sexta-feira, 31 de julho de 2015

Unitins e UFT foram classificadas entre as 50 melhores instituições do país no 15° exame da OAB

Faculdades tocantinenses entre as melhores

Unitins e UFT foram classificadas entre as 50 melhores instituições do país no 15° exame da OAB
Um levantamento divulgado pela imprensa nacional apontou que a Fundação Universidade do Tocantins (Unitins) e a Universidade Federal do Tocantins (UFT) estão entre as 50 melhores instituições superiores do País na oferta do curso de Direito, de acordo com os desempenhos analisados no 15º exame unificado da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). As duas instituições são públicas.
 
Já a Faculdade de Ciências Jurídicas de Paraíso do Tocantins (FCJP), a 60 km da Capital, ficou entre as 50 piores.
 
Abaixo da média
 
Desde o 13º exame a FCJP está entre as piores. Naquela edição, 29 alunos se inscreveram e nenhum conseguiu ser aprovado.
 
Procurada, a FCJP não possuía nenhum representante para comentar o levantamento na tarde de ontem. Por telefone, um funcionário da instituição informou que o coordenador do curso de Direito e o responsável pela instituição estão de férias.
 
O presidente em exercício da OAB Seccional do Tocantins, Rubens Dário Lima, disse que a Ordem não faz o acompanhamento do exame, que é realizado pela Fundação Getúlio Vargas (FGV). “As pessoas vêm com a certidão de aprovação e a gente inscreve com o cadastro de advogado”, explicou Lima, sobre a ocupação da OAB em relação aos exames.
 
No próximo dia 13 de setembro acontece a segunda fase do XVII exame de ordem.
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quinta-feira, 30 de julho de 2015

E ainda a audiência de custódia ...

O artigo retrata bem a desnecessidade da dita audiência de custódia ...

 

 

 

A audiência de custódia é cara e inútil

Por Adelmar Aires Pimenta da Silva

A audiência de custódia vem sendo objeto de intenso debate no meio jurídico. O ato em questão consistiria, na formulação que vem sendo proposta, na obrigação de todo preso ser apresentado ao juiz no prazo de 24 após a detenção.
O ato, tal como propugnado, constitui uma inutilidade porque não se destina à produção de provas; os magistrados não têm conhecimentos técnicos para avaliar eventuais práticas de tortura porque não são peritos; não se pode perder de vista que os presos em flagrante seriam conduzidos à presença dos magistrados por policiais, circunstância por si só apta a inibir denúncias de eventuais torturas; a condução do investigado à presença do juiz, logo após a prisão, demanda o dispêndio de escassos recursos públicos com a utilização de todo um aparato de segurança, como o emprego de viaturas e agentes estatais envolvidos no deslocamento de detentos.
Nesse contexto, a audiência de custódia serviria apenas para o magistrado ter contato visual com o preso, fomentando os preconceitos inerentes à falibilidade da condição humana frente às desigualdades sociais.
Não se pode perder de vista a dura realidade das varas criminais deste país, assoberbadas de processos e com extensas pautas de audiências. Em pouco mais de um ano frente a uma Vara Federal com competência exclusivamente criminal, embora realizando audiências todos os dias da semana (às vezes, até 7 audiências por dia), a pauta continuou extensa. Encontrar espaço na pauta de audiências para a realização de audiências de custódia implicaria a redesignação de inúmeras audiências dos processos em curso relacionados a réus soltos. Isso só aumentaria o ciclo vicioso da ineficácia da jurisdição penal que se reflete em processos infindáveis, na rotineira consumação da prescrição e na percepção generalizada de impunidade.
Minha experiência profissional como ex-juiz de Direito conduz à conclusão de que esse cenário certamente é bem pior nas varas estaduais que cuidam dos delitos do cotidiano (furtos, roubos, lesões corporais etc). Não é exagero afirmar que a realização de audiências de custódia em relação a todos os investigados presos conduzirá à completa inviabilização da maioria das varas criminais do país.
Feitas essas ponderações, passo ao exame da questão sob o prisma legal. Não se pode negar a estatura supralegal dos tratados internacionais, conforme a compreensão jurisprudencial firmada pela Suprema Corte (RE 404276 AgR/MG), e, de consequência, vigência à Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José).
Toda a controvérsia entorno da audiência de custódia, nos termos em que vem sendo proposta, parte de um manifesto equívoco: nenhum dispositivo do tratado internacional em referência estabelece um prazo a apresentação do preso ao magistrado. A convenção assegura aos presos, ao tratar da liberdade pessoal (artigo 7º, 5) e das garantias judiciais (artigo 8º, 1), o direito de ser conduzido “sem demora” à presença de um juiz e de ser ouvida “dentro de um prazo razoável”. Essas garantias já estão contempladas na legislação processual brasileira na parte que trata do direito do réu ser interrogado (artigos 185 e seguintes do Código de Processo Penal). No sistema processual brasileiro os acusados têm o direito de ser ouvidos pelo juiz do processo e, tratando-se de réu preso, conforme jurisprudência consagrada, está assegurado julgamento célere, sob pena de relaxamento da prisão por excesso de prazo.
Assim, assentando a vigência da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, considero desnecessária e inútil a pretendida audiência de custódia porque os direitos dos presos são assegurados pelo interrogatório e pela condução da instrução célere do processo penal, o que deve ocorrer por volta de 80 dias contados da prisão.
A ausência de realização de audiência de custódia em todo e qualquer procedimento de prisão em flagrante não nulifica o auto e não torna a prisão ilícita. Essa tem sido a compreensão jurisprudencial do Tribunal Regional Federal da 1ª Região:

