Santa Catarina inaugura Vara Especializada com "Juízes sem Rosto" para combater organizações criminosas
No último dia 30 de junho, Santa Catarina deu um passo significativo no combate ao crime organizado com a instalação da primeira Vara Estadual de Organizações Criminosas do estado. Mas o que realmente chama atenção nesta iniciativa não é apenas sua criação, mas sim a tecnologia revolucionária que promete proteger magistrados e transformar a forma como enfrentamos as facções criminosas no Brasil.
Para entender a importância desta vara especializada, é preciso primeiro olhar para os números alarmantes do crime organizado brasileiro. O Brasil possui aproximadamente 88 organizações criminosas identificadas pelo governo federal, sendo que 91% delas possuem poder financeiro independente e 98% estão presentes em pelo menos uma unidade prisional.
Cerca de 23 milhões de pessoas em todo o país vivem em áreas dominadas ou com atuação de facções criminosas, o que representa aproximadamente 11% da população brasileira. Em Santa Catarina, especificamente, as organizações criminosas podem faturar cerca de R$ 335 bilhões apenas com o fluxo ilegal de cocaína no Brasil, o equivalente a 4% do PIB do país.
A região da Grande Florianópolis concentra 30,1% dos processos relacionados às organizações criminosas do estado, seguida pelo Vale do Itajaí com 22,08%, justificando a localização da nova vara na capital catarinense.
A grande inovação da vara catarinense está na proteção dos magistrados através de tecnologia de ponta. Foi desenvolvido um sistema integrado ao Microsoft Teams que garante total anonimato durante as audiências. O sistema:
- Distorce a imagem facial do magistrado, impedindo identificação de características físicas
- Altera o som da voz, impossibilitando distinguir se é homem ou mulher
- Realiza reconhecimento facial de testemunhas para maior segurança
- Degrava automaticamente as audiências com transcrição literal por inteligência artificial
Esta tecnologia representa um avanço significativo comparado a outras varas especializadas pelo país, que tradicionalmente focam apenas na especialização processual, sem a proteção tecnológica dos operadores.
Santa Catarina não está sozinha neste movimento. Há 10 anos, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) propôs a criação de varas especializadas no processamento e julgamento de crimes organizados. Em 2016, o total chegou a 62 varas especializadas.
Atualmente, diversos estados mantêm varas especializadas:
- Rio de Janeiro: Possui três varas especializadas, com distribuição mensal de cerca de 200 ações, mais do que o dobro das varas criminais comuns
- São Paulo: Instalou duas varas especializadas em 2023, redistribuindo aproximadamente 1.800 ações penais e 6.800 inquéritos
- Outros estados: Pará, Mato Grosso, Bahia, Roraima, Alagoas e Ceará também possuem varas especializadas
A complexidade dos casos envolvendo organizações criminosas exige tratamento diferenciado. De acordo com especialistas, as principais facções criminosas do Brasil alcançaram desenvolvimento próprio de organizações criminosas em razão da complexa estrutura hierárquica, inclusive com órgãos de julgamento e executivo.
As facções conseguem arregimentar muitos membros porque os presos, ao entrar nas penitenciárias, se unem aos grupos por proteção, pagando essa proteção com mensalidades e serviços. Este fenômeno, conhecido desde o surgimento do PCC em 1993, demonstra como o sistema prisional brasileiro tornou-se um ambiente propício para o fortalecimento dessas organizações.
A nova vara catarinense terá competência sobre todo o território estadual, julgando crimes praticados por organizações criminosas, com três exceções: processos do Tribunal do Júri, violência doméstica e do Juizado Especial Criminal.
Com um acervo inicial de 2.087 processos (1.841 em andamento e 246 suspensos), a vara será composta por cinco magistrados e 35 servidores. Os julgamentos serão colegiados e anônimos, garantindo maior segurança para todos os envolvidos.
A criação de varas especializadas tem mostrado resultados positivos. A especialização tem se revelado medida salutar, com notável incremento na qualidade e na celeridade da prestação jurisdicional, inclusive com a recuperação de bilhões de reais.
O desembargador Luiz Antônio Zanini Fornerolli, corregedor-geral da Justiça de Santa Catarina, destacou que a nova vara funcionará com "quatro vetores": eficiência, celeridade, segurança jurídica e segurança dos operadores.
A instalação da Vara Estadual de Organizações Criminosas em Santa Catarina representa mais do que uma simples especialização judicial. É uma resposta tecnológica e estratégica ao avanço do crime organizado, que segundo especialistas, "saiu dos presídios, onde nasceu, para se tornar grandes multinacionais bilionárias do crime".
A proteção dos magistrados através da tecnologia de anonimato pode servir de modelo para outros estados, especialmente considerando que 22 magistrados que atuam no Estado do Rio estão contando com escolta devido a ameaças de organizações criminosas.
O sucesso desta iniciativa dependerá não apenas da tecnologia empregada, mas também da coordenação entre os órgãos de segurança pública e da adequada formação dos magistrados e servidores que atuarão nesta trincheira especializada contra o crime organizado.
Fontes consultadas:
- Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) - Notícia oficial da instalação
- Jornal O Estado de S. Paulo - Reportagem sobre juízes sem rosto
- Portal Poder360 - Governo estima 88 organizações criminosas no Brasil
- CNN Brasil - Crime organizado se infiltra na economia
- Gazeta do Povo - 23 milhões de pessoas em áreas dominadas por facções
- Portal CNJ - Judiciário fluminense inaugura varas especializadas
- Migalhas - Vara criminal especializada e efetividade da Justiça
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