde reside o problema? Simples: o tribunal disse que o dispositivo seria inconstitucional se aplicado na hipótese de ocorrer a violação da presunção da inocência. Isto é, no caso concreto, se o dispositivo é aplicado violando a presunção da inocência ou outro princípio, a aplicação incorrerá em uma inconstitucionalidade. Isso, entretanto, não invalida a regra, que poderá ser aplicada nos demais casos. Por isso, fala-se em inconstitucionalidade sem redução de texto. Aqui não há espaço para explicar com mais detalhes. No livro mostro como isso foi feito.
Em outras palavras: o Estado somente pode processar alguém se provar que um bem jurídico está em jogo concretamente; e tem de provar isso; ou seja, ele, o Estado, não pode presumir. Simples assim. Presumir é impedir que o sujeito prove o contrário; enfim, presumir é impedir que o utente prove sua inocência. Não há, assim, responsabilidade objetiva. Como Procurador de Justiça, fiz isso várias vezes, com êxito. Aquilo que para o Delegado, o Promotor e o Juiz era um easy case, eu transformava, mediante este raciocínio, em um hard case. Assim foi em um caso de um utente condenado por disparo de arma de fogo, que não pôde provar sua inocência. Mostrei que o crime de disparo de arma de fogo, se aplicado por responsabilidade objetiva, viola o princípio constitucional da presunção da inocência. Isso também prova que não há cisão entre casos fáceis e casos difíceis. Um caso é um caso. Depende da compreensão do intérprete. Bingo de novo!
Numa palavra final
O carneiro se lascou porque contra ele foi usada uma presunção. Quantos utentes de terrae brasilis se lascam porque contra eles militam presunções e outros quetais? Mas como isso é possível se a Constituição garante que a única presunção possível é aquela usada a favor do cidadão?
Pois é. Tolstói estava certo ao denunciar isso em sua fábula. Por tudo isso é que eu não gosto de raposas. Como na estorinha trabalhada por Isaiah Berlin, reutilizada por Dworkin, as raposas sabem um pouco de muitas coisas..., já os Ouriços sabem uma grande coisa (vejam o livroJustiça para Ouriços, de Dworkin). Como disse, prefiro Ouriços, animais da minha espécie. Neste caso — e desculpem a minha falta de modéstia — fico alisando meus longos espinhos!
Revista Consultor Jurídico, 26 de junho de 2014, 08:02h