PROCESSUAL PENAL. PENAL. SUPOSTA PRÁTICA DO DELITO DE TRÁFICO INTERNACIONAL DE DROGAS. AUDIÊNCIA DE CUSTÓDIA. CONDUÇÃO PESSOAL DO PRESO AO JUIZ. AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. HABEAS CORPUS DENEGADO. 1. O ordenamento jurídico pátrio não contempla o instituto da "audiência de custódia", apenas prevê o encaminhamento do auto de prisão em flagrante para que o juiz competente analise a legalidade e a necessidade da manutenção da prisão cautelar. Não há condução pessoal do preso ao magistrado. 2. O indeferimento do pedido de realização de audiência de custódia - por absoluta falta de previsão legal - não consubstancia constrangimento ilegal, passível de reparação por habeas corpus. 3. Ordem de habeas corpus denegada. (HC 0038979-75.2014.4.01.0000 / AM, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL NEY BELLO, TERCEIRA TURMA, e-DJF1 p.163 de 03/10/2014).
 
A dura realidade da jurisdição criminal enseja uma pergunta: é razoável a realização de um ato inútil, desnecessário e caro, como é a pretendida audiência de custódia, nos moldes que vem sendo defendida?
A alegação de que a audiência de custódia implicaria redução da população carcerária não se sustenta. Nenhum juiz de posse de suas faculdades mentais gosta de prender porque a prisão é o atestado da falência do Estado e do indivíduo.
A redução significativa da população carcerária poderia ser obtida com investimentos na aquisição tornozeleiras de monitoramento eletrônico e criação de estruturas eficazes de fiscalização das penas alternativas e das medidas cautelares diversas da prisão. Como esses instrumentos não existem a maioria dos juízes se sente desestimulada a aplicar medidas alternativas à prisão porque não têm como ser fiscalizadas. O Poder Executivo, entretanto, se recusa fornecer equipamentos e meios alternativos às prisões. A superpopulação carcerária é um problema que cabe ao Poder Executivo solucionar, uma vez que é o responsável pela administração de todo o sistema prisional.
A audiência de custódia é mais uma dessas invenções dos criminalistas românticos adeptos do Direito Penal mínimo que em nada contribuirá para a efetividade da prestação jurisdicional, direito fundamental consagrado no artigo 5º, LXXVIII, da Constituição Federal.

sexta-feira, 24 de julho de 2015

Liberdade religiosa e a proteção dos animais ...

Artigo excelente do professor Sarlat na Conjur de hoje:
 

Constituição Federal equilibra liberdade religiosa e proteção dos animais

 
Como já exposto na coluna anterior, a Constituição Federal de 1988 dificilmente poderá ser interpretada adequadamente numa perspectiva laicista, pautada por uma estrita separação entre Estado e fenômeno religioso, ao menos numa perspectiva similar a que pautou os revolucionários franceses de 1789. Além disso, verificou-se que para diversas questões altamente controversas nessa seara não existe uma resposta única, mas sim, alternativas de resposta constitucionalmente adequadas e alternativas que definitivamente não guardam consonância com o ordenamento constitucional.
Nesse contexto, são diversos os problemas que poderiam ser colacionados e que repudiam uma abordagem na perspectiva de uma lógica do “tudo ou nada”. Uma dessas questões envolve tema atualmente discutido também no Brasil, pendente, aliás, de decisão por parte do STF. Cuida-se, designadamente, do conflito entre a liberdade religiosa e a proteção dos animais, mormente quando em causa o sacrifício de animais para efeitos de rituais religiosos.
Sem que se pretenda aqui esgotar o tema, vamos, a partir do marco sumariamente traçado na coluna anterior, adentrar pelo menos um pouco o terreno nada firme dos argumentos deduzidos no debate acadêmico e na esfera pública, buscando contribuir para uma maior problematização do caso.
Se no caso brasileiro o que está em causa é o abate de animais para utilização em rituais religiosos, no caso, de matriz afro-brasileira, no direito estrangeiro o problema também se manifesta, embora vinculado ao uso da carne dos animais para consumo, o que, à partida, aponta para algumas peculiaridades que evidentemente devem ser consideradas na problematização e mesmo na eventual ponderação a ser realizada na busca da resposta constitucionalmente mais adequada.
Da perspectiva da proteção dos animais é possível, numa primeira aproximação, argumentar que os animais, pelo menos os tidos como sensitivos, são titulares de direitos fundamentais, reclamando uma proteção reforçada do ponto de vista jurídico constitucional e que tal proteção prefere a uma particular manifestação da liberdade religiosa, ainda mais tendo em conta alternativas outras que não o sacrifício dos animais. No caso do abate para consumo, em apertadíssima síntese, a linha argumentativa igualmente aponta para a opção do ser humano em não consumir carne e recorrer a outras formas de alimentação disponíveis. Independentemente disso, ainda que não se atribua aos animais a titularidade de direitos subjetivos, o fato é que existe um dever constitucional de proteção da fauna, que, pelo menos em princípio, poderá justificar restrições ao exercício de direitos fundamentais, incluindo a liberdade religiosa, somando-se, no caso brasileiro, a regra constitucional proibitiva de crueldade com os animais.
 Se disso pode ser deduzido um direito fundamental dos animais a não serem abatidos (seja qual for a finalidade do abate) é aspecto que merece reserva, assim como eventual direito a não ter sofrimento. O que é certo e pode ser sufragado como representando um patamar mínimo e inarredável do ponto de vista constitucional, é a existência de um dever jurídico-constitucional e vinculativo de proteção da natureza e uma proibição constitucional (no caso brasileiro) de tratar os animais com crueldade.  Tais limites deverão ser observados pelos poderes constituídos e podem implicar proibições impostas aos particulares.
Mas vamos avançar mediante recurso a dois casos que aportaram no Poder Judiciário e que enfrentaram precisamente as hipóteses referidas envolvendo os limites da liberdade religiosa.
O primeiro caso vem da Alemanha, onde o Tribunal Constitucional Federal examinou situação envolvendo o abate de animais para consumo mediante observância de rituais religiosos[1]. Na hipótese, tratava-se de açougueiro turco, adepto do ramo sunita do islamismo, que teve o seu estabelecimento interditado pela autoridade administrativa por estar abatendo animais para consumo sem a prévia sedação (aturdimento), tal como exigido pela legislação de proteção da natureza. 
A lei alemã exige a prévia sedação do animal, mas abre exceções, designadamente no caso de garantia da saúde pública e quando exigido por razões ligadas a rituais religiosos. No caso concreto apreciado, em sede de relação constitucional, o açougueiro alegou, além da quebra do princípio da igualdade (já que a prática seria tolerada quando levada a efeito em estabelecimentos judaicos), a violação de sua liberdade religiosa e de sua liberdade de profissão, porquanto o abate seria exercido obedecendo estritamente ritual consagrado no âmbito do islamismo, mas também pelo fato de que a proibição do abate de acordo com tal ritual afetaria de modo desproporcional o negócio do reclamante, pois sua clientela era formada justamente por integrantes de comunidade religiosa que somente pode ingerir carne quando obtida de acordo com os ditames da religião.
O Tribunal Constitucional Federal alemão acabou reconhecendo a tese do reclamante, de modo a incluir o sacrifício dos animais na esfera da exceção prevista na legislação infraconstitucional, dando prevalência à liberdade religiosa, muito embora por ocasião da decisão (e é relevante que se o refira!) a proteção da fauna ainda não tivesse sido formalmente incorporada ao texto da Lei Fundamental alemã. De todo modo, o Tribunal alemão não afastou a possibilidade de medidas de fiscalização do abate, da perícia na degola e mesmo da clientela, de modo a preservar ao máximo o dever de proteção dos animais.
No Brasil a hipótese seguramente mais frequente é a que envolve os rituais afro-brasileiros do Candomblé e da Umbanda[2], nos quais também são sacrificados animais. A respeito de tal prática, encontra-se decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que, em sede de controle abstrato e concentrado de constitucionalidade, declarou a legitimidade constitucional de lei estadual que admite a prática do abate para fins religiosos, desde que mediante consideração dos aspectos levando em conta a saúde pública e a proibição de crueldade com os animais[3], decisão da qual foi interposto recurso ao STF[4], que ainda não julgou a matéria.
Do ponto de vista da Constituição Federal de 1988, como já sublinhado, a decisão do Tribunal de Justiça gaúcho atendeu os parâmetros da proibição de crueldade contra os animais, visto que ressalvou justamente a necessidade de que fosse observado, quando do sacrifício, tal critério, o que, de resto, já estava devidamente ressalvado na legislação estadual impugnada. Além disso, como bem evoca, entre outros argumentos, Jayme Weingartner Neto, a proibição do ritual implicaria afetação do núcleo essencial da religião professada por expressiva parcela do povo brasileiro igualmente já sublinhado, o que é insustentável do ponto de vista constitucional e não atende os critérios de uma concordância prática no que diz com solução do conflito concreto (e não meramente aparente) entre liberdade religiosa e a proteção da fauna[5].
Com isso retomamos o mote da última coluna. O Estado Laico, especialmente tal como formatado pelo constituinte de 1988, não é um Estado insensível ou mesmo refratário ao fenômeno religioso. Além disso, no que diz especialmente com o caso do sacrifício de animais para rituais religiosos no Brasil, não somente a ordem constitucional não veda o abate de animais, mas também assegura uma posição especial, em termos de proteção autônoma, às manifestações culturais afro-brasileiras (artigo 215, parágrafo 1º), o que por si só encaminha a ponderação, neste particular, a pender para o lado da liberdade religiosa, até mesmo pelo fato de que os cultos e rituais religiosos são também elementos essenciais de uma determinada cultura, cujo limite é precisamente o da proibição, mediante uma regra constitucional, da proibição da crueldade com os animais.
De todo modo, já o caso aqui brevemente analisado, aponta para a riqueza e complexidade do tema da liberdade religiosa e de suas tensões com outros bens de estatura constitucional (como, por exemplo, revela a discussão pendente no STF em torno do ensino religioso em escolas públicas), bem como a dificuldade de se obter uma resposta fácil para casos difíceis. Nessa coluna nos limitamos a apresentar e problematizar de modo meramente ilustrativo um dos conflitos submetido ao crivo do Poder Judiciário nessa seara, sem prejuízo de tantos outros, como dá conta precisamente o caso do ensino religioso em escolas públicas, pendente de julgamento no STF.

[1] Cf. BVerfGE 104, 337.
[2] Cf., por todos, Manoel Jorge Silva Neto, “A proteção constitucional da liberdade religiosa”, in: Revista de Informação Legislativa n° 160, out.-dez. 2003, p. 120 e ss., que fala em uma “liberdade de sacrifício de animais no ritual”.
[3] Cf. ADin n° 70010129690, Rel. Des. Araken de Assis, julgada em 18.04.2005.
[4] Cf. RE 494601, Rel. Min. Marco Aurélio, com parecer do Procurador-Geral da República no sentido do desprovimento ou provimento parcial do recurso, de modo a preservar os rituais religiosos.
[5] Na doutrina brasileira, v., por todos, Jayme Weingartner Neto, Liberdade Religiosa na Constituição, op. cit., p. 279 e ss.

sexta-feira, 10 de julho de 2015

A Lava Jato e o processo penal: perfeitos e apaixonados ...

Muito se lê e escreve sobre a violência da denominada operação lava jato. Não li nada que impressione. O que impressiona é o tamanho da corrupção, o tanto de dinheiro que foi roubado, digo roubado diante da violência do assaltantes. 

O Direito, em especial o Direito Penal e Processual Penal no caso, não pode "tratar" o ladrão de galinha e o ladrão de milhões da mesma forma. Bom, aqui muitos gritam: Direito Penal do Inimigo! Chamem da forma que melhor entender. O certo é que, se impõe a lei, ou seguimos enforcados pela corrupção.

Advogados bem pagos, bem preparados, que tanto lamento!? O discurso garantista não cabe aqui, não se trata de vítimas da desigualdade social, mas de responsáveis por parte da desigualdade social.

É a tese da conspiração, da perseguição ... querem nos fazer acreditar que o Juiz Moro, um belo dia, em seu gabinete na linda Curitiba, sem nada para fazer em seu gabinete, sem família, sem alunos na faculdade, etc, resolveu sair "a cata" de ladrões, e dedicar anos de trabalho pesado e ataques de todos os lados ...

O processo penal é, ao mesmo tempo que um instrumento de defesa do indivíduo, instrumento de segurança da sociedade, e deve ser aplicado de maneira rígida. No mais, todas as medidas adotados no caso passaram pelo crivo dos tribunais - quantos HCs já se foram? -, e a tese da conspiração segue firme seu caminho pelo ralo, pelos bueiros da corrupção.

O texto do professor Lenio trata do tema, com outro ponto de vista, mas como sempre, muito bom. o Segundo trata de tema diverso, mas não menos interessante.


Excelentes textos:

http://www.conjur.com.br/2015-jul-10/direitos-fundamentais-liberdade-religiosa-dever-neutralidade-estatal-constituicao-federal-1988

http://www.conjur.com.br/2015-jul-09/senso-incomum-nao-ensinava-processo-penal-antes-lava-jato

Ainda a audiência de custódia ...

Será que os nobres professores têm razão? Mais um texto para reflexão.
Eu fiquei realmente satisfeito com a manifestação do CNPG, que se manifestou sobre a necessidade de medir as ações do Judiciário nesse ponto ... 
Inclusive fiz um comentário sobre o texto no site ... 

Texto do Conjur:

"Não sei, não conheço, mas não gosto da audiência de custódia"
Por Aury Lopes Jr e Alexandre Morais da Rosa

Força não há capaz de enfrentar uma ideia cujo tempo tenha chegado
— Humberto Gessinger (A Onda)
Dê uma chance de pensar a questão da audiência de custódia por outro caminho. Quando você vai a um restaurante chique e pede um prato diferente e caro, mesmo que não goste, come até o final ou pede outro? A maioria das pessoas reclama e continua comendo. O mesmo acontece quando vamos a um cinema e relutamos em nos levantar e ir embora porque o filme é ruim. Caímos na armadilha dos custos afundados (sunk cost). Pessoas que sempre investiram na poupança, mesmo que hoje ela não reponha sequer a inflação, mantém o dinheiro perdendo mensalmente. Sempre fizeram isso e mudar parece algo perigoso. Esta tendência de aversão a mudanças pode nos servir para compreender o motivo de tanta resistência à audiência de custódia.
A audiência de custódia é uma etapa do alinhamento do Processo Penal brasileiro com as Declarações de Direitos Humanos. Talvez por isso seja tão complicado falar dela para quem mantém a mentalidade autoritária. A convenção se aplica ao Brasil e era ignorada, como, aliás, boa parte da normativa de Direitos Humanos. Nenhuma novidade, dirão.
E a posição que defendemos em artigos anteriores (clique aqui, aqui e aqui para ler) e agora aprofundada no livro Processo Penal no Limite, publicado esta semana, é mantida, com um toque a mais. Participamos, paralelamente, de diversos encontros discutindo o tema com magistrados, membros do Ministério Público, defensores, advogados, Delegados de Polícia, Policiais Militares, estudantes, enfim, com vários intervenientes, sendo que a maioria era contra sem ao menos se informar. Não sabiam do que era, nem de como funcionava, mas estufavam o peito e diziam: sou contra. É uma infantil resistência ao novo, ao diferente,  do estilo “não sei, não conheço, mas não gosto’.
A desinformação sobre o conteúdo, o lugar e a função da audiência de custódia, beira à birra adolescente. Praticada em diversos países, tanto da Europa como da América Latina, parece, para alguns ter sido inventada pelo Conselho Nacional de Justiça. A história do CNJ não ajuda, pois elaborou diversas Resoluções de duvidosa constitucionalidade, propagou o medo na magistratura e com suas metas gerou o pânico por qualquer iniciativa. Falar de CNJ passou a ser proibido e colhe os efeitos de atuações recentes desastrosas.
Com a atual conformação, especialmente presidência e corregedoria, em vez de perseguições às bruxas, buscou-se implementar a normativa internacional, algumas políticas anteriores foram modificadas e, acima de tudo, há uma mudança qualitativa. Preocupa-se, agora, também, com as grandes diretrizes do Poder Judiciário, ouve a base, sem que necessariamente fale o que desejam. Dentre as iniciativas corajosas está a de enfrentar o encarceramento verificado nos últimos anos e os custos do sistema penal.
A questão é que estamos prendendo mal. Faltam recursos para implementação de meios abertos, monitoramento eletrônico, programas de egressos, etc. E aí reside o equívoco. Para que tenhamos uma ideia aproximada, em Santa Catarina, cada condenação por cinco anos de prisão significa um custo anual de R$ 48 mil, que, multiplicado pelo total, significaria R$ 240 mil. Basta multiplicarmos para ficarmos assustados. A previsão é que se gaste, em 2015, cerca de R$ 800 milhões.
E o custo de um preso mensal, inclusive cautelar, implica em R$ 4 mil. A conta de cada prisão cautelar é arcada por toda a sociedade. Por isso não levar em conta isso no encarceramento em massa ou é ingenuidade ou má-fé, muitas vezes financiada pelas empresas de presídio privados nunca lucraram tanto. Já pensou que maravilha ter um hotel lotado e com mais demanda?
Mark Twain escreveu que “Se a única ferramenta é o martelo, todos os seus problemas serão pregos.” Se a única ferramenta é a prisão (cautelar), não restaria outra opção. Daí que houve a reforma de 2012, inserindo-se cautelares diversas da prisão (CPP, artigo 319), os quais apresentam indicam modelos múltiplos de garantia do processo e não de antecipação de pena. Mas a mentalidade que somente procura pregos, não consegue compreender que está nos levando à falência com os custos do sistema que abastece.
Quem prende cada vez mais, por qualquer motivo, mesmo cabendo medidas cautelares, no fundo, por não sentir o dinheiro de seu bolso, cai na armadilha da Tragédia dos Comuns, já que nos obriga, como Estado, a arcar com mais recursos para prender gente. Pode-se dizer que sofrem da deformação do especialista, pois como são agentes vinculados ao sistema penal, respondem, quase sempre, com pena. E nos levam à falência.
A audiência de custódia acaba com o conforto da decisão imaginada pelo flagrante, exige contato humano, com o impacto que proporciona, fazendo com que se possa prender melhor, a partir das razões que forem apresentadas. Nos estados em que já está sendo implementada, muitos opositores se renderam à qualidade do ato, até porque sustenta o lugar de garante do Juiz, tanto pelos flagrantes, prendendo quando for o caso, bem assim evitando que pessoas fiquem presas para além do necessário. Controla-se, por fim, os casos de tortura reais ou inventadas.
A potencialização do caráter antropológico do ritual judiciário é um valor inestimável da audiência de custódia, pois fortalece o contato pessoal, o olho no olho, a responsabilidade pela palavra dada, seja por parte do imputado (que ali assume um compromisso com o juiz pela liberdade concedida), seja por parte do juiz. É ainda um ato ético, alinhado com a ética da alteridade. Na dimensão processual, fortalecemos a estrutura dialética, pela presença do Ministério Público (que pedirá ou não a prisão preventiva, acabando com a absurda ‘conversão do flagrante em preventiva sem pedido’), e também da defesa (permitindo o real contraditório neste ato tão importante). Tudo em contraditório (e salve Fazzalari), com oralidade e contato direto e pessoal com o juiz. Isso é democracia processual diria Bettiol.

Sempre fizemos do mesmo jeito, mas talvez possamos olhar para o futuro e ver o que há de bom na legislação em vigor no Brasil e procurarmos aplicar. Não podemos ser como o sujeito que está numa relação (amorosa, de emprego etc.) ruim e simplesmente não possui coragem de mudar porque já investiu muito tempo e dinheiro nela. Talvez sejamos românticos demais, até porque muitos preferem uma vida tacanha com medo do futuro e do desconhecido. A implementação da audiência de custódia, que não salvará o mundo, mas poderá alinhar o regime de cautelar brasileiro ao modelo internacional é para quem tem coragem, não para quem tem medo do desconhecido.

quinta-feira, 2 de julho de 2015

Desafios para o NCPC ...


Pode parecer difícil, mas o mundo real é esse descrito no artigo do prof. Lenio na Conjur de hoje ... não vai ser fácil ...

O que fazer quando juízes dizem que o novo CPC não deve ser obedecido?

Como sabemos, o novo Código de Processo Civil (CPC) vem gerando desconfortos em setores da magistratura. Já escrevi aqui sobre o juiz (ler aqui) que disse que, tivesse que fundamentar amiúde e não mais pudesse decidir conforme seu livre convencimento, mudar-se-ia para os Estados Unidos. Depois vem o episódio do Tribunal Regional do Trabalho da 2ª Região (SP), em que um juiz (ler aqui) disse que, tivesse que obedecer o artigo 489 do novo CPC, mudar-se-ia para a antiga Rodésia.
Afora isso, há notícias que dão conta que há uma onda anti-novo CPC. Parcela da magistratura não admite ter de obedecer aquilo que na Alemanha já se faz há décadas, conforme Dierle Nunes e eu explicamos aqui. Há até desdém pelo novo Código, com desafios do tipo “quero ver se vai dar certo”; “na hora H, quem decide sou eu”, etc. Vejo tudo isso com tristeza. E tenho a certeza de que a maior parte da magistratura também. 
Hoje, trago um exemplo que demonstra como determinados magistrados continuam se comportando como verdadeiros donos do poder, bem ao estilo daquilo que tão bem denunciou Raimundo Faoro em sua clássica obra. Em Pindorama, alguns estão acima da lei. E podem dizer, abertamente, que não a cumprirão.
É o caso de um juiz do trabalho-professor-doutor, que, em palestra recente (ver aqui) — não desmentida —, afirmou
que a Justiça do Trabalho deveria resistir à aplicação do novo Código de Processo Civil, por entender que a nova lei é fruto do pensamento liberal e da lógica de mercado, tendendo a diminuir a potencialidade da influência dos juízes do trabalho dentro da realidade social.
Vejam que não declino o nome do magistrado (embora a matéria o nomine, é claro) porque não tenho a intenção de fulanizar a discussão. Trata-se de uma questão maior, isto é, refletir acerca dos limites da função de juiz e a própria democracia.
O presente caso trata do seguinte: O juiz que jurou defender as leis e a Constituição e que cursou doutorado, prega, em pleno Estado Democrático de Direito, a desobediência a uma lei aprovada pelo parlamento e sancionada pela presidente. Em países como Alemanha, França, Espanha e Portugal (para citar apenas estes), tal conduta traria uma série de aborrecimentos a Sua Excelência, para dizer o menos. Em Pindorama, ao que sei, a declaração gerou... aplausos.
Sigo. Segundo sua tese, a magistratura deveria funcionar como uma trincheira de resistência ao atual conservadorismo jurídico (sic) e, por isso, o direito deveria ser instrumentalizado para os magistrados poderem fazer justiça social. Vou repetir: “Magistrados poderem fazer justiça social”. Algo como “a justiça sou eu”.
Diante da defesa desse protagonismo, seja ele de esquerda ou de direita, progressista ou conservadora (para quem?), é preciso insistir nas grandes conquistas do direito, que, sem dúvida alguma, foram fundamentais para o estabelecimento da democracia. Manifestar-se de forma personalista, em qualquer instituição pública, apenas contribui para enfraquecer o Estado de Direito. É assim que devemos olhar para qualquer tipo de ode à discricionariedade. Não existem ativismos bons e ativismos ruins. Se insistirmos em retornar a esta dicotomia, estaremos retomando o velho debate que atravessou a Guerra Fria, que girava na disputa entre ditaduras de esquerda e ditaduras de direita. Afinal, existe alguma ditadura boa? Ambas diziam que se posicionavam a favor da democracia, mas, no fim, contribuíram para fragilizá-la e, por fim, extingui-la. E isso serve para a necessária crítica que devemos fazer a qualquer tipo de voluntarismo interpretativo-aplicativo, seja em defesa do mercado ou da justiça social.
Em seu desdém — e devemos chamar as coisas pelo seu nome — pelo novo Código, o juiz paulista asseverou:
O novo CPC sofre de megalomania e flerta com a esquizofrenia”.
Quer dizer que isso que o ministro Fux e uma plêiade de juristas e deputados fizeram durante anos é uma obra “megalômana”? Pergunto, ademais: na medida em que uma obra (coisa inanimada) não pode ser esquizofrênica, seriam esquizofrênicos os autores do Código?  Vejam: a matéria não foi desmentida. E está em site oficial. Palavras suas.
E a matéria acentua ainda que o magistrado teria dito que “precisamos resolver as coisas de forma mais simples e basear nossas escolhas na lógica da confiança entre o juiz e as partes e entre as partes e o juiz”. E eu indago: Como assim? O que é isto — “a lógica da confiança entre o juiz e as partes”? Não tem Parlamento neste país? Juiz faz juízos morais sobre o direito? 
Na sequência, o mesmo juiz criticou a segurança jurídica (sic) que o novo CPC traz. Para ele, não se pode facilitar a vida das empresas que são reincidentes no descumprimento das normas trabalhistas. OK. Mas isso não acarreta um pré-julgamento do juiz acerca da empresa? Por que o magistrado teria dito que “as empresas precisam sentir o desconforto”? Com essa declaração, em sendo advogado de empresa, peço a sua suspeição. Mutatis, mutandis, disso tudo se extrai, confessadamente, que o direito da parte dependerá (da opinião pessoal) do juiz e não do direito. Ou seja, se for um juiz progressista, a decisão é “X”; se for um “conservador”, será Y. Isso só mostra que estamos 100 anos atrasados. Ainda cultivamos coisas como Escola do Direito Livre, Livre Investigação, Realismo Jurídico, Direito Achado na Rua e outras coisas do gênero. Peço vênia, mas isso precisa ser dito. E denunciado. De forma clara.
Não entendi também porque o novo CPC seria liberal (sic) ou algo do gênero. Seria o novo CPC “de direita”? E o que seria um Código “de esquerda”? A exigência de fundamentação detalhada e accountability é uma mostra de “liberalismo” e da prevalência da lei  de mercado? Devo ter perdido essa parte das aulas de ciência política. E falarei com Bolzam de Morais para reescrevermos nosso livro Teoria do Estado e Ciência Política, hoje já na 9ª. Edição.
De fato, o Brasil vai mal. Quem deve respeitar a lei e fazê-la cumprir faz uma ode à... desobediência. Sim, sei que é antipático criticar juiz em um país de estamentos. Afinal, podemos estar nas mãos “dele” como advogados na próxima causa. Dizem-me isso todos os dias. Algo como “você não deve criticar os juízes”. “— Isso pode lhe custar caro”, etc. Como se a defesa do direito fosse algo “feio” ou “pegajoso”. Quem ler, por exemplo, Jurisdição Constitucional e Decisão Jurídica verá a verdadeira ode que faço à jurisdição. Mas isso só sabe quem se der a pachorra de ler antes de criticar.
É claro que isso é assim porque o nosso direito é tão atrasado que ainda dependemos do solipsismo judicial e não do direito entendido como uma estrutura. E isso pode ser visto na própria declaração do juiz constante na matéria. Para ele, não deve importar um Código novo aprovado pelo legislador. Vale mesmo é a “relação juiz-partes”. Pois é isso que dá medo no usuário. Os advogados tem pânico disso. Depender da posição pessoal do juiz e não do direito. Eis o busílis da questão. Estamos atrasados mais de um século. Vou repetir algo que já disse em outra coluna, quando critiquei uma decisão da Justiça Federal que, à revelia da lei e da Constituição, concedeu metade da herança a uma concubina adulterina: vendo tudo isso, cada vez mais gosto dos pandectistas alemães. Muitos não entenderão isto que estou dizendo. Mas, não importa. Alguns entenderão.  Em um país de fugitivos, quem anda na contramão parece que está fugindo!
Numa palavra final.
Lendo o que disse o magistrado da justiça laboral, tenho de chamar à colação, duas vezes, o ministro Teori Zavascki. A uma, porque no dia do episódio em que outro juiz do trabalho disse que se mudaria para a antiga Rodesia, o ministro, em conferência proferida à tarde, com inteligência e a elegância que lhe é própria, colocou um balde de água fria nesses ímpetos de desobediência civil contra o novo CPC. Disse, claramente, que a fundamentação prevista no Código é condição de possibilidade da democracia: juiz deve priorizar fundamentação em vez da celeridade. Mas chamo o ministro Teori ainda uma vez mais à colação, em seu brilhante voto na Reclamação 2.645, quando diz que o juiz somente pode deixar de aplicar uma lei se esta for inconstitucional, ratificando, implicitamente, a primeira das seis hipóteses, constantes em minha teoria da decisão, pelas quais um juiz pode deixar de aplicar um texto normativo (conforme Verdade e Consenso e Jurisdição e Decisão Jurídica). Isso se aplica aos juízes que pregam a desobediência ao novo CPC. Não se trata, por óbvio, de um Código perfeito. Longe disso. Mas foi aprovado pelo parlamento. Temos de cumpri-lo e aperfeiçoá-lo. Mas isso se faz por intermédio do próprio parlamento e pela jurisdição constitucional, pelos mecanismos específicos como interpretação conforme, antinomias, nulidade parcial sem redução de texto, etc. Sei também que há quem defenda o aumento do prazo de vacatio legis. Mas essa vacatio estendida, se ocorrer, será por determinação soberana do parlamento. E não da simples vontade do judiciário.
Fico imaginando o desconforto não só do ministro Teori com declarações como as do juiz em tela, como também dos demais ministros da Suprema Corte encarregados últimos da constitucionalidade das leis. Lembro, aqui, de uma conferência do presidente do STF, ministro Lewandoski sobre o cumprimento das leis (leia aqui). E de tantas palestras que participei com a ministra Cármen Lúcia, que, brandindo a Constituição, falava de da necessidade de seu cumprimento. Do ministro Toffoli, na ADI 4.451, criticando a principiolatria. Do ministro Gilmar Mendes, tantas vezes falando das garantias do Estado de Direito. Do ministro Marco Aurélio, falando da ordem em que os Poderes se encontram escritos na Constituição. Poderia citar um por um por um dos ministros. E, é claro, um dos mentores do novo CPC, o ministro Luiz Fux, que tanto lutou para termos esse novo estatuto. Todos na contramão do que disse o juiz trabalhista.

Em síntese: vamos levar o direito a sério. São mais de mil faculdades de Direito. Uma centena de programas de pós-graduação. Centenas de autores produzindo doutrina. Preocupados com a aplicação das leis e da Constituição. Não há mais espaço para voluntarismos e axiologismos tardios. Repito, aqui, pela enésima vez, que “não é proibido que o juiz deixe de aplicar uma lei”. Mas, se ele não estiver de acordo com o conteúdo de uma lei, deve lançar mão dos mecanismos próprios para tal. De todo modo, repito as seis hipóteses pelas quais é possível não aplicar uma lei stricto sensu. Melhor dizendo, indico o link da coluna da semana passada, em que discuti isso detalhadamente. Até minha LEER tem limites.