terça-feira, 1 de julho de 2025

Discriminação Reversa: EUA e Brasil em Caminhos Opostos

Discriminação Reversa: EUA e Brasil em Caminhos Opostos

Em junho de 2025, duas decisões judiciais marcaram posições antagônicas sobre discriminação reversa. Enquanto a Suprema Corte dos Estados Unidos facilitou ações de funcionários que se sentem discriminados por pertencerem ao grupo majoritário, o Superior Tribunal de Justiça brasileiro rejeitou categoricamente a tese do "racismo reverso". As decisões revelam visões completamente distintas sobre igualdade e proteção de minorias.

O caso americano envolveu Marlean Ames, funcionária heterossexual que processou o Departamento de Serviços da Juventude de Ohio alegando ter sido discriminada em favor de colegas homossexuais. Por unanimidade, a Suprema Corte eliminou a regra das "circunstâncias de contexto", que exigia que membros de grupos majoritários apresentassem evidências mais robustas para comprovar discriminação. A Juíza Ketanji Brown Jackson foi clara: o padrão para provar discriminação "não varia baseado no fato do requerente ser ou não membro de um grupo majoritário".

Do outro lado do continente, o STJ brasileiro tomou direção oposta. Em fevereiro de 2025, por unanimidade, rejeitou a tese do "racismo reverso" em caso onde um homem negro foi acusado de injúria racial contra um branco. O Ministro Og Fernandes foi categórico: "a injúria racial não se configura em ofensas dirigidas a pessoas brancas exclusivamente por esta condição", pois "o racismo é um fenômeno estrutural que historicamente afeta grupos minoritários".

As diferenças não são apenas técnicas, mas refletem filosofias jurídicas opostas. A abordagem americana prioriza a aplicação literal das leis antidiscriminação, defendendo que proteções devem ser iguais para todos, independentemente do grupo. Já a brasileira incorpora teorias do racismo estrutural, argumentando que discriminação exige relação histórica de poder e dominação.

A decisão americana facilita ações de discriminação reversa em 20 estados, chegando em momento político específico: o governo Trump atacou sistematicamente programas de diversidade, demitindo funcionários federais em cargos relacionados a DEI (Diversidade, Equidade e Inclusão). Grandes empresas também desmontaram suas políticas de diversidade após a Suprema Corte acabar com ações afirmativas em universidades em 2023.

No Brasil, a posição do STJ mantém coerência com o histórico de ações afirmativas. Desde 2012, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a constitucionalidade das cotas raciais, primeiro nas universidades e depois em concursos públicos. "Não basta não discriminar. É preciso viabilizar", afirmou o Ministro Ricardo Lewandowski. Em 2024, o STF prorrogou indefinidamente as cotas raciais em concursos públicos, determinando que não podem ser extintas sem avaliação de eficácia.

A decisão brasileira baseou-se no Protocolo de Julgamento com Perspectiva Racial do CNJ, que reconhece o racismo como fenômeno estrutural baseado em hierarquia historicamente imposta por grupos dominantes. O conceito de "grupos minoritários" não se refere ao contingente populacional, mas àqueles que não estão representados nos espaços de poder e enfrentam discriminação sistemática.

As implicações práticas são significativas. Nos EUA, a decisão pode minar programas destinados a corrigir desigualdades históricas, facilitando contestações judiciais. No Brasil, a posição protege especificamente grupos historicamente marginalizados, diferenciando injúria racial (crime) de injúria simples (contravenção).

O contexto político é revelador. A decisão americana ocorre durante desmonte de políticas de diversidade, enquanto a brasileira surge em momento de fortalecimento das ações afirmativas, com ampliação das cotas e criação de novos mecanismos de proteção.

O debate gerou reações distintas. Nos EUA, o Juiz Clarence Thomas criticou a regra anterior como "explicitamente baseada em raça" e contrária à Constituição. No Brasil, o deputado Guto Zacarias propôs lei estadual para proteger brancos contra discriminação racial, projeto que enfrenta questionamentos sobre constitucionalidade.

As trajetórias divergentes refletem concepções fundamentais diferentes. A abordagem formalista americana defende que igualdade real exige tratamento idêntico para todos. A substantiva brasileira argumenta que igualdade real requer reconhecer diferenças históricas e aplicar proteções específicas para grupos que enfrentaram discriminação sistemática.

Enquanto os Estados Unidos facilitam ações de discriminação reversa, questionando se proteções iguais significam tratamento idêntico, o Brasil consolida entendimento de que proteções iguais exigem reconhecer desigualdades estruturais. São duas nações, duas visões jurídicas, dois caminhos na construção de sociedades mais justas.

A decisão da Suprema Corte americana de 2025 e a do STJ brasileiro estabelecem precedentes que influenciarão por décadas como cada sociedade enfrenta questões de discriminação. O debate entre igualdade formal e igualdade material permanece vivo, com consequências práticas que afetam milhões de pessoas em busca de tratamento digno e oportunidades justas.


Fontes: CBS News (https://www.cbsnews.com/news/supreme-court-reverse-discrimination-ames/), Superior Tribunal de Justiça, Agência Brasil, Conjur, STF Notícias, Estratégia Concursos

